O perfil do consumidor mudou. A afirmação é consenso para diferentes executivos de agências e anunciantes, que percebem a gradual transformação dos hábitos e comportamentos dos clientes a partir da tecnologia.

Além de estarem conectados, digitalizados, mais exigentes e empoderados, os chamados shoppers viram ampliar seus pontos de contato com as marcas, que têm buscado formas de estar presentes de maneira mais ampla e integrada em suas jornadas.

Thomas Tagliaferro, CEO da TracyLocke Brasil, responsável pela estratégia de branded experience das lojas Claro, pondera que todos são consumidores “365 dias por ano, 24 por sete”. A tecnologia, diz, é o que permite essa conexão. No entanto, apesar da praticidade de se comprar um celular às 3 horas da manhã sem sair de casa, a ampla oferta impõe alguns desafios. “A escolha se torna mais difícil. Por mais que a tecnologia facilite o processo, também ajuda a trazer muitas possibilidades e a escolha é mais dolorida.” O papel das agências, defende, é ajudar seus clientes ou marcas a fazer o consumidor vencer essa “dor da escolha” e aproximar “o produto certo do shopper certo”.

Thomas Tagliaferro, CEO da TracyLocke: padronização das lojas de varejo dá lugar ao modula (Divulgação)

De acordo com Renata Bokel, CSO da WMcCann, é muito difícil impressionar este consumidor. “Ele acredita que tudo é possível. Precisamos, de fato, entregar algo que seja relevante para a vida dele, compreendendo sua jornada com cada vez mais profundidade. Esse é o atual papel da agência, de entendê-lo, e utilizar todo o aparato tecnológico que temos para entregar uma narrativa com relevância e consistência.”

Ainda segundo Renata, a cada dia surgem novas maneiras de consumir. “Essas mudanças em si já são um novo modelo. Os consumidores vêm exigindo cada vez mais das organizações”, diz.

Renata Bokel, CSO da WMcCann: “Os consumidores vêm exigindo cada vez mais” (Divulgação)

Fato é que a tecnologia influencia o comportamento do consumidor e o modo como ele interage com as marcas que consome. Um dado que exemplifica essa transformação é que, em 1998, a Unilever Brasil recebia cerca de 20 mil cartas por mês. Hoje, são 20 mil menções nas redes sociais a cada três dias, em média. Neste processo, avalia Betânia Gattai, gerente do Consumer Engagement Centre da Unilever Latam & Brasil, o uso da análise de dados e métricas é cada vez mais necessário para monitorar e acompanhar o negócio.

“É fundamental para a Unilever acompanhar as tendências e o comportamento do consumidor, incluindo as avaliações das pessoas sobre nossos produtos, principalmente nas redes sociais, que são hoje uma ferramenta rica e indispensável para medir a opinião do mercado. Monitoramos constantemente os feedbacks sobre nossas marcas, o que nos ajuda a adaptar rapidamente nossos produtos e desenvolver novos a partir das sugestões recebidas”, aponta.

Omnicanalidade e estratégia

Há alguns anos o mercado acompanha a escalada da aplicação de conceitos como omnicanalidade, transmídia e integração ao traçar suas estratégias de comunicação e operação.

Betânia Gattai, da Unilever: 20 mil menções nas redes sociais a cada três dias (Divulgação)

Para Betânia, o varejo vem adotando a convergência entre o virtual e as lojas físicas para melhorar a experiência de consumo. “A jornada e, muitas vezes, o processo de decisão de compra são influenciados pelo digital, o que é muito positivo para os nossos negócios. Assim, temos a possibilidade de sermos mais eficientes, segmentando a comunicação, levando a mensagem certa, o produto correto no momento que aquela informação é relevante para nosso consumidor”, diz.

Segundo Tagliaferro, o uso de dados é uma das formas de mapear os desejos e características do consumidor. “São dados transacionais e de vendas, que podem ser captados com câmeras das lojas, que ajudam a mapear os fluxos, as áreas quentes e a observação dos hábitos no PDV. Eu consigo saber, naquele dia e naquela loja, qual foi o gênero predominante, qual era o humor das pessoas, qual a faixa-etária. Se eu sei que da uma às duas eu tive um público mais jovem, mais mulheres e eu vendi mais determinado produto, isso começa a me dar uma série de parâmetros para trabalhar ofertas para essas pessoas”, vaticina. Para Renata, a tecnologia pode gerar experiências de compra imersivas, inovadoras e exclusivas para pontos de venda, que também vêm se transformando.

Personalização

Se até pouco tempo a comunicação do varejo era padrão, o setor compreendeu que o novo consumidor gosta mesmo é de ações personalizadas. A Tracylocke, por exemplo, criou para o Burger King uma ação integrada com o Free Fire, onde o gamer era impactado por uma oferta e uma vez apresentada na loja, era convertida em benefícios no próprio jogo. “Pego o meu shopper dentro de uma plataforma, levo ele para loja e devolvo ele para o game”, aponta Tagliaferro.

Para a Claro, a agência criou uma experiência com a HBO para o final de Game of Thrones. “A estratégia começava em conteúdo nas redes sociais, passava pela loja e tinha influenciadores para ajudar a turbinar a ação. Não era uma data sazonal, mas uma oportunidade. O resultado foi incrível, gerou aumento de fluxo de mais de dois dígitos percentuais para as lojas onde foram realizadas e ajudou a consolidar o modelo, que se estendeu para Dia dos Pais, Crianças e Natal”, diz.

Ainda segundo o CEO, o PDV é parte fundamental do varejo, já que “dados da Nielsen apontam que 60% das decisões ainda são tomadas ali”. Betânia segue na mesma linha. “As pessoas vão ao PDV realizar suas compras, mas antes já foram impactadas no ambiente digital e tiveram a oportunidade de buscar informações sobre os produtos. O e-commerce também representa uma mudança no modelo de compra de bens de consumo convencional, com pessoas mais abertas a testar e a vivenciar essa experiência”, aponta.

De acordo com Tagliaferro, a máxima da padronização das lojas de varejo dá lugar ao modular. Para Renata, o futuro do varejo com tecnologia passa por assistentes virtuais, que devem ajudar as empresas de produtos e serviços a atender seus clientes.

“Eles serão capazes de revolucionar o varejo físico e virtual, tendo em vista a sua capacidade de recomendação de compra e de atendimento personalizado. Essa tecnologia concretiza de vez a era da internet das coisas (IoT). Além disso, a inteligência artificial faz com que os consumidores tenham acesso a mais respostas sobre os produtos. Com a democratização dessa tecnologia, portas interessantes se abrirão para criarmos relações ainda mais relevantes e personalizadas. A IA, em conjunto com a IoT, vai transformar para sempre a experiência do cliente com produtos e serviços”, finaliza.