Como se diz por aí, parece que foi ontem que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a pandemia do coronavírus. Nesta quinta-feira (11) faz um ano que a notícia, embora esperada, abalou o mundo. A maioria achava que ia passar rápido, mas a realidade foi outra: o contágio pela Covid-19 ainda é alto, morrem muitos e a vacina anda a passos de tartaruga – semana passada o estado de São Paulo entrou na fase vermelha. Com isso tudo, as mudanças foram e ainda são radicais e muitas delas para sempre, o que leva alguns segmentos a repensar desde a ocupação de espaços físicos, o uso aloprado da tecnologia, até o consumo de produtos.


Quem diria que tudo isso aconteceria em um curto espaço de tempo? Os desafios foram grandes, como aquele de encarar o home office para tirar as pessoas de circulação. Porém, no frigir dos ovos, o mercado brasileiro se virou, conseguiu se adaptar e agora faz um balanço positivo, apesar de amargar a tristeza de milhares de vidas perdidas por conta da doença.


Sylvia Panico, managing director e global COO da David, por exemplo, conta que quando a agência teve de levar 100% do trabalho para casa foi desafiador, mas hoje olha para trás e afirma que o aprendizado foi grande. E já fala na adaptação do sistema quando tudo passar. “O trabalho em home office tem funcionado bem, as empresas vão se adequar a uma nova realidade mesmo quando a pandemia estiver controlada, talvez com um modelo híbrido. Porém acho importante lembrar que fazemos parte de um negócio de pessoas e estar juntos de forma presencial sempre fará uma grande diferença”.

Sylvia Panico, da David (Divulgação)


Vitor Barros, CEO da Propeg, afirma que o processo de adaptação ao home office foi mais rápido do que esperava. “Nos surpreendeu como conseguimos manter o nível de produtividade nas alturas”. Fabrício Proti, managing director da Teads no Brasil, concorda e fala que na sua agência não foi diferente: observou que “a produtividade continuou alta e com ferramentas para mensurá-la”. “Acredito que mais importante do que ser econômico para as empresas é saber que os colaboradores estão felizes com a nova dinâmica de trabalho e produzindo tão bem quanto no velho formato de escritório”, referindo-se à mudança que acarreta economia para a empresa quando deixa de alugar espaços, já que os funcionários trabalham de casa.

Vitor Barros, da Propeg (Divulgação)


Marcelo Lenhard, founder & CEO da Hands, fala que a situação na agência não foi muito diferente da maioria. Porém, conta que algumas coisas já estavam integradas à rotina deles antes da pandemia. “Há quatro anos, começamos a notar um êxodo de ótimos profissionais para os EUA e a Europa. Então, começamos a contratar essas pessoas, principalmente das áreas de planejamento e criação, aproveitando que eles tinham experiências em novas culturas. São colaboradores que operam em home office. Mesmo com a questão dos fusos horários conseguimos nos adaptar muito bem”, explica. Segundo Lenhard, “o novo normal do home office”, que a pandemia trouxe, não foi novidade para eles.

Marcelo Lenhard, da Hands (Divulgação)


Renato Loes, presidente e sócio-fundador da Mar, conta que a sua agência está funcionando remotamente desde março de 2020. “Tivemos de nos adaptar, liberar equipamentos, cadeiras etc. para os nossos colaboradores levarem para suas casas. Alteramos localização de servidores e todo trabalho de TI também passou a ser remoto. Tudo isso aconteceu sem qualquer problema e com relativa normalidade”.


Para ele, na realidade, o fenômeno home office chegou por causa da pandemia e forçou as agências a reverem certos procedimentos e confirmou que muitas delas já poderiam ter ocorrido “antes da tragédia da Covid-19”. “Ficou claro que a presença física dos colaboradores não é necessária. Muito se falou da adaptação de novos colaboradores e a necessidade de integração, porém durante todo período tivemos a chegada de três novos colaboradores e dois novos clientes e essa dificuldade também não se confirmou”, argumenta.


Ele diz ainda que o mercado foi despertado para a necessidade de muitas mudanças por causa da epidemia. “Estamos modificando comportamentos que achávamos impossíveis de serem alterados e alguns outros que sequer chegávamos a contemplar. Os clientes também alteraram comportamentos e juntos estamos funcionando muito bem”.


Paula Molina, diretora de RH da WMcCann, declara que, assim como todo mundo, a agência teve de se adaptar e focou em três pilares: bem-estar físico e mental dos colaboradores; potencialização de ações de desenvolvimento; e foco em diversidade.

Paula Molina, da WMcCann (Divulgação)


Daniel Kaminitz, CEO da Weach Group, reflete sobre 2020, que, para ele, foi muito marcante. “Claro que sofremos como o mercado publicitário inteiro nos meses de abril a junho, mas, ainda assim, conseguimos incorporar um novo sócio à empresa, vindo de uma adtech americana, e, com isso, alguns profissionais novos chegaram ao time também”, relata. Segundo ele, todo o processo de onboarding dos novos integrantes – além de novos procedimentos, mecânicas, estratégias e até mesmo uma consultoria de marketing – foi realizado 100% online ao longo do último ano. “Hoje, nossa metodologia é totalmente focada em produção e não em horas trabalhadas”. Kaminitz fala que mesmo assim mantém o escritório intacto. A ideia, segundo ele, é deixá-lo reservado para reuniões “e/ou para qualquer colaborador que queira usar”.

Daniel Kaminitz, do Weach Group (Divulgação)


Quando o assunto é alterações estruturais na rotina, os executivos relatam a realização de ações para o bem-estar dos funcionários, assim como imersão nas novas tecnologias até mudança de espaço. Sylvia, por exemplo, afirma que as mudanças na David são guiadas de forma a preservar a saúde e o bem-estar dos colaboradores. “Criamos um ambiente onde podemos estar juntos, mesmo com cada um em sua casa”, diz a executiva, acrescentando: “Neste momento, além de prover a estrutura para que o funcionário possa estar confortável trabalhando de casa, a preocupação com a saúde mental deve ser constante”.


Paula Molina, da WMcCann, revela que, além de novas tecnologias e ferramentas
digitais instaladas para permitir a nova rotina, uma das maiores mudanças estruturais foi a redução em 30% do espaço físico dos escritórios. “Ao final da pandemia, o regime home office ou um sistema híbrido passará a ser uma realidade para nós e isso oferecerá ainda mais flexibilidade nas rotinas de trabalho, conforme a necessidade do colaborador e da empresa”. Já Barros, da Propeg, declara que, por enquanto, continuam em home office até que a vacina seja amplamente aplicada. “A mudança estrutural que fizemos foi disponibilizar o máximo possível de dados e informações na nuvem para que todos pudessem trabalhar de casa como se estivessem no escritório”.


Daniel Kaminitz, da Weach Group, prefere contar como estruturou a agência para o novo momento. Ele fala que, além da chegada de um novo sócio e de novos integrantes do time comercial, como Bruno Daga, que veio do mercado de PayTV, alteraram a linha de pensamento com relação a atuação e estratégia de approach ao mercado e, também, o modelo comercial, principalmente da atuação com mídia programática. “Hoje entendemos que nosso modelo é ainda mais comprometido com o resultado das marcas e não só de mídia”, resume.


Fabrício Proti conta que o escritório da Teads “ocupava duas belíssimas salas no We Work, do Shopping JK, seguramente o endereço mais bem localizado para quem trabalha no mercado publicitário”. “Nós entramos em home office no dia 13 de março de 2020 e rapidamente entendemos que não precisaríamos tão cedo daquela estrutura, então no dia 30 de abril entregamos as salas”. Conforme o executivo, o plano é ter um community center para que os colaboradores usem para reuniões de times e momentos de socialização.

Fabricio Proti, da Teads (Divulgação)


Marcelo Lenhard também conta que, entre as principais mudanças da Hands, está a troca da sede. “Antes, ocupávamos um galpão de 700 m2, que, naturalmente, ficou ocioso até o fim do primeiro semestre de 2020. Era um espaço que consumia um alto valor, então, revertemos isso trocando a nossa sede para um espaço menor, com mais tecnologia e mais preparado para essa nova realidade que, na nossa opinião, não deverá mudar muito no futuro”. Ele acredita que profissionais da área administrativa podem utilizar a nova sede, mas acha que, cada vez menos, aqueles que atuam mais focados no produto precisam estar presencialmente na agência. “A Hands já vinha trabalhando assim nos últimos anos e agora isso se mostrou mais eficiente, gerando uma série de economias e reinvestimento na capacitação estrutural da agência para operar a distância”, comenta.


Sobre o futuro dessas adaptações, na avaliação de Sylvia, o home office em parte da semana é uma ideia que muitas empresas já tinham adotado e, certamente, a pandemia acelerou o processo. “Quando tivermos a vacina para todos e essa crise na saúde estiver sob controle, vamos conseguir entender melhor as necessidades do dia a dia e como, de fato, nos adaptaremos à nova realidade”.


Paula também acredita que a pandemia forçou a análise de novas formas de trabalho e tecnologias, além de ressaltar competências importantes como agilidade, flexibilidade e comunicação. “São mudanças para melhor, mas ainda acredito que devemos voltar a buscar o contato humano, mais olho no olho, sem perder as vantagens que a tecnologia nos oferece”.


Para Barros, a crise provocada pelo coronavírus acelerou um processo que já vinha sendo discutido, no entanto, para ele, é cedo dizer se isso será para sempre ou não. “Acredito muito em um modelo híbrido em que as pessoas possam trabalhar de casa, mas também presencialmente. O contato é importante, principalmente para agências, cuja criatividade é parte do DNA”, analisa.


Kaminitz adota o mesmo discurso quando o assunto é mudança provocada pela Covid-19. “A pandemia acelerou o processo de digitalização do mercado. Vimos que a publicidade teve de se adaptar e, de uma maneira geral, novos targets foram criados, novos e-consumidores surgiram e, com isso, o tom de comunicação precisou ser reaprendido, repensado; os processos e decisões estão todos sendo feitos de uma maneira nova – online, digital -; e o famoso funil de conversão de vendas virou um grande estilingue”, exemplifica. Ele lembra ainda que os projetos do digital tiveram cada vez mais protagonismo e relevância dentro da indústria, “todos sendo pensados de forma homogênea para que a campanha seja fluida entre telas, uma vez que, hoje, seu novo cliente pode estar no WhatsApp e vendo um vídeo na TV ao mesmo tempo”.


Fabrício Proti concorda que a crise sanitária acelerou um processo que, segundo ele, demoraria décadas para acontecer. “Digitalizamos nossas vidas em uma velocidade nunca vista. Acredito que estamos só no começo dessa jornada, que trará mais qualidade de vida e produtividade para as empresas”, prevê.


Lenhard é outro executivo que acha que a pandemia acelerou a mudança da rotina das agências e, provavelmente, dos clientes, como qualquer outro mercado. “Já vínhamos com essa cultura de desprendimento da rotina corporativa presencial. Para a Hands foi simplesmente acelerar mudanças que eram parciais num primeiro momento, mas que depois foram acontecendo em todas as áreas da agência”. Ele fala que hoje não vê mais sentido na necessidade de as pessoas trabalharem presencialmente todos os dias, como antes. “Para o futuro, acreditamos em uma rotina mais híbrida, principalmente considerando a parte de inteligência de produto da agência que pode atuar tanto em home office quanto presencialmente”, aposta.


No geral, o que todos pensam é que a pandemia forçou muita reflexão e avaliação de conceitos. Sylvia fala que os aprendizados de um ano de pandemia vão desde entender a melhor forma de relacionamentos com a distância entre as pessoas da agência até a influência na relação com os próprios clientes. “Nunca estivemos tão próximos deles e o trabalho de comunicação só provou ainda mais a sua importância nesse período, ajudando as marcas a manterem a sua conversa com o consumidor, sempre no tom mais adequado”, conclui.


Paula lembra que foi um ano com perdas e ganhos, “sem dúvidas”. “Em relação aos nossos clientes, mesmo todos tendo sido impactados de formas e proporções diferentes, cumprimos nossa missão de ajudar as marcas a terem um papel significativo na vida das pessoas, estando ao lado deles ao longo deste momento desafiador. Diante da situação ainda tivemos oportunidades de criar cases específicos para o cenário da pandemia, como o Drive Thru de Doação de Sangue da GM”. Mas, ela lembra ainda como foi difícil o lado pessoal para todos, com casos de doença, perdas e sofrimentos familiares. “Por isso ressalto que nosso foco na saúde foi e continuará sendo essencial, pois sabemos que ainda temos um novo ano difícil pela frente, mesmo com a vacina, enquanto a situação não for devidamente controlada”, lamenta.


Barros também destaca como um ano de muito aprendizado. “Aprendemos a trabalhar melhor de casa e a conviver melhor em casa. Ao mesmo tempo, passamos a dar mais valor aos relacionamentos com colegas de trabalho, a valorizar o tempo do outro. Aprendemos que não há paredes para o talento e que o trabalho em equipe, seja ele presencial ou virtual, faz a diferença”.


Outro executivo que aponta o aprendizado como um dos principais legados de 2020 é Kaminitz. Ele fala que 2020 foi de reaprendizado, releitura e adaptação. “Para a maioria das indústrias, as metas não foram cumpridas, os investimentos foram represados e os desafios lançados para este ano, de certa forma, com alguns aprendizados. Assim, a Weach Group avalia um 2021 com ótimas perspectivas”, projeta. Já o balanço de Proti mostra um ano que exigiu muita agilidade nas decisões estratégicas no âmbito global e local. “Foi um ótimo ano para acelerar as soluções de performance da Teads, atendendo a forte demanda do mercado e para diversificar portfólio de clientes”.


Lenhard lembra que, apesar das inegáveis mazelas, a pandemia trouxe um “freio de arrumação corporativa”, que serviu e ainda serve para que todos possam reavaliar seus processos e investimentos. “Ou seja, para fazer com que agências e empresas tenham maior eficiência corporativa”. “Então, hoje, ao lembrar da frase ‘dinheiro não aceita desaforo’, vejo que a pandemia veio para nos fazer repensar quais ‘desaforos’ a gente vinha fazendo com o dinheiro. Porque é mais do que comprovado que hoje a gente opera gastando muito menos e podendo investir um pouco mais em coisas que realmente são mais importantes e eficientes, não só para os nossos negócios, mas para os dos nossos clientes também”, analisa.