Diversidade não significa apenas arregimentar um elenco multirracial e de várias matrizes de sexualidade em uma campanha de publicidade e considerar que essa medida vai agregar valor para uma marca. Nesse caso, a ambientação do projeto cai no universo do clichê. Ou seja, buscar aderência apenas com discurso e não com um verdadeiro propósito e sem oportunismo. A discussão sobre diversidade ganha corpo e requer uma nova atitude das agências, produtoras de audiovisual e dos anunciantes.

O painel Diversidade: discurso ou propósito, que encerrou a parte temática da 9ª edição do Fórum de Marketing Empresarial, realizado pela Editora Referência e o Lide (Grupo de Líderes Empresariais) entre os últimos dias 24 e 26, em São Paulo, exibiu uma pesquisa sobre o tema produzida por Paulo Secches, da Officina Sophia Conhecimento Aplicado. O estudo feito com exclusividade para o evento é resultado de duas mil entrevistas com metodologia quantitativa (entrevistas online e questionário eletrônico) e coleta de dados via um painel com duração de seis minutos aproximadamente.

A análise sociológica mostra que de um lado há forte apoio às minorias e o respeito à diversidade, mas de outro uma elevação consistente do conservadorismo. Esse cenário motiva uma pergunta: em um mundo múltiplo e diverso, como as marcas e instituições devem se posicionar?

Apesar dos posicionamentos políticos e sociais divergentes, para 84% da amostra as marcas deveriam apoiar causas e bandeiras. Apenas 16% consideram que essa não é uma boa ideia. No detalhamento, 83% estão abertos a diferentes cores de pele; 82% aceitam respeito e convivência com idosos; 81% apoiam a igualdade entre homens e mulheres; para 81% deve haver mais equilíbrio entre ricos e pobres; 75% creem na liberdade religiosa; o empoderamento feminino é favorável para 75%; o respeito e convivência com migrantes une 74%; e para 72% os homossexuais não podem sofrer nenhum tipo de discriminação. Dois aspectos são negados de forma contundente por conservadores e minorias: o aborto e o uso da maconha.

“O resultado é que a maioria acredita que as marcas deveriam estar alinhadas com a diversidade e também fariam opção de compra caso elas tenham compromisso assumido com esses temas. Para o consumidor está claro que os temas atuais não podem ser renegados pelas marcas. Caso contrário podem buscar outras que estejam alinhadas à essa visão. As pessoas exigem esse tipo de pertinência das marcas quando vemos que 76% fazem as suas escolhas baseadas nos seus direitos e liberdade. O estudo mostra que a sociedade tem se tornado muito permissiva ao aceitar que cada pessoa faça o que quiser da sua vida e conviva com outro alguém como queria. No caso dos indivíduos, as escolhas indicam que cada pessoa faz o que quer e convive com quem quiser”, explicou o pesquisador Secches.

Alê Oliveira

A pesquisa mostra que 88% estariam propensos a consolidar a compra de um produto que empresta apoio à diversidade étnica. Para 87%, o respeito e convivência com idosos é fundamental para colocar algum item no carrinho e passar no caixa. Apoio à legalização da maconha e à legalização do aborto são os dois motivos rejeitados pelas pessoas ouvidas pela Officina Sophia. A rejeição desses assuntos é mais forte entre os homens.

As marcas, porém, devem ligar o sinal de alerta e não se iludir com o apoio massivo dos consumidores à diversidade. Para 48%, o uso desse expediente é oportunista e gera desconfiança; 40% acreditam que há responsabilidade com a sociedade e o futuro, mas nesse item 8% rejeitam a intenção responsável com as causas. O instituto constatou que 26% observam sinceridade nas marcas que conferem apoio a temas como gênero, raça, igualdade entre sexos e minorias.

Na opinião de Secches, há três ondas que os anunciantes e suas respectivas agências de comunicação não podem ignorar no planejamento estratégico de abordagem aos clientes nos canais de mídia: negócios (lucro, criação de valor e o ecossistema de valor); comunicação (gerar vendas, estabelecer conexões emocionais e provocar engajamento); e marca (awareness, relevância e deixar claro o seu propósito). Esse recorte da pesquisa teve a colaboração do TIP (Transparência, Inspiração e Propósito) da agência Ana Couto, que trata de consumo consciente e economia colaborativa.

“A primeira onda reflete um relacionamento entre marcas e consumidores baseado no produto, no serviço e no seu valor monetário. A segunda é relacionada, principalmente, à relevância dos produtos e das marcas na vida dos consumidores. E na terceira onda o importante é o compartilhamento dos mesmos valores e propósitos entre as marcas e os consumidores, e em seu papel no mundo”, explicou Secches, lembrando que na onda 1, 40% não consumiria marcas, produtos e serviços com foco apenas no lucro; na onda 2, exatos 50% talvez considerassem pagar o preço cobrado pela marca; mas na onda 3, um volume de 67% teria como opção a compra devido à relevância e ao propósito oferecidos.

Há outro fator relacionado às três ondas elencadas por Secches: a predisposição do consumidor de pagar mais. Na onda de awareness há rejeição negativa de 14% na hora de pagar preço mais elevado e de 10% em relação ao valor que vai ser cobrado; no item relevância 4% declararam na pesquisa que pagariam mais e o mesmo percentual para pagar até um pouco pelo tíquete; e no quesito propósito, que norteia a onda 3, 11% têm predisposição a pagar mais e 4% muito mais.
Essa validade tem efeito cross geracional nas pessoas mais maduras, na expressão de Secches.

Para 69% dos entrevistados é factível comprar algo que manifesta um propósito estratégico claro. “Construir um propósito de marca, ou uma marca com propósito é, antes de tudo, de interesse do negócio e condição da sua sustentabilidade futura, com rentabilidade. E como esse propósito pode ser construído sobre a diversidade? Transparência e autenticidade é o que vale. E isso faz tempo. Relacionamentos superficiais já não são mais suficientes. Os consumidores querem marcas que mostrem, e pratiquem, de forma autêntica e verdadeira, a sua dimensão humana, contribuindo de forma concreta para as suas vidas”, recomendou Secches.

Recursos humanos
O exercício retórico, segundo Hugo Rodrigues, um dos palestrantes do Fórum de Marketing Empresarial e chairman e CEO da WMcCann, deve dar lugar a atitudes consistentes das marcas para deixar claro que há um propósito real quando implantam o tema da diversidade.

Alê Oliveira

“Uma pesquisa realizada pela agência mostra que é bonito, ou conveniente, falar sobre diversidade, não importa se a marca tem ou não cumplicidade com o mote escolhido”, disse o executivo, que busca mulheres negras para integrar o seu time com o plano de ampliar a oferta multirracial nos nossos quadros. “Elas vão se reportar diretamente a mim”, ele afirmou.

Quando atuava como CEO da Publicis Brasil, de onde saiu em outubro de 2017, Rodrigues tinha na sua equipe quatro diretoras de criação e um comitê de diversidade. “Precisamos pensar que há 3,5 bilhões de pessoas em situação mediana no mundo, mas há 2,5 bilhões vivendo na pobreza. O consumo e toda a discussão da diversidade passa por isso”, destacou Rodrigues que, porém, não é pessimista: “Há evolução e a perspectiva é melhor, mas devemos fazer isso como um exercício diário. Precisamos ser mais cuidadosos. Não dá para fazer qualquer coisa. Se ‘clusterizarmos’ tudo, não vamos chegar a lugar nenhum. A estatística comprova que apenas 1% dos personagens dos livros são negros e asiáticos; 15% das empresas no Brasil são comandadas por mulheres; transexuais têm dificuldade de conseguir emprego; a representatividade ainda é superficial na propaganda. Se houver um esforço profundo, o consumidor poderia estar mais preparado. O Ipsos tem um estudo sobre como o povo vê a diversidade. A média do Brasil é 22%, mas a self perception é de 85%”, detalhou o dirigente da WMcCann.

A apresentação de Rodrigues também incluiu a frase de Daniel Kahnemann, economista e escritor que ganhou o Prêmio Nobel: “A postura dos brasileiros parece contraditória”. Se realmente é, Rodrigues elenca mais dados para sustentar esse raciocínio de Kahnemann, mas com escopo mais geral. “A diversidade de etnias aumenta em 33% a lucratividade das empresas; estudos de Harvard mostram que os millennials querem ficar ricos e ter sucesso. Muita gente está fazendo discurso e o assunto é sério.”

Monica Gregori, diretora de marketing da Jequiti, ressaltou que a diversidade não é apenas uma causa a ser defendida, mas precisa estar na essência da marca. Ela acredita que uma empresa não precisa levantar bandeiras por mais legítimas que sejam. E mesmo que essas ações sejam realizadas por conveniência, Monica vê valor porque contribui de alguma forma para a evolução da sociedade.

Alê Oliveira

“A Jequiti acredita na inclusão; ela é ampla e plural. Temos vários segmentos, mas não queremos fragmentar ecossistemas. Estamos todos juntos e misturados. Nossa expressão de marca está presente em várias situações, afinal temos 300 mil revendedoras. Todo mundo tem um sonho, não importa a etnia. Nosso novo posicionamento é Sonha que dá. A Jequiti é glamurosa, respeitosa e sem estereótipos. Nossas campanhas misturam todos para construirmos uma sociedade melhor”, observou Monica.

Vanessa Brandão, diretora de marketing da Heineken, explicou que as estratégias focadas em nicho existem, mas desde que tenham capilaridade e sejam compartilhadas. “Não dá para limitar a comunicação por segmento e faixa etária. Se não somos o maior investidor da categoria, temos de assumir riscos, aprender e consertar rápido. Isso exige escolhas e pensamento inovador. Precisamos atingir quem está disposto a comprar o nosso produto. Be bold or go home é o nosso lema. Não adianta colocar uma placa na Champions League e não ter propósito”, finalizou Vanessa.

Alê Oliveira

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