Ainda bem que a propaganda não ouviu o hit Não vou me adaptar, de Arnaldo Antunes e Nando Reis. Porque a atividade, que movimenta globalmente cerca de US$ 900 bilhões por ano, dados da WFA (Word Federation of Advertisers), se reinventa feito uma metamorfose ambulante, como se fosse uma sugestão de Raul Seixas. Por esse motivo, nesta quarta-feira (4), Dia Mundial da Propaganda, a atividade pode celebrar. No Brasil, no primeiro semestre, pela métrica do Cenp Meios, com amostra de dados de 218 agências, a receita líquida do setor somou R$ 8,2 bilhões.

Créditos: William Iven/Unsplash

A atividade, porém, avançou para além da intermediação de mídia e produção, por exemplo. A criatividade, que sempre foi seu principal asset, ganhou novo contorno com tecnologia, inteligência de negócios, dados, CRM, integração e conhecimento da jornada do consumidor. A criatividade se manifesta por formatos inimagináveis, de um aplicativo aos conteúdos customizados. E novas aplicações de product placement e merchandising. Além de ter um tom que passou a contemplar a diversidade, sustentabilidade, pluralidade, propósito, gênero, determinismo geográfico e questão racial.

Simon, CEO da DPZ&T, recomenda combinação de “criatividade, tecnologia e dados”

A pesquisa de investimento do Cenp contempla compra de mídia. Algumas agências já ultrapassaram a marca de 50% com outras fontes financeiras como fees e participação em resultado. Entre as ofertas de serviço estão performance, war rooms, estudos ad-hoc, dados, consultoria, estúdios de branded content, projetos especiais, PR e live marketing.

Na verdade, novas oportunidades estão surgindo e essa transição para uma era na qual a propaganda não tem mais cara de propaganda exige algo além dos elementos estéticos e da escolha dos canais. As pessoas passaram a ser mídia com o fenômeno dos influencers digitais.

O principal dilema é como comprar o tempo do consumidor. O instituto Locomotiva Pesquisa & Estratégia, a pedido da Grey Brasil, detalhou no estudo Comunicação pela lógica da demanda, o desafio de conversar com o consumidor do século 21, que 103 milhões de brasileiros não se identificam com a publicidade exibida na TV. Pesquisa do DAN mostra o avanço da rejeição à comunicação tradicional.

“Acho que muitas marcas estão levando o conceito de always on marketing ao extremo. Isso acaba gerando um over posting e uma irrelevância brutal. O always on acaba virando chato, irrelevante, previsível. Sempre lá só por estar lá. Em vez disso, as marcas deveriam adotar o sometimes no marketing. Às vezes interessante, às vezes relevante, às vezes incrível, às vezes lá porque faz sentido estar lá. Sim, é importante a marca saber o que está acontecendo no mundo. Mas isso não quer dizer que precisa ficar falando alguma coisa o tempo todo sem parar. Quem decide o que falar e quando falar? A marca. A marca é que manda”, ponderou Anselmo Ramos, fundador e CCO da GUT.

Laura Esteves, diretora de criação da Y&R, fala que “pós-propósito marca evolução do pensamento das marcas para ativismo concreto”

Por mais que as expressões transformação, inovação e disrupção estejam na moda, a propaganda continua dependente química do tripé ideia, criatividade e projeto exequível. “O ponto básico desse processo de disrupção é que a forma como o mundo todo se comunica mudou. Isso levou agências, anunciantes e até veículos offline a uma readequação de perfil”, destacou Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis Brasil.

Na expressão de Luiz Lara, chairman do Grupo TBWA no país, a tecnologia mudou a forma de produzir, distribuir, comercializar e consumir produtos e serviços. “E trouxe enorme empoderamento para os consumidores, cada vez mais protagonistas, porque recebem e produzem conteúdos para as marcas com as quais se identificam. Mais do que nunca os consumidores tratam marcas como pessoas e se identificam não só com os atributos racionais, mas principalmente com o propósito e a causa destas marcas. Aqui, na Lew’Lara\TBWA, temos o Backslash que tem spotters espalhados pelo mundo para detectar as principais tendências de comportamento, da cultura e do mercado.” O CCO Felipe Luchi, da Lew’Lara\TBWA, fala que “as agências e anunciantes perceberam que são capazes de ampliar sua audiência com ideias poderosas e conectadas com as discussões da sociedade – o earned media – e também de construir as próprias audiências – o owned media. Quem jogar melhor esse novo jogo, vence a briga.”

Pipo Calazans, copresidente e CEO da SunsetDDB, explica que as agências precisam mudar a maneira de atuação para gerar valor. “Este é um cenário de rompimento. Assim como a lâmpada não é um processo da evolução contínua da vela, ela é um rompimento para o início de um novo modelo. Acho que temos a possibilidade de construir um novo formato de trabalho para que sejamos relevantes, eficientes e com relações mais próximas e potentes, onde as pessoas se sintam protagonistas de todo o processo.”

A revisão do modelo de remuneração das agências é um ponto que Fernand Alphen, co-CEO da F.Biz, ressalta. “O mais relevante e crucial para a sobrevivência do negócio é a revisão dos modelos de remuneração das agências. É evidente que o modelo clássico já está sobrevivendo por aparelhos. A remuneração variável, baseada em volume de investimentos em mídia, já não dá conta nem vontade aos anunciantes, tampouco uma competitividade sadia do mercado. Não vale a pena voltar sobre esse tema tantas vezes debatido. Mas parece também que a remuneração por hora/homem, baseada em escopo de trabalho, não leva em conta nenhuma subjetividade. A hora/homem de duas pessoas com igual função e salário não valem o mesmo, nem aqui na Terra, nem lá em Vulcano. A definição de escopos fixos também não levam em conta nenhuma das complexidades humanas. Pessoas têm humores, epifanias e dores de barriga. A menos que a gente ache que eficiência publicitária seja apenas fator de aprendizados ‘mensuráveis’, e que a criatividade seja um ornamento supérfluo, formatos de remuneração que não considerem remunerar a intangível criatividade são imperfeitos”, concluiu Alphen.

Repensar o processo atual é o que recomenda Marcelo Reis, co-CEO e CCO da Leo Burnett Tailor Made. “Não podemos nos tornar obsoletos. Essa transformação disruptiva contempla uma mudança sobre ferramentas (analisar quais poderão nos ajudar), processos (reformulá-los de acordo com as ferramentas digitais), expansões (novos modelos de negócios e mercados), mindset (avaliar qual será o impacto das transformações digitais sobre o desempenho da agência) e pessoas (realizar as adequações necessárias para que a mudança de mindset se sustente).”

“Não podemos nos tornar obsoletos. Adequações são necessárias”, afirma Marcelo Reis

Por que o processo de transformação é vital para a indústria da propaganda e o que ela tem a celebrar? Quem responde é Kevin Zung, COO da WMcCann. “Estamos na era do ‘change or die’, e com as agências não poderia ser diferente. Acho que a indústria está dando passos, ainda que pequenos, na direção certa. Ao menos, já entendeu para onde seguir”, afirmou Zung. “Felizmente, vivemos um momento ímpar, onde obter e medir dados nunca foi tão acessível e eficiente. De posse de todas essas informações é quase uma obrigação da propaganda ativar indústria como nunca antes”, detalhou Rui Branquinho, CCO do DAN Brasil.

“Quando quebramos velhos paradigmas para darmos espaço ao novo, o leque de possibilidades para a linha de chegada é infinito”, argumentou Antonio Fadiga, CEO da Artplan. “Vivemos em um momento em que a informação não para e chega de todos os lugares. As conversas acontecem em multiplicidade de canais e pontos de contato. A propaganda, atualmente, é um desses pontos de contato, não está sozinha e, por isso, a importância do nosso papel de articuladores entre esses diversos pontos”, acrescentou Rodolfo Medina, presidente do Grupo Artplan.

A capacidade de agregar, curar e desenvolver talentos criativos é asset típico da propaganda, como observou Fabiano Coura, presidente da R/GA. “Temos também novos empreendedores independentes que nascem contra uma forte consolidação das grandes holdings. Isso tudo implica em uma nova oferta aos anunciantes que também constribuem à transformação”, complementou Marcio Oliveira, diretor de atendimento e negócios da R/GA.
A transformação é o oxigênio dessa indústria. É o que pensa Pedro Reiss, CEO da Wunderman Thompson. “É o que proporciona o ambiente necessário para acompanhar e entender como se comporta a nova sociedade e quem são os novos consumidores que mudam de hábito o tempo todo.”

Felipe Luchi, CCO da Lew’Lara\TBWA: “Ideias poderosas e conectadas”

Eduardo Simon, CEO da DPZ&T, observa que a transformação é vital para todas as indústrias. “Acredito que o uso combinado de criatividade, tecnologia e dados permita que ganhemos relevância nas conversas com nossos clientes e habilita a todos os profissionais a serem criativos. A verdade é que o grande aprendizado, e talvez seja esse o grande pulo do gato do negócio de hoje, é que criatividade não pode ficar restrita a uma única área da agência. É fundamental continuarmos a desenvolver essa capacidade nas pessoas para que todos os profissionais sejam criativos em suas especialidades e tenham um olhar multidisciplinar, seja um produtor, um profissional de mídia ou de BI”, declarou Simon.

Dois pilares regem o processo de transformação na visão de Marcos Quintela, CEO do VML&YR Group no Brasil: diferenciação e relevância. “Acabamos de passar por um período de revolução que foi a chegada avassaladora e definitiva do mundo digital às nossas vidas. Daqui pra frente é tranformar e evoluir nesse mundo híbrido, também dentro da propaganda. Esse trabalho é constante e diário, pois as marcas dos nossos clientes não são uma foto e sim um filme que, por mais que você faça no presente, sempre tem continuidade. Sempre temos o que celebrar, pois a propaganda brasileira continuará sendo referência mundial de criatividade e inovação porque acreditamos que transformar e evoluir no nosso setor não é uma opção, é uma necessidade de sobrevivência dentro de um mercado tão competente e competitivo.”

Fernand Alphen, co-CEO da agência F.Biz: “Revisão dos modelos de remuneração”

Para finalizar, Laura Esteves, diretora de criação da Y&R, chegou a hora da ação. “O pós-propósito marca esta evolução do pensamento das marcas para um ativismo concreto e prático. O que efetivamente estamos fazendo e entregando para os consumidores? Em uma pesquisa realizada este ano, 55% dos consumidores acredita que as marcas têm um papel mais importante que o Governo no futuro da sociedade. Uma transformação na propaganda. Um grande poder em nossas mãos. E consequentemente, uma grande responsabilidade para todos nós.”