Enquanto houver algum resquício de consciência de que não é pouca coisa o assassinato de alguém que denunciava um dos aspectos mais cruéis do vácuo de poder em que o Brasil se encontra – a arbitrariedade e a violência de agentes públicos contra os marginalizados – o nome de Marielle deve, sim, ser lembrado. Não sou ingênuo, no entanto, a ponto de não acreditar que a tendência venha a ser o arrefecimento da comoção. Mas não serei eu quem vai iniciar esse processo de banalização da violência.

Como escrevo para um veículo especializado, gostaria de trazer uma reflexão sobre
o ocorrido para o âmago dos nossos negócios. Ultimamente tem sido moda as marcas definirem e fazerem os seus “manifestos”, assunto de reuniões entre o marketing e as agências. Normalmente, esses manifestos “do bem” gravitam em torno de causas de senso comum.

E permitem que se posicionem sobre temas “controversos”, como ideologia de gênero, por exemplo. Ótimo, melhor do que nada, mesmo que pisando em ovos, com muita pesquisa e cálculo de risco. Ou seja, sempre se faz necessário afinar direitinho o tom, de modo a definir os limites que cabem para a intervenção das marcas em certos temas, sem sacrifício de sua “neutralidade” vocacional. Afinal, não importa de que bolso venha o dinheiro, vender é sempre bom. Essas amarras da natureza do ofício tradicionalmente colocaram o publicitário naquela fronteira entre o gênio mercenário e o fútil útil.

O assassinato da vereadora Marielle e do motorista Anderson foi o fato mais significativo ocorrido recentemente. Ter acontecido no centro do Rio de Janeiro deu a ele a amplificação necessária para se fazer tão notório e chocante.

A imprensa nacional e a internacional, estarrecidas, trataram o assassinato com o horror (a única posição, humanamente, aceitável) necessário para que fosse percebido no seu padrão de absurdo. E a nós, igualmente especialistas em comunicação, que papel coube diante da barbárie? Nada, aparentemente. Pois trabalhamos com a elaboração e não com a indignação. No máximo, nos mobilizam “oportunidades” que rendam algum humor.

Como não acompanho a mídia carioca no detalhe, então, pergunto se ocorreu algum anúncio “manifesto” de marca comprometida com o Rio, só para ficar no óbvio. Essa ausência completa, a se confirmar, revela o tipo de “reação” típico de quem não tem nada com isso, quase todos nós, que não somos favelados, traficantes, policiais, políticos, militantes, milicianos, enfim, não somos nenhum dos “outros” que vivem esse “problema” no seu cotidiano.

Daí, ser temerário assumir algum posicionamento aberto. Se até ao “criativo” presidente da República ocorreu simplesmente um prosaico “inadmissível” (sério, Temer?), o que dizer de quem não tem nenhum compromisso, sequer funcional, em falar? Outro dia, li o depoimento de um publicitário venezuelano sobre a situação por lá: “As coisas não são bem assim como falam, a Venezuela é um grande país e logo vai superar essa crise”. Certamente, na cabeça dele, quem está fugindo para Roraima são “os outros”.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)

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