Atualmente, praticamente todas as reuniões, conferências e publicações de marketing estão – como deveriam estar – dominadas por discussões sobre tecnologia. Mas enquanto ela é colocada no centro das nossas estratégias e trabalhos criativos, um fenômeno aparentemente contraditório está surgindo do lado do consumidor: a necessidade de não ver ou perceber a tecnologia.

A tecnologia nunca esteve tanto em evidência, e ao mesmo tempo as pessoas nunca tiveram uma necessidade tão grande de fazê-la invisível.

Essa não é uma afirmação apocalíptica. Afinal, é fato de que as pessoas continuam amando tecnologia, o último feature ou o status de usar os últimos modelos. O ponto é que cada vez mais as pessoas precisarão que ela sirva para entregar o que elas querem de maneira mais rápida e fluida.

Na conferência PSFK CXI 2018, grandes inovadores de diversas indústrias compartilharam suas experiências sobre como o foco nas pessoas continua a ser crucial para gerar utilidade e relevância. E ao longo da conferência ficou claro que conforme ficamos sobrecarregados por aparelhos, estes inovadores estão olhando para tecnologia por uma perspectiva diferente: uma que não foca em atrair atenção, mas em libertá-la – e causar impacto na vida das pessoas sem complexidade.

Para a pesquisadora do MIT Amber Case, o smartphone é um exemplo claro de tecnologia que rouba atenção: quando foi criado, seu uso replicava a interface de um computador pessoal, que exige 100% da atenção do usuário. Atualmente a realidade é muito diferente, porque queremos libertar nossa atenção para que sejamos melhores e façamos mais. E isso exige o mínimo de esforço para o máximo benefício, o que só pode ser atingido por uma tecnologia invisível, simples, intuitiva e periférica.

E essa linha de pensamento – contra-intuitiva ao “playbook” tradicional do marketing da interrupção – tem sido a chave para os grandes disruptores gerarem atenção, relevância e relacionamento para suas marcas.

Seguindo essa filosofia, percebemos três maneiras pelas quais grandes inovadores estão quebrando convenções e reinventando a maneira como se integram organicamente às vidas das pessoas.

Invisibilidade requer pouco e entrega muito

Um valor muito visível da tecnologia invisível é que continuamente entrega soluções de alto valor sem exigir uma interação contínua. Um grande exemplo – também da conferência – é Suvie, o robô que elimina a dor de cabeça das refeições cotidianas. Imagine uma mistura entre um forno automatizado, um serviço de entrega de refeições gourmet no estilo Blue Apron e kits de refil Nespresso. Esse conceito permitiu a Suvie – uma startup de eletrodomésticos – a criar um forno robô (não um robô com pernas e braços, mas um aparelho que resolve problemas humanos) que te recebe em casa com uma refeição saudável, fresca e pronta para consumir, uma alternativa perfeita para a cultura americana da comida congelada e do “take out”. Além de só cozinhar, Suvie atua de forma a satisfazer a necessidade das pessoas de serem mais livres – economizando tempo enquanto garante uma alimentação saborosa e saudável. Tudo isso com uma interface como a de um forno regular, uma prova de que nem toda boa tecnologia precisa adicionar mais uma tela de LCD às nossas vidas. 

Invisibilidade põe a experiência e psicologia humana sob o holofote

A experiência invisível prioriza as conexões e paixões humanas. O caso aqui é Impossible, o hamburger feito de plantas para amantes de carne. Carne feita de plantas que parece, cheira e tem gosto de carne de verdade – mas como fazê-lo ser bem-recebido por grandes formadores de opinião sobre carne? Para solucionar esse desafio “impossível”, o time de cientistas da Impossible buscou entender as pessoas. Por que gostamos de carne? O que faz a carne parecer e ter o sabor que amamos tanto? A pesquisa chegou ao nível molecular para obter sucesso. E segundo a líder de marketing Jordan Schenck, o Impossible Burger foi então lançado com foco nos amantes de carne, o que gerou controvérsia com a cena vegan dos EUA e ganhou a admiração da cena “foodie”, e está fazendo a marca se tornar uma alternativa inovadora e deliciosa para o público em geral. A Impossible fez o processo por trás do produto invisível; a relação e os elementos humanos que fazem a carne tão especial foi o importante.

 Invisibilidade só nos mostra o que é importante para nós

Pensar de maneira invisível significa falar as linguagens mais naturais para fazer com que a interação seja mais fluida e natural possível. O Slack é um grande exemplo. Com a missão de melhorar a produtividade na nova realidade profissional de trabalho remoto, a plataforma de colaboração profissional foi fundo para entender as pessoas e como elas se relacionam. Apostou em pesquisa para buscar soluções para tensões como má interpretação, falta de comunicação, de contato pessoal e de linguagem corporal e entendeu a necessidade de trazer para seu léxico conceitos como diversão engajamento, felicidade e toque humano. E então se inspiraram em plataformas sociais para trazer inovações simples mas de grande impacto. No evento, a líder de pesquisa Christina Janzer mencionou o exemplo de trazer emojis para o ambiente de trabalho para substituir a falta de expressão e linguagem corporal que são fundamentais para uma comunicação profissional eficiente. Parece óbvio? Essa é exatamente a ideia.

É muito empolgante ver grandes inovadores tendo sucesso através de uma abordagem humana na qual, mesmo quando lançam produtos de alta tecnologia, se apoiam mais na experiência e no valor que essa tecnologia adiciona na vida das pessoas. Criar tecnologias invisíveis, mais inteligentes, que levam a pessoas mais inteligentes e felizes requer uma visão diferente para a maioria das empresas e marcas, mas cujos benefícios e resultados – esses sim – serão muito perceptíveis.

Rogério Colantuono é diretor de estratégia da Grey NY e o artigo foi publicidado originalmente na  plataforma PSFK NK