Foi-se o tempo em que longas filas de espera eram credenciais para medir o quão badalado era um restaurante. De fato, o fenômeno das horas intermináveis em certos ambientes ainda é comum nas grandes capitais, mas cada vez mais os consumidores estão atentos a outros atributos de valor, como a procedência dos alimentos e qualidade do serviço.

O cenário incentiva os estabelecimentos a repensarem seu modelo de negócio e a estratégia de conversa com esse público. Mais exigentes e bem informados, os consumidores estão mais criteriosos quando buscam refeições fora de casa, e, nessa equação, o fator preço também tem peso tão relevante quanto à experiência proporcionada em todo o processo.

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Para Marcelo Pontes, professor de publicidade da ESPM, o setor de gastronomia passa por uma grande transformação e saem na frente os players que compreenderem que comida não é mais apenas para matar a fome. “Não dá mais para imaginar ir ao restaurante apenas tendo como ponto de vista a comida. A experiência começa quando decido sair de casa até voltar. Tudo que inclui essa jornada, desde localização, estacionamento, fila, serviço e a refeição fazem parte da experiência de comer fora”, diz.

Sócio do chef Jefferson Rueda na recém-inaugurada Hot Pork, lanchonete especializada em cachorro-quente artesanal, Guime Davidson concorda que o consumidor mudou seus hábitos. À frente da consultoria criativa Gimmick, o publicitário cuida da comunicação de pontos tradicionais da capital paulista, como Casa do Porco e Dona Onça, onde tem observado movimento de clientes mais conscientes quanto ao que comem.

“O consumidor tem se questionado cada vez mais se o que está comendo é saudável. É um movimento lento, mas que ganha força. Essa discussão do orgânico, do preparo, tudo isso começa a entrar na pauta dos formadores de opinião. As pessoas amam ir ao Habib’s ou ao McDonald’s, mas o conceito de alimentos menos industrializados já está inserido”, fala.

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Vitrine de experiências
Levando em conta que a jornada nas grandes cidades tende a abarcar cada vez mais a refeição fora de casa, o que não faltam são oportunidades de impactar esse consumidor. De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), as vendas do mercado de alimentação devem avançar 4,5% neste ano, quase o dobro em relação a 2017. Aproveitando esse movimento, os restaurantes têm unido forças para serem mais atrativos. Foi a aposta de Fernando Reis lá atrás, com a criação do Restaurant Week, presente em 15 cidades Brasil afora. A edição na capital paulista bateu recorde com mais de 200 casas participantes, o que levou a extensão por mais uma semana, até o último dia 29 de abril. “A Restaurant Week é uma plataforma de comunicação completa. Hoje você tem a forma tradicional do plano de mídia, com anúncios, ativação etc., mas o festival oferece tudo isso com a experiência do cliente. É uma ótima forma de comunicar e performar. Não existe publicidade melhor do que proporcionar uma boa experiência”, afirma.

Com o tema Gastronomia Internacional e foco na culinária dos países que participarão da Copa do Mundo, o evento se tornou benchmark do segmento e tem atraído patrocínios e apoiadores de peso, como a cervejaria Petra neste ano. Não à toa, outros modelos semelhantes existem, como o festival Comida di Boteco. Mais recentemente surgiu a Temporada Gourmet, idealizada pelo Shopping Jardim Sul, na capital paulista. “Quando a gente olha lá atrás, o shopping era um templo de consumo. E a gastronomia não era vista como parte da experiência. O mercado precisou se reinventar. Antes, o tiquete médio era gasto apenas para matar a fome, mas hoje é investido em experiências. A cesta de consumo é totalmente diferente”, explica Bruna Fábris, líder de marketing do shopping. Para Thaís Alves de Lima, especialista em branding na Galunion, consultoria especializada no mercado de food service, de fato, houve uma mudança no perfil de consumo nas praças de alimentação. “Quando eu vou comer fora, sou mais antenado. Se não tenho tanto poder de compra, vou ser muito mais seletivo. As praças de alimentação têm uma briga muito grande de preço, mas os restaurantes têm um limite. Não tem mais como reduzir o preço sem perder valor”, conta. Como complemento, entram em cena ativações que vão além da comida.

A primeira edição da Temporada Gourmet foi realizada de 10 a 13 de abril, com a participação de marcas como Pati Piva, Amor aos Pedaços e cerveja Colorado. A programação incluiu cardápio com preços especiais, além de workshops e harmonizações de pratos, vinhos e cervejas. “As ações atraem um número menor de consumidores, mas têm profundidade, sem contar que as marcas tiveram a oportunidade de reverberar esse conteúdo nas redes sociais”, conta Bruna. “Os lojistas compraram a ideia. A Pati Piva, por exemplo, foi atrás de parceria com a Nespresso para montar uma experiência mais completa de degustação de doces”.

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Fama
A popularidade dos reality shows gastronômicos tem cumprido papel de apresentar novos ingredientes e sabores ao telespectador. Não à toa, a cadeia de gastronomia, incluindo as redes de fast food, tem se movimentado e atualizado seu cardápio e comunicação. Para o chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, não é por acaso que o papel do chef tem ganhado mais relevância em um momento em que tanto se discute escolhas mais inteligentes à mesa. “Encaro como positivo esse olhar para o alimento e sua cadeia, da terra à digestão e descarte. Virar garoto-propaganda, ganhar destaque na mídia ou o aumento dos programas gastronômicos são consequências deste movimento maior”, avalia. Recentemente, Oliveira fez participação especial no Masterchef, na Band, mas as redes sociais são seu principal ponto de contato para disseminar a boa culinária e, de quebra, servir como ponte entre marcas que querem fazer parte dessa conversa. Isso é válido tanto para empresas do setor de food service, como os supermercados Makro e Pão de Açúcar, até a fabricantes de automóveis, como a Nissan. Patrocinadora da Champions League, a Nissan recorreu ao perfil do chef no Instagram para promover seu novo serviço Scan, em que o usuário escaneia via aplicativo a logomarca da fabricante e tem acesso a todos os jogos do campeonato europeu no celular.

Bom, bonito e barato

Para Davidson, da Gimmick, a comunicação da gastronomia deve ser orientada pelo mesmo atributo que faz um prato ser bom: a simplicidade. “E isso independe do tamanho do restaurante. Lá fora, temos redes como a Shake Shack, um império de lanchonetes de Nova York, que se propõe a fazer muito bem feito algo simples como hambúrguer e batata frita. Tudo orgânico e com ingredientes selecionados. Eles têm escala global e obrigaram os outros players a trazer uma comunicação mais próxima”.

Segundo o publicitário, os movimentos da boa comida e boa comunicação literalmente se retroalimentam. “O mercado de fast food melhorou muito graças aos players que fazem boa comunicação como o Burger King, que também tomou dianteira em fazer comunicação com efeito e impacto. Eles trouxeram o patamar de fazer coisas criativas. Por causa disso, a estratégia do McDonald’s também mudou. Assim como os processos de produção nas grandes redes, que estão menos industrializados”, avalia.

Mas não são apenas os gigantes que detêm poder de fogo para anunciar na mídia de massa que têm se destacado. Os players menores têm alcançado bons resultados com a alta segmentação do digital. Nesse sentido, a internet oferece mais assertividade em uma comunicação dirigida ao consumidor do bairro onde está o restaurante, uma alternativa de melhor custo-benefício.
Segundo Thaís, da Galunion, o PDV aliado ao digital é oportunidade ainda pouco explorada.

“As redes menores não têm tanto poder de verba, então concentram no PDV e no digital, mas há um mar de possibilidades: o momento da compra, o atendimento e como mostrar as ofertas”. Davidson concorda e chama a atenção para as possibilidades do uso de geolocalização. “Na hora que você consegue concentrar no bairro onde fica o estabelecimento, com o target que você deseja, o resultado é mais assertivo. O Instagram também tem sido bastante utilizado, aproveitando esse movimento dos foodies, de gente que compartilha sua refeição”, conta.
No fim das contas, o segredo para uma boa comunicação na área é o que orienta a de qualquer outra área. “Produto bom é fácil de anunciar, e a gastronomia está melhorando”, finaliza Davidson.

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