Mariana Carvalho, sócia do Grupo Ancar Ivanhoe – uma das principais empreendedoras e administradoras de shopping centers do Brasil –, responde hoje pela área de inovação da companhia e se mantém atenta às transformações do varejo. Nesta entrevista, a executiva aponta algumas tendências, em especial dos shopping centers. Mariana destaca o interesse dos consumidores por experiências. “O pensamento de que o shopping só deve ocupar seus espaços com lojas é coisa do passado”, diz. Ela também cita dados do setor, como os de que os brasileiros foram ao shopping sete vezes no mês, ou seja, mais de uma vez por semana.

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Afinal de contas, em que medida o futuro do varejo, dos modelos de transações e o foco na experiência do consumidor vão determinar o futuro do modelo dos shopping centers? Como essas estruturas se transformarão?
Quando falamos de significativas mudanças no varejo, é impossível não pensar que os shopping centers também terão de se adaptar para acompanhar uma evolução nos desejos e necessidades dos consumidores transformados principalmente pelo advento da internet, pelo crescente uso da tecnologia e pelo interesse por viverem experiências e serem tratados de forma personalizada. Ambos fazem parte do mesmo ecossistema e precisam conquistar a atenção e a lembrança do consumidor, que só vai ao ponto de venda físico hoje se sentir atraído para isso. Para se reinventarem, os shopping centers precisarão proporcionar muito mais do que apenas compras. A solução encontrada por muitos é adotar o conceito multiuso, oferecendo também espaços para escritórios, clínicas médicas e serviços diversos, e entretenimento, que promovam boas experiências. Além das alternativas que o shopping oferece, que precisam sempre focar nas necessidades e desejos dos consumidores, é preciso oferecer um ambiente bem cuidado, onde arquitetura, iluminação natural, mobiliário e aspectos sensoriais têm papel muito importante na experiência. A criatividade no uso dos espaços disponíveis também conta e o pensamento de que o shopping só deve ocupar espaços com lojas é coisa do passado. Os ambientes de co-working surgindo nos shoppings são um exemplo disso. A diversidade na forma de atrair o público faz a diferença, partindo do princípio que a qualidade do mix é primordial sempre.

Que exemplos já existem, de malls se transformando ao redor do mundo?
Nos Estados Unidos, por exemplo, já há um movimento de ocupação dos espaços disponíveis de forma diferenciada. Acompanhando as mudanças, possivelmente haverá uma necessidade menor de estacionamentos com todas as transformações que a mobilidade urbana sofrerá. Já precisamos pensar nisso desde agora. Em Berlim, um hotel modular substitui um estacionamento coberto no topo de um shopping center, encontrando um novo uso para a área. No Brasil, podemos exemplificar com as festas juninas que realizamos no shopping e são tão tradicionais, sobretudo no Nordeste. São festas que atraem um significativo público e antes eram realizadas na rua. Outro exemplo é o Carnaval na Rua do Rio, no Shopping Nova América, e a feirinha orgânica semanal com produtos frescos, no Iguatemi Porto Alegre, ou ainda o evento para cachorros, no Botafogo Praia Shopping. Vão de ações de pequeno a grande porte, o que vale é estar constantemente promovendo razões para o consumidor querer ir ao shopping. Outro conceito importante é o “Edutainment”, em que o shopping atua como educador através do entretenimento, como, por exemplo, o evento recente que realizamos no Rio Design Barra em parceria com a NASA, promovendo conteúdo relacionado às explorações espaciais. É uma satisfação enorme poder usar os shoppings com bom conteúdo. Aqui o conceito do multiuso já virou uma realidade e faz parte de cerca de 32% dos shoppings brasileiros.

Como o consumidor brasileiro pode ser comparado ao de outros mercados e que peculiaridades você apontaria que dificultam ou facilitam a vida dos varejistas?
A agitação e o caos das cidades brasileiras, somados a altos índices de violência, fazem com que os shopping centers sejam os locais perfeitos para as famílias frequentarem, pois oferecem segurança e conforto desejados. O número de shoppings vem aumentando no Brasil, principalmente nas cidades de interior, e existe shopping para todo o tipo de perfil. O fluxo de consumidores é, sem dúvida, maior aqui do que em shoppings nos Estados Unidos, por exemplo. Não apenas por conta da concorrência menos acirrada, mas porque há uma forte cultura de frequentar shopping. De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Shopping Centers, em 2016, os consumidores brasileiros foram ao shopping sete vezes no mês, ou seja, mais de uma vez por semana. Ainda segundo o levantamento, os brasileiros estão entre os consumidores mais engajados nas redes sociais, participando de promoções, montam comunidades e podem recomendar ou reclamar dos produtos. Fica claro que os clientes estão mais conscientes de seus direitos como consumidores e buscam fundamentalmente por produtos personalizados, atendimento de qualidade e um verdadeiro engajamento com as marcas. Antes era só abrir as portas das lojas e colocar o produto para vender. Hoje, o consumidor está se tornando multicanal e pode – e deve – escolher a maneira como quer consumir o produto, além de vivenciar uma bela experiência nessa jornada. Se antes era tudo ao redor do produto, hoje precisa ser ao redor do consumidor.

O que você viu de destaque na última feira da National Retail Federation, em Nova York?
Os shoppings vão se transformando e evoluindo para acompanhar as preferências de um consumidor em mutação. Uma das palavras mais faladas hoje é a conexão. A formação de redes, de conexão entre pessoas e marcas, entre pessoas e negócios e até entre pessoas e pessoas. Na Ancar Ivanhoe, abraçamos o conceito de ser uma plataforma. Uma plataforma que conecta tudo e, através de um equilíbrio entre varejo, serviços e entretenimento, fortalece nossos produtos, gerando experiências diferenciadas e encantadoras para nossos clientes. Pensar na longevidade da indústria passa por proporcionar um local impactante e vibrante, que conecta diversão, trabalho e um lugar para simplesmente estar. Um espaço para satisfazer desejos e necessidades, mas, ao mesmo tempo, que traga novidades, promova experiências, inove, “converse” com o cliente, acolha, emocione e traga experiências sensoriais. Hoje, já podemos sentir que a compra será uma consequência. O shopping precisa ser um facilitador da vida do cliente, trabalhar em forma de rede, perseguir modelos de serviços que façam sentido na vida de um novo consumidor que pode comprar online e retirar o produto na loja (BOPIS – Buy Online, Pick Up In Store), por exemplo. É também o caso do conceito de lojas showroom. Podemos olhar estes caminhos como extremamente ameaçadores ou podemos entendê-los como oportunidades. Precisamos ser simples e acessíveis para os consumidores, mas extremamente sofisticados na infraestrutura para atendê-los e surpreendê-los. Precisamos usar a tecnologia para incrementar os projetos em parceria com nossos lojistas e para nos permitir conhecer cada vez melhor nossos clientes com uma maior riqueza de dados, que antes não tínhamos acesso. Precisamos considerar as redes sociais como a melhor forma para manter e fortalecer nossas conexões online, permitindo que o encontro offline ocorra em nossos shoppings.

Ainda de tendências da National Retail Federation, que outras tendências de varejo identificou?
A relevância do sentido do propósito de cada negócio; a economia do acesso crescendo exponencialmente (acesso/compartilhamento x posse; a busca incessante por proporcionar uma experiência memorável ao cliente (inclusive sensorial); a utilização acelerada das novas tecnologias, inclusive no ponto de venda (realidade aumentada, 3D etc.); o digital e o físico se complementando e a valorização do consumidor como protagonista (customização, colaboração e interatividade).

Como a sua área está lidando com a crise atual no Brasil, como foi 2017 e como deve ser este ano? O que se vê são muitas lojas fechando, e isso deve estar afetando fortemente o segmento de shoppings. Qual é a sua visão disso, e como isso está sendo administrado?
O momento econômico que vivemos no país nos obrigou a ser criativos e a trabalhar ainda mais próximos dos nossos lojistas. Durante esse período, a Ancar Ivanhoe tem olhado mais para dentro e organizado a casa para manter o fôlego. Para 2018, os indicadores apontam para uma recuperação da economia ainda tímida, mas positiva. As características do negócio também nos favorecem. A indústria de shopping center é, normalmente, a última a sentir os momentos de turbulência e a primeira a se recuperar.

E qual o principal recado que lojistas do Brasil devem levar em conta, considerando, claro, que por aqui o mercado é diferente de lugares como Dubai, Japão e Coreia do Sul?
A principal mensagem para os varejistas é que precisam se mexer para fazer diferente. O que funcionou bem no passado não significará o sucesso no futuro e é crucial estar atento às mudanças de comportamento que vêm ocorrendo com os consumidores para agir rápido. Eles estão mais bem informados, superengajados nas redes sociais, gostam de participar de comunidades (sobretudo os nativos digitais) e consideram a opinião dos familiares e amigos antes de consumir algo. Hoje, eles podem elogiar ou detonar uma marca nas redes. Como é possível se conectar com estes consumidores fazendo o mesmo trabalho? Os lojistas devem conhecer muito bem seus clientes, se relacionar com eles e reconsiderar as estratégias e posicionamento de suas marcas, esclarecendo seu propósito e razão de existir. As pessoas não compram o que você vende, mas sim o que você acredita. A outra dica é não usar a tecnologia pela tecnologia. Estude a melhor maneira como a tecnologia e todos os recursos disponíveis podem ajudar como um meio e não como um fim, sempre em sintonia com o perfil da marca e do seu propósito.

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