O cancelamento do Festival de Cannes pegou de surpresa o mercado publicitário na manhã desta sexta-feira (3), embora a decisão fosse esperada pela maioria. A reportagem do PROPMARK conversou com algumas lideranças brasileiras do trade para saber o que tal anúncio significa para a propaganda e o marketing.
“Neste momento, onde estamos repensando tudo, é natural que ele [Cannes Lions] também seja uma fonte de reflexão. Esta mudança trará aprendizados sobre a forma de pensar, trabalhar e produzir para nossos clientes. Estaremos ainda mais ágeis, criativos e resilientes em junho de 2021”, opina Laura Esteves é diretora executiva de criação da DPZ&T.
Para Flavio Waiteman, CCO da Tech and Soul, que foi um dos destaques na edição do ano passado da competição, nas últimas semanas o mundo caminhou dez anos à frente. “Se o Festival de Cannes é uma fotografia da cultura global, seus interesses, aspirações e futuro, a fotografia de 2019 e 2020 simplesmente não fazem mais sentido”, afirmou o publicitário.
Na opinião de Antonio Fadiga, CEO da Artplan, a decisão é responsável. “Esse é o momento de repensar e de salvar os empregos das pessoas, seria insensato investimento (tempo e dinheiro) em qualquer outra coisa que não nisso”, disse Fadiga. Ele acha que mesmo um julgamento online seria difícil. “Os jurados são pessoas e profissionais que também estão sofrendo pressões diversas agora; foco nos julgamentos seria difícil. Os Leões deste ano já estão sendo distribuídos: ações e atitudes de marcas que estão salvando vidas fazendo a diferença na vida das pessoas nessa crise”, ressaltou ele.
Rafael Pitanguy, VP de criação da Y&R, também viu a decisão de forma positiva. “Não podemos esquecer que a publicidade faz parte de um contexto maior. Ela está inserida nas questões do planeta. Vi a decisão de forma positiva. Porque o Cannes Lions é um evento de celebração no palco com os prêmios conquistados. Se fosse mantido me pareceria visão alienada diante do contexto do 2020. Não é um cancelamento; é adiamento para o momento certo. Quem sabe unir dois anos em um só”, destacou Pitanguy.
Para Ricardo John, o cancelamento “era inevitável”. “As agências estão lutando para sobreviver e nesse contexto, o custo das inscrições se torna proibitivo. Mas, por outro lado, é uma pena perdermos a referência do que foi criativo no ano”, afirma o CEO & CCO da FCB Brasil.
Já Sandra Martinelli, presidente executiva da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), o Cannes Lions precisava ser cancelado. “Assim como SXSW o fez, e assim como a WFA Marketer Week, prevista para Cingapura, foi realizada ontem e hoje por vídeo conferência. A ABA também optou por focar na realização do ENA e do ABA Summit este ano, cancelando todos os demais. Esperamos que essa situação se normalize da maneira mais segura possível para todos, e que em 2021 possamos voltar com a carga toda”.
“Achei a decisão correta e prudente. Mesmo que o festival fosse em outubro acredito que ninguém teria energia para comemorar nenhum prêmio. Ninguém está com cabeça para fazer aquilo que o festival espera. O mundo está voltado para a causa. Fábricas de carro estão fazendo respiradores para hospitais e profissionais estão mudando de área só com o propósito de ajudar. A decisão é correta. Poderia ter sido antes. Mas entendo o lado de negócios”, ressaltou Diego Machado, ECD da AKQA São Paulo, que conquistou no ano passado dois Grand Prix no festival.
Glaucio Binder, presidente da Binder, encara o cancelamento do Festival de Cannes como algo natural, diante do atual cenário. Ele acha que a organização do evento “estava esticando demais a corda”. “Eventos muito mais complexos, como Olimpíada, foram cancelados este ano, não fazia o menor sentido mantê-lo. Um ano não fará muita diferença”, dispara o executivo. Para Binder, era uma questão de tempo. “Executivos do festival usaram esse tempo para administrar a situação”, argumenta.
Outro que vê com bons olhos o cancelamento é Rodolfo Sampaio. “Uma postura madura da organização, feita com a antecedência possível para o momento. Não teríamos clima para uma celebração como é o Festival de Cannes. Uma celebração bem cara por sinal. As prioridades nos próximos meses serão outras: a sobrevivência de pessoas e de negócios. O fato do Palais des Festivals estar abrigando moradores de rua por conta da pandemia é emblemática da situação que vivemos”, afirma o VP da Moma Propaganda.
Rafael Urenha, CCO da DPZ&T, acredita que é hora de preservar a profissão. “É momento de austeridade. E de focar no trabalho, recuperação e pessoas. Cannes é importante como benchmark de criatividade, mas outras coisas ganham prioridade sobre o que devemos fazer. […] Não é hora de olhar para premiação. E de ‘repriorização’ das iniciativas do mercado. Dar atenção às coisas certas: proteger pessoas e o mercado. Prêmio pode esperar”, opina.
“Cancelar o festival é o correto, porque nossos focos têm que estar nos lugares certos, seja olhando como holding, como grupo, como agência ou como profissional”, afirma Guilherme Jahara, copresidente da SunsetDDB. “Os Leões que precisamos ganhar este ano são os Leões de preservar as receitas das agências, preservar os negócios dos clientes, preservar empregos, preservar a economia, preservar a sociedade e os mais vulneráveis e, acima de tudo, a saúde de todos. Esses têm que ser nossos ‘prêmios’ de 2020”, complementa.
Para Marcia Esteves, CEO da Lew’Lara\TBWA, o cancelamento era inevitável. “As fronteiras aéreas estão cada vez mais fechadas, a pandemia está cada vez mais grave na Europa e as medidas de isolamento social cada vez mais restritas. Ainda que uma versão online pudesse ser mantida, fato é que hoje nossa atenção está focada na manutenção da saúde das pessoas, na adaptação para o novo modelo de trabalho, enfim, na construção de um novo mundo. Fazer uma premiação, da magnitude e importância de Cannes Lions, ainda que online, com tantas famílias despedaçadas, com os sistemas de econômicos, saúde e funerários em colapso, poderia ser um desrespeito enorme para com a sociedade global”, avalia a executiva.
Thomas Tagliaferro, CEO da TracyLocke Brasil, tem pensamento semelhante ao de Jahara: “neste ano, com todo o impacto econômico, o foco e o investimento das agências devem estar em manter suas operações funcionais e preservar o máximo de empregos possíveis. Acho correta a decisão do Cannes Lions e tenho certeza que esse tempo será recuperado com uma edição histórica em 2021”, opina.
Já Ulisses Zamboni, CEO da Santa Clara, acredita que o cancelamento era inevitável. Segundo o executivo, a economia global “está paralisada”. “O impacto desta paralisação não tem exceção e se aplica diretamente ao nosso setor. Em um momento em que as pessoas, empresas, governos e marcas estão redirecionando seus esforços e estratégias, entendemos, que é natural, que os caminhos criativos e de comunicação olhem para essas mudanças e reflitam esse ‘novo normal'”.
Para Sergio Gordilho, CCO da Africa, o cancelamento foi a atitude mais sensata, humana e solidária. “No momento que vivemos a maior crise após a 2ª grande guerra. O mais importante festival de criatividade do mundo não poderia ter outra atitude além de apoiar toda a indústria a focar no que realmente importa: ajudar o mundo através das suas ideias”.
“É claro que o Festival de Cannes é um reconhecimento perseguido por agências e clientes no mundo todo. Mas, com o cenário atual, a decisão do cancelamento não poderia ter sido outra, conforme explica Marco Gianelli, o Pernil, da AlmapBBDO: “a verdade é que não teremos muito o que comemorar este ano. O foco de todo mundo precisa ser como passar, ou sobreviver, por essa crise, que deve ser a maior da história recente. Mas a gente precisa tentar manter o otimismo, mesmo no meio dessa adversidade toda. Ajudar quem a gente puder, seja da família, da empresa, ou um cliente. E pensar que isso vai passar. Que, apesar de toda desgraça, podemos tirar algo positivo. E que, em junho do ano que vem, se tudo der certo, poderemos voltar a celebrar a criatividade da nossa indústria junto com nossos clientes”, opina o diretor executivo de criação.
Eduardo Camargo, fundador e coCEO da Mutato, classifica o cancelamento como “uma pena”. Para o executivo, seria extremamente útil e oportuno pra indústria nesse 2020 participar de um novo Cannes. “Remoto, colaborativo, encantador, humano, empático – se colocando no mesmo lugar em que todos estamos… Multitemático e feito com mais conteúdo e menos forma. Faltou imaginação pro festival se reinventar? Não sei dizer. Recursos e investimentos faltam pra todos, invariavelmente. Nos resta torcer pra que usem essa escolha de ausência nesses tempos pra refletir, assim como todo mundo”, diz.
“Sairemos melhores desse 2020 se acordarmos de fato para o que realmente importa. Cannes como ‘farol da indústria’ se apaga num momento crítico, por outro lado ganham tempo pra refletir sobre serem capazes de (re)criar relevância capturando o que importa de fato daqui em diante em criatividade, negócios e comunicação. Esperava mais, inclusive das holdings nesse caso. Fico pensando que fazer mais com menos – o mantra desses tempos -, pode ser assustador o suficiente pra se concluir que não se deve fazer nada. Uma pena. Mesmo”, finaliza Camargo.
“Acho que esse cancelamento mostra mais uma vez a gravidade do momento que estamos e pelo qual vamos passar. Faz todo o sentido que custos como prêmios, viagens internacionais, etc sejam cortados para a manutenção ao máximo de empregos e salários. Cannes existe há várias décadas e vai continuar existindo como um grande momento da nossa indústria, mesmo que esse ano não aconteça, acredito e espero que em 2021 voltaremos a participar normalmente”, comenta Lima.
“Acho que o impacto é positivo. Apesar da nossa indústria ter sido a última a cancelar um evento importante. Até o comitê Olímpico Internacional cancelou as Olimpíadas. Temos a obrigação de pensar na saúde das pessoas antes de tudo. Imaginem um ‘Cannes Health’ neste ano? Nossa atividade tem que focar em salvar empregos e proteger as pessoas”, diz Marcos Medeiros, sócio e CCO da CP+B.
Para Bruno Brux, ECD da GUT, “o momento é de usar nossa força criativa pra ajudar a resolver os problemas do mundo de agora, e não de celebrar os problemas que ajudamos a resolver no último ano”, ressalta o executivo.
Na opinião de Eduardo Lima, executive creative director da Wieden+Kennedy São Paulo, foi a “decisão mais acertada”. “É uma oportunidade incrível para que o mercado publicitário brasileiro repense seus valores. Quem sente por cancelamentos como este são os mais vaidosos, os que anabolizam o trabalho pensando em premiação, os que jogam fora das quatro linhas sonhando em catapultar suas carreiras”, argumenta. Lima afirma que a decisão não afeta a W+K. “Nossa filosofia é resolver criativamente problemas de negócios para os nossos clientes. Nossa vida segue esse foco”.
“Particularmente, considero a decisão mais adequada a se tomar diante da magnitude da crise socioeconômica que está devastando o mundo todo”, opina Fernando Taralli, presidente da VML no Brasil.
Segundo o executivo, a prioridade agora deve ser salvar vidas e sobreviver à crise. “Falando pela VML, dificilmente teríamos como participar do Cannes Lions este ano, mesmo em uma eventual premiação online. Desde janeiro, nossos esforços estão concentrados nos negócios dos clientes com o propósito de apoiá-los, com consultoria e soluções criativas, no enfrentamento desse momento de tantas turbulências. Além disso, a meu ver, uma premiação em outubro não faria sentido. No meio de tantas incertezas e instabilidade, um ponto é claro: vamos emergir disso tudo com um mundo muito diferente do que tínhamos até o final de 2019.”
Para Rafael Donato, vice-presidente de criação da David, essa foi a coisa certa a fazer. “A prioridade é a saúde das pessoas e do negócio. Foco total em ajudar os clientes a se adaptarem a esse momento tão desafiador. Temos que investir todos nossos esforços não em ganhar prêmios, mas sim em assegurar o negócios dos nossos clientes. Espero que o cancelamento do festival não diminua a entrega criativa. Muito pelo contrário, a nossa criatividade nunca foi tão importante para encontrar novas soluções, buscar oportunidades e se adaptar. Porque o maior GP que podemos ter esse ano é poder sair dessa crise mais fortalecidos como indústria e como seres humanos”, diz.
“Antes mesmo da organização do festival cancelar o evento de 2020, os grandes grupos de comunicação já tinham começado a se manifestar, questionando os investimentos em prêmios neste momento e alegando que a economia do mundo está derretendo. Portanto não havia sentido em celebrar algumas ideias, quando o que precisamos agora é de ideias que ajudem a superar um momento tão difícil”, diz Luiz Sanches, chairman e CCO da AlmapBBDO.
O criativo, que havia sido escolhido como presidente do júri de Outdoor para edição de 2020, reforça que qualquer festival é importante para apontar caminhos criativos e inspiram marcas. “Os festivais têm um impacto financeiro no mercado, aumentam o valor do nosso negócio, criam reputação. Porém agora todos os negócios estão parados e sofrendo com essa pandemia. O cancelamento de Cannes 2020 não só mostra a sensibilidade e a sintonia do festival com a crise, mas ainda destaca a necessidade de que todos os esforços estejam voltados para a relevância dos nossos negócios”, finaliza.
Colaboraram Alisson Fernández, Kelly Dores, Leonardo Araujo, Marina Oliveira, Neusa Spaulucci e Paulo Macedo