Ricardo Marques, vice-presidente de marketing da ABInBev, está na empresa há 14 anos e passou por alguns mercados, como Bélgica e Brasil – onde durante dois anos esteve à frente da Skol. Ao longo dos anos, esteve envolvido com a Budweiser em diversos momentos, como na Copa do Mundo de 2014, quando era global advertising da cerveja. Desde 2016, é o responsável pelo marketing do produto nos Estados Unidos, onde dá ênfase, principalmente, à sustentabilidade, tema que faz parte do compromisso global da empresa. Acompanhe os principais trechos deste bate-papo com o executivo que, durante o Festival de Cannes Lions 2019, participou de um debate sobre impacto social das marcas promovido pelo Grupo Dentsu Aegis, na Riviera Francesa.

Alê Oliveira

Impacto Social
Quando cheguei no marketing da Budweiser nos Estados Unidos, em 2016, o interessante é que já havia a fundação, com projetos de impacto social, mas não estávamos comunicando e explorando algumas das nossas ações vinculadas ao propósito da marca. Tínhamos o Disaster Relief – programa permanente de fornecimento de água em caso de grandes desastres como atentados, furacões, terremotos – há 30 anos, e nunca havíamos falado sobre isso. Tínhamos parceria com o baseball há 100 anos, mas nunca havíamos nos valido do tema como no Jackie Robinson – projeto criado pela Isobar que inclui um filme de três minutos dirigido por Spike Lee, comemorando o aniversário de 100 anos do primeiro jogador negro da Major League Baseball, Jackie Robinson, e mais uma série especial de embalagens com o número 42 da camisa do jogador. A campanha também arrecadou fundos para a criação de um museu em homenagem a ele, em Nova York. Para uma marca que tem mais de 140 anos, como a Budweiser, entender o que a marca já tem construído, versus construir do zero, é muito especial.

Sustentabilidade
Sustentabilidade faz parte de um compromisso global da companhia, que abraçamos com Budweiser nos Estados Unidos. Nosso filme do SuperBowl deste ano, por exemplo, faz parte desse commitment maior da companhia. Quando falamos que a Budweiser é produzida com energia 100% renovável, poderia pensar que esta é uma mensagem complexa de comunicar e queríamos evitar entrar por um caminho muito técnico ou pesado, que não estabelecesse a conexão emocional que esta mensagem precisava. O trabalho que a David Miami entregou é muito simples e ao mesmo tempo muito potente. Simples porque se vale dos cavalos da Budweiser, ícone da marca, a música Blowin’in the wind, do Bob Dylan, em um plano aberto.

Propósito
Temos compromisso com a educação do consumidor, e várias ações voltadas para consumo responsável. Colocamos muita energia nos trabalhos de responsabilidade social, porque é parte do propósito da marca. Quando falamos de propósito, o aspecto de beber responsavelmente é muito importante – juntamente com nossos outros objetivos de impacto social e no meio ambiente. Talvez seja um dos mais importantes. De 2016 para cá abrimos diversas dessas plataformas, de beber responsavelmente, projeto água, impacto social com projetos como Jackie Robinson.

Coragem
Em 2017 colocamos um filme de SuperBowl no ar que falava da história do Adolphus Busch, que foi o fundador da Budweiser. Ele veio da Alemanha em 1800 e criou nos Estados Unidos com seu sogro uma cerveja bohemian style. O insight foi: quando você pensa nas marcas artesanais, elas sempre têm uma “cara”, um fundador. Uma marca como Budweiser não tinha cara, era vista como uma grande empresa, não uma cervejaria. Isso nos fez contar a história do fundador. Naquele momento ocorria um debate nos Estados Unidos sobre imigração. E um dia depois de lançar o filme, houve o immigration ban nos EUA, que levou a discussão para um outro nível. E tínhamos no ar um filme que falava do nosso fundador, um imigrante que veio para os EUA. Isso fez disparar a conversa sobre o tema nas redes sociais, e houve pessoas que abraçaram a ideia e outras que acharam que estávamos fazendo um statement político sobre a questão. Não era isso, mas monitoramos a conversa e consideramos não veicular o filme no SuperBowl. Decidimos manter o filme no ar. Afinal de contas, era a história da nossa marca, do nosso fundador. Tem uma mensagem de impacto social? Sim, tem uma mensagem positiva sobre alguém que veio para os EUA com um sonho e construiu uma grande empresa. Esse tipo de decisão tem a ver com o compromisso de ser autêntico e entender como se está no mundo como marca. Foi interessante porque no começo a conversa tinha mais negatividade, mas com o tempo ela virou a nosso favor. Sempre é importante, num caso assim, acompanhar os fatos e analisar bem a situação. No calor do momento, pode-se tomar a decisão errada. Podíamos ter decidido cancelar a ação.

Polarização
Observando o nível das conversas nas redes sociais, as notícias, tanto extremismo e tensão, tanta negatividade, como marca Budweiser vemos uma oportunidade interessante de elevar a discussão para outro nível. Você pode tomar partido de um lado ou de outro, mas nós acreditamos que lembrar a todo mundo valores maiores que independam da posição política. Há coisas mais importantes – como a sustentabilidade, a situação que vive o planeta. Em um grande desastre ter água para beber é mais importante que tudo. Histórias humanas são mais importantes. E Jackie Robinson é uma história humana. Não é que a marca Budweiser não tenha um ponto de vista, ou não queira entrar em conflitos. Simplesmente acreditamos que a marca está no seu melhor papel quando consegue entregar mensagens importantes, lembrando a todos valores humanos, que realmente importam mais do que qualquer outra coisa. E, afinal de contas, acreditamos que, como cerveja, este é também o nosso papel: juntar as pessoas e não separar.

Conselho Criativo
Implementei em 2016 e trabalhamos hoje com um Conselho Criativo do qual fazem parte Dentsu (Isobar), David Miami, VaynerMedia e 3PM em PR, área que vem se tornando cada vez mais importante como ferramenta de comunicação. Com esse grupo de Creative Partners, buscamos as melhores ideias para os nossos projetos. Se tivéssemos outro modelo, como uma agência única, por exemplo, talvez nunca teríamos acesso a certas mentes brilhantes que atuam nas demais. Isso traz ideias novas, com pontos de vista diferentes, como a do Rui Branquinho (Isobar), uma agência que a rigor está mais voltada para planejamento estratégico e da qual possivelmente não solicitaríamos um insight criativo. Mas veio dele o projeto Jackie Robinson, por exemplo. Esse modelo nasceu a partir do entendimento de que a marca precisa ter ideias e pontos de vista diferentes, constantes. E parceiros, porque não fazemos concorrências o tempo todo entre elas. A marca precisa de ideias, e há muitas pessoas com ideias trabalhando para a gente. Entender isso nos levou a mudar o modelo de trabalho. O que fazemos é dar uma base de budget para as agências no começo do ano, mas há uma percentual que deixo livre – dedicado a ideias que forem propostas, que pode ir para qualquer uma delas, dependendo da entrega.

Proatividade
Para mim, a palavra-chave é proatividade. Claro que se quer trabalho worldclass, mas para mim essa palavra, proatividade, resume tudo. Quando uma agência parceira te manda mensagem, te telefona, com uma ideia para a sua marca, é um sinal incrível. Significa que meu parceiro está pensando na minha marca, no meu negócio. Significa que conhece o meu business e sabe os desafios que temos. Não está só esperando um briefing. O mundo demanda da agente esse tipo de agilidade, hoje mais do nunca. A campanha Jackie Robinson é um exemplo disso.

Diversidade
Se você pensar nos EUA como um país tão diverso culturalmente, é essencial ter a realidade do país refletida no seu time. Procuramos pessoas com histórias e backgrounds diferentes, perfis, etnias e idades diferentes. Temos um grupo bem diverso. E 60% do marketing de Budweiser é composto por mulheres. Acreditamos que isso traz melhores ideias e resultados para o business.

Inovação
Estamos investindo em inovação e fizemos uma parceria com a Jim Beam para criar um produto novo, a Budweiser Copper Lager, nos EUA e no Canadá. Essa é a união de duas marcas que sobreviveram à proibição do álcool nos Estados Unidos. O mercado não precisa de mais uma cerveja: o que se procurar, existe. Mas há espaço e necessidade para histórias incríveis, que as pessoas querem. O que fazemos é combinar histórias com produtos com nossa linha Budweiser Reserve Series. Também lançamos a Budweiser Discovery Reserve para celebrar os 50 anos da chegada do homem à lua, com uma receita dessa época. Sim é uma boa cerveja, mas tem uma história por trás.