Daniel Chalfon foi o moderador do debate realizado pelo Grupo de Mídia

 

O que os principais players de mídia do país, como Rede Globo e Editora Abril, e as potências em acelerado crescimento, como Facebook e Twitter, pensam sobre o futuro foi o tema de um disputado painel do Festival do CCSP. Debatendo “Convergência e coexistência da mídia”, a conversa teve a participação de Sérgio Valente, presidente da CGCOM (Central Globo de Comunicação); Raphael Vasconcellos, diretor de soluções criativas do Facebook para a América Latina; Helena Bagnoli, diretora do núcleo de revistas segmentadas da Abril; Pedro Porto, diretor de estratégias de marcas do Twitter Brasil; e Lica Bueno, diretora de mídia da F/Nazca S&S. A moderação ficou por conta de Daniel Chalfon, sócio e vice-presidente de mídia da Loducca e um dos diretores do Grupo de Mídia.

Foi consenso entre todos que a mídia vive um momento de transição. Mas, quando a discussão evoluiu para o que era fundamental observar na publicidade, as duas pontas, mídia clássica e digital, divergiram. “No princípio é o produto. Essa é a regra e continua sendo. Uma campanha começa quando o produto é lançado. É ele que desenvolve a relação entre consumidor e marca. Nós, como publicitários, devemos olhar o produto, independentemente da mídia”, disse Valente.

Porto, do Twitter, apontou que as pessoas não pensam sobre modelos de mídia, mas sobre o que gostam de ver e usar, e frisou que ainda há uma falha na forma de como as marcas entram nas conversas intermediadas por plataformas como o Twitter. Ele também lembrou da necessidade de engajamento para se sobressair na rede. “O Twitter é darwinista”, comparou, explicando que a rede social seleciona por sua própria dinâmica os bons e os maus anúncios. Valente replicou. “A mídia é darwinista. Faça um comercial ruim e veja o que acontece. É a pior tragédia”.

Lica Bueno: muitos dados mudaram o trabalho da criaçãoO tema abrangência e alcance também foi um ponto forte na conversa. Na televisão, os dois são critérios consolidados há décadas, mas no digital a fragmentação da audiência dificulta precisar qual é o impacto de uma campanha. Vasconcellos defendeu que fragmentação não se opõe a alcance e que a segmentação pode ser massiva. “Um grupo específico de consumidores não precisa ser necessariamente pequeno. Essa é a nossa riqueza. O acesso a dados deixados por milhões de usuários nos permite conhecer grupos e nos dá poder de segmentação”.

Do lado das agências, a impressão é que o digital “complicou o jogo”. “Ficou mais chato”, confessou Lica, da F/Nazca, citando a abundância de dados e a dificuldade dos criativos em extrair insights das informações disponíveis. “Há um ano eu, como mídia, não era benquista na criação. Hoje eles querem entender a dinâmica do digital e demandam a minha presença”, disse.

Helena, da Abril, observou que, para as revistas, acabou o momento de “negação”. “Continuamos fortes, mas nosso modelo de negócio de fato enfrenta problemas e precisaremos nos reinventar”. A descentralização de quem produz conteúdo e das formas de distribuição tomou parte das discussões. Para o impresso, ficou uma lição, disse Helena. “Entendemos que precisamos descer do salto porque não somos mais os donos da produção da informação”.

Fim do impresso?

Contra prognósticos sobre o fim da mídia impressa, Sergio Gordilho, cochairman e CCO da Africa, um dos convidados do Festival do CCSP, disse que não acredita na extinção do papel. Ele citou o desempenho do país nas áreas de print do Cannes Lions neste ano (Press e Outdoor), quando o Brasil conquistou 23% de todos os Leões na divisão, como uma prova de que a publicidade brasileira está ancorada na mídia impressa. “Nos tornamos mundialmente reconhecidos pela nossa qualidade em print. Impresso é o nosso caminho e o nosso grande jeito”, afirmou.

A despeito da força do meio, o criativo criticou a perda de qualidade do anúncio ao dizer que as revistas têm se assemelhado a “um catálogo de varejo”. “Virou uma várzea o que fazemos. É só preço, preço, preço”, repetiu. Gordilho falou sobre o sistema de bonificação por compra de mídia no Brasil e avaliou que tal modelo de negócio segura a sobrevivência do papel. “Enquanto houver esquema de bonificação, a televisão e o print não vão desaparecer. É impossível, porque as agências não conseguem se sustentar sem esse apoio”, apontou, indicando que o mercado de agências e de veículos se retroalimenta.

Valente: no princípio é o produto

Ele também destacou a necessidade da mídia impressa potencializar seu alcance e fugir do que chamou de “efeito Kodak”. A centenária companhia norte-americana que subestimou a evolução das máquinas digitais faliu em 2012 após sua principal divisão de negócio, a produção de filme, sofrer perdas sucessivas, enquanto a fotografia digital prosperou. O criativo fez um paralelo entre mídia impressa e a história da Kodak, deixando como recado que revistas e jornais precisam se reinventar. “A união entre print e digital é um caminho”, afirmou.

Um dos cases utilizados por Gordilho para ilustrar seu argumento foi o “Anúncio vinil”, criado pela Africa para a Budweiser em maio do ano passado. O anúncio podia ser destacado e usado como um vinil de verdade. A peça teve uma tiragem de mil exemplares, distribuídos nas revistas Veja e Playboy, mas o vídeo do making of no YouTube alcançou 1,5 milhão de views. Outro exemplo citado foi o “Amplificador”, da JWT para a Coca-Cola FM que, em uma ação inédita em setembro do ano passado, transformou a revista Capricho em uma caixa amplificadora para o iPod. “Passaremos por esses caminhos. Temos que potencializar um meio pelo outro”, indicou.

A nova geração de diretores de arte que chega às agências pode ajudar a impulsionar essa potencialização. De acordo com Gordilho, 90% dos profissionais na casa dos 20 anos que chegam à Africa são nativos em digital. Contudo, ele se queixou da perda da formação clássica oferecida por escolas como a Belas Artes. “Falta fortalecer esse aspecto para termos outros bons diretores de arte no Brasil.”

No final de sua apresentação, o criativo aproveitou para fazer uma homenagem “a todos que nos fazem discordar do fim do print”. Um filme curto, com a música “The Scientist”, do Coldplay, ao fundo, exibiu centenas de anúncios premiados de agências brasileiras para marcas como Havaianas, Itaú, Leica e Skol, entre outros, e culminou com uma foto de Francesc Petit, um dos fundadores da DPZ e um dos maiores diretores de arte do país, morto no último dia 6. “Esse é o país de Serpas, Petits, Sanches, Cipollas, Cappelettis, Lorentes, Zaragozas e tantos outros”, enumerou Godilho. “Print está no nosso DNA e no nosso desejo de ser reconhecido”, finalizou.