Espera aí, ninguém vai pedir a cabeça do técnico da seleção? Não é o que reza a tradição no País de 200 milhões de treinadores? Ora, time que perde a Copa o técnico é demitido. Não tem sido assim desde que Charles Miller desembarcou por aqui com a primeira bola de futebol? Ocorre que em se tratando de Adenor Leonardo Bacchi, o Tite, pode-se dizer que na prática a teoria é bem diferente. Historicamente, no Brasil, só quatro técnicos foram mantidos no cargo após uma eliminação em mundiais, dois casos ainda na década de 1930. Não houve clemência nem a quem venceu, visto que só um treinador teve chance de ser mantido de uma Copa para outra, Zagallo, campeão em 1970.

Então, qual terá sido o paraquedas de Tite? Por que não há sequer um debate sobre sua saída do cargo de treinador da seleção? Na madrugada da derrota para a Bélgica, o presidente da CBF chegou ao seu hotel, em Moscou, ainda remoendo a dor da eliminação. Um repórter que o aguardava na porta quis saber se Tite seguia firme no comando da seleção. O homem disparou: “Isso lá é pergunta que se faça? Tite só sai se ele quiser”. E não há só o dirigente a pensar assim. Imprensa, torcedores, entendidos, apaixonados e até mesmo pessoas alheias ao futebol. Todos entendendo que Tite deva permanecer para mais um ciclo de Copa do Mundo. Essa benevolência – rara em qualquer ambiente de competição, como o Corporativo, por exemplo – deve-se à combinação de algumas competências nas quais Tite é um verdadeiro craque.

A mais tangível delas é sua notória capacidade como técnico. Este é o principal motivo de Tite ter chegado ao posto de maior honra do futebol. Desde que assumiu o comando da seleção, foram 20 vitórias e, até a fatídica eliminação contra a Bélgica, apenas uma derrota.

Agora, e aquilo que não se mede, o intangível? É aí que está o segredo de Tite. Ele acumula um invejável estoque de boa vontade com todos os públicos. Resumo a seguir os principais pontos que jogam a seu favor:

Imagem positiva – Tite mudou a cara da seleção brasileira. Liderou um penoso processo de reconstrução de uma “marca” fulminada por um 7 a 1 para a Alemanha, em 2014. Soube motivar e ter nas mãos atletas bem-sucedidos e realizados profissionalmente em seus clubes. Tite personificou a ideia de uma “nova seleção brasileira”, emprestando a ela a sua imagem de homem que sorri, vibra, chora, reconhece seus erros e sabe pedir desculpas.

Carismático, respeitoso e disponível – Em qualquer entrevista, Tite é cordial na forma de ouvir e responder a uma pergunta. Sua postura é aberta e bem-disposta. Encara qualquer assunto e se mostra sempre disponível. A entrevista não lhe parece um fardo. Ainda que sejam muitas e o contestem sempre. Ao contrário, sua primeira coletiva na Rússia foi um exemplo raro de descontração e de conversa, terminando com selfies com alguns jornalistas, abraços, desejos de boa sorte e até alguns aplausos.

Liderança sensível e humana – Há elementos na comunicação do técnico Tite que constroem uma clara percepção de que, à frente das câmeras e do microfone, existe um ser humano. Há uma prerrogativa em comunicação de que “emocionar é melhor do que informar”. E Tite faz isso com maestria. Sua fala não parece planejada para emocionar. Isso ocorre naturalmente porque ele já está carregado de emoção quando fala.

Transparência – Tite olha o jornalista nos olhos. Na contramão das principais lideranças do País, o treinador da seleção brasileira é um homem sério, tranquilo e confiável. Perguntado sobre a possiblidade do Brasil ganhar a Copa: “Não temos controle sobre o resultado final, mas aumentamos a possibilidade de sucesso conforme o trabalho que executamos”. Sempre convicto, sincero e honesto, em um cenário de imensa crise ética no País, não demorou que alguns fãs mais exaltados pedissem Tite até na presidência da República.

Comunicação precisa – Sim, Tite é metódico e, algumas vezes, sua fala empolada se torna cansativa. Só que é também um hábil criador de frases de efeito. Estudioso, apresenta sempre dados e estatísticas que confirmam suas afirmações, sem nunca abrir mão do fator emocional. “A sensação de merecer algo está muito acima da conquista. Isso é um sentimento que resulta em autoestima, orgulho e satisfação pessoal”, afirmou em uma palestra a empresários.

Vale observar que, da mesma forma, marcas e empresas que são autênticas e disponíveis, verdadeiramente sensíveis e engajadas, e acima de tudo humanas, tendem a ter maior benevolência de seus consumidores quando fracassam. Marcas e empresas que se comunicam, que são abertas e acessíveis, falam com seu público, atendem à imprensa, respondem às críticas que recebem nas redes sociais, essas possuem um bom colchão de boa vontade. Assim chamado porque amortece os impactos. Ou, paraquedas, porque realmente salvam a sua pele no momento do desastre.

Por vezes estive à frente do gerenciamento de crise de empresas que passaram por ela com louvor. Falha de produtos, recall, acidentes em fábrica, suspeita de fraude praticada por funcionário, demissão em massa, contaminação. Tudo isso é grave e deve ser encarado com prioridade quando ocorre. Faro é que sempre sairá na frente quem tiver um bom estoque de reputação. E isso se constrói de duas formas: sendo e se mostrando constantemente.

Um placar de 7 x 1 é indestrutível. Uma eliminação em Copa é fracasso no País em que, no futebol ao menos, só a vitória é aceita.  Erros são julgados com rigor pela opinião pública. Neste cenário, a reputação do técnico Tite deve servir de inspiração a todo mundo que se comunica e representa algo maior. O que vai garantir um paraquedas lá na frente é o que se constrói hoje e a todo instante.

Felipe Guimarães é diretor da agência AtitudeCom, coaching de Comunicação e gestor de Crises Agudas