Ele só não é do tipo “ame ou odeie” porque, cá entre nós, amá-lo não deve ser lá muito fácil. Brincadeiras à parte: o inglês Sir Martin Sorrell não é exatamente adorável, no sentido stricto-sensu. Desafeto até de David Ogilvy, ele provou que pode haver mais ego fora do departamento de criação. Mas sem emoção: descrito como pragmático, impaciente, crítico, Sorrell se acostumou a atuar no mundo como um líder eficaz, impecável e implacável, cuja fina ironia, profundo conhecimento de finanças (e salário astronômico) lhe deram aura de guru. Só ele parecia saber para onde caminhava a indústria da comunicação, até o dia em que… De repente, até ele começou a dar respostas evasivas e, quem diria, ter atitudes inesperadas, como o mimimi em torno do excesso de gastos em festivais durante o Cannes Lions, no ano passado.
De uma maneira ou de outra, Sorrell venceu com sua perspectiva numérica do negócio da publicidade – que nunca foi, de verdade, o seu metier. Nadou de braçada e com fôlego de sobra entre os grandes conglomerados da indústria da comunicação e foi, sem sombra de dúvidas, a liderança mais conhecida e admirada – entre nomes como Maurice Levy, Michael Roth e John Wren. Era mais rápido, mais interessante, mais perspicaz. Mais inglês. Toda essa “pessoalidade” à frente do grupo WPP veio acompanhada, no entanto, de uma era de extrema impessoalidade na publicidade propriamente dita, em que a criatividade passou a ser tratada como ferramenta de dar lucros. Commoditização que afastou muitos nomes que abrilhantaram a propaganda, e fez ruir muitas empresas construídas por pessoas dotadas de uma criatividade mais artística, culta, embasada, de uma sofisticação que aparentemente se tornou impagável em anos mais recentes.
É curioso, e não deixa de ser simbólico, que o homem que inventou uma máquina de fazer dinheiro que tinha como centro nervoso a propaganda esteja saindo no momento em que sua fórmula, desgastada, deixa de fazer sentido – e deixando um rastro de prejuízos e queda de receitas, conforme demonstra matéria sobre o último trimestre do grupo, nesta edição. Conversei com alguns dos admiráveis Mad Men que acompanharam de perto a era do Math Men Sorrell. Roberto Duailibi, o mais business-oriented dos sócios da genial DPZ, acredita que Sorrell será chamado de volta para o Conselho do grupo WPP, como Steve Jobs quando deixou a Apple. Washington Olivetto acha que ele não fará falta para a publicidade, mas sim para o mundo dos negócios – justamente porque a publicidade nunca foi seu negócio prioritário. Armando Strozenberg concorda que trata-se do fim de uma era: em especial a do branding constitutivo das super-holdings de comunicação publicitária, que justapunha pessoa jurídica e pessoa física, como se fossem nome e sobrenome: “a WPP de Martin Sorrell”…
Com a saída de Sorrell, pode ser que esses grupos se tornem ainda mais impessoais, sem nome ou sobrenome. Ou, quem sabe, e eu torço por isso (talvez de um jeito um pouco romântico), venha a constatação de que a construção de marcas demanda menos contas e mais “back to basics”, com o olhar mais atento a valores e pessoas. Quem sabe a criatividade ganhe uma nova perspectiva nos negócios dessa indústria, com o espírito renovado – como o que parece ter movido o indecifrável Arthur Sadoun, do grupo Publicis, ao sequestrar da RGA o fera Nick Law, e levá-lo à liderança criativa do seu grupo. Desespero ou jogada de mestre? To be continued…
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