Sábado (31) é o último dia que as empresas de mídia exterior terão para retirar seus anúncios das ruas da cidade, de acordo com a lei 14.223/06, também conhecida como Cidade Limpa. Em vigor desde 1.º de janeiro deste ano, o projeto proíbe todo e qualquer tipo de mídia exterior, ou seja, os oito mil outdoors existentes na cidade deverão desaparecer. Até ontem (28), as equipes da prefeitura que trabalham nesse processo removeram 594 peças. Empresas como LCM, Brasil Mídia e MCM3 decidiram tirar seus anúncios por conta própria e, ju ntas, eliminaram 853 peças. Esses números podem ser maiores, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Coordenação das Sub-prefeituras, pois outras empresas podem ter retirado seus anúncios sem comunicar a prefeitura.

A partir de 1.º de abril a fiscalização será mais ostensiva em relação aos outdoors. Os anúncios indicativos no comércio terão mais tolerância por parte da prefeitura, que ainda não estipulou uma data para a aplicação das multas.

Em contrapartida às determinações do prefeito Gilberto Kassab, Raul Nogueira Filho, presidente da Central de Outdoor, divulgou para os meios de comunicação um artigo em que defende a mídia exterior. Leia o texto na íntegra:   

 

“Desdém e autoritarismo”

“Os 3,3 milhões de votos no segundo turno, com que os paulistanos elegeram José Serra prefeito de São Paulo em 2004, parecem ter alterado as referências quantitativas, aritméticas e socioeconômicas do herdeiro do “trono” municipal, Gilberto Kassab. Pelo menos é o que se pode depreender de seu comentário de que, ao contrário do que afirmam trabalhadores e empresários do setor de outdoor e publicidade exterior, não serão 20 mil, mas “apenas” quatro mil os desempregados pela lei nº 14.223, de setembro de 2006, com a qual nosso alcaide parece pretender conferir alguma notoriedade ao seu mandato-tampão.

Mesmo que fossem apenas quatro mil postos de trabalho sacrificados (e, na verdade, são muitos mais), a questão não poderia ser tratada com tamanho desdém pela autoridade máxima da cidade, num país onde o desemprego, próximo de 10%, é um dos mais graves problemas econômicos e sociais. Os trabalhadores que estão perdendo mais do que um emprego — uma profissão! — não podem ser tratados com tal desrespeito. Afinal, são cidadãos com responsabilidades, famílias, direitos e deveres, para os quais o trabalho não é atividade para diletantismo e sim o meio de sobrevivência com dignidade.

O prefeito, contudo, parece não demonstrar sensibilidade humanística no trato dos municípes. Ao se referir com desconsideração aos quatro mil desempregados que admitiu publicamente serem vítimas de sua Lei Kassab, adotou postura análoga com a qual analisou o recente episódio relativo ao desabamento do canteiro de obras da Linha 4 do Metrô. Lembram-se de sua pérola? “O pessoal que estava no motel ao lado da obra deve ter saído correndo e assustado…”. Inoportuno humor; desrespeitosa piada em meio a uma tragédia metropolitana, na qual ocorreram sete mortes. Ora, o que significa este número de vítimas? O que significam quatro mil empregos?

A retórica do prefeito, prometendo um cursinho de reciclagem profissional para que os desempregados do outdoor possam um dia, talvez, quem sabe, arrumar emprego em outra profissão, disputando vagas com trabalhadores experientes em suas respectivas áreas, não resiste a uma análise de bom senso. Seriedade, mesmo, seria oferecer cursos para funcionários menos qualificados, para que pudessem galgar novos postos em suas organizações, porque o que vale não é cursinho, mas sim salário. Seriedade seria, também, discutir com a sociedade e os segmentos envolvidos as medidas já contempladas na legislação — a Lei 13.525, de fevereiro de 2003 —, efetivamente capazes de despoluir visualmente a cidade. Este dispositivo legal, contudo, foi literalmente atropelado pela Lei Kassab, antes mesmo de viger e ser aplicado em sua plenitude.

No entanto, colocar em prática legislação da qual não é o “pai” talvez seja desinteressante para um político, em especial quando seu foco prioritário não é a sociedade, mas a próxima eleição. Provavelmente, é mais difícil gerir com mãos de estadista a máquina pública municipal, para fazer com que uma lei seja cumprida e rigorosamente aplicada, do que buscar soluções enviesadas por meio de legislação generalista, injusta e prejudicial à cidade e seu povo. Parece ser mais cômodo e menos desgastante editar lei radical, que simplesmente cassa um meio de comunicação, do que enfrentar com autoridade a histórica prevaricação de fiscais, a corrupção que facilita a existência de cartazes ilegais e outras centenas de irregularidades ante as quais a prefeitura paulistana continua omissa.

Não importa se essa abrupta Lei Kassab implode 20 mil ou quatro mil postos de trabalho, extingue um mercado de R$ 200 milhões anuais ou fere o direito dos paulistanos à comunicação gratuita dos outdoors e à livre divulgação de conteúdos por meio de mídias legais, mantidas por empresas idôneas e pagadoras de tributos. O que parece prevalecer é uma sanha de autoritarismo, análoga às atitudes dos extemporâneos prefeitos, governadores e presidentes da República biônicos, impostos à sociedade pelo regime de exceção, sem a legitimidade do voto. 

Talvez por ter sido guindado à prefeitura paulistana pelos eleitores de José Serra, o alcaide Gilberto, a despeito da lisura constitucional desse processo sucessório, não tenha entendido ainda o compromisso democrático implícito ao voto. Provavelmente por isto, prefira ser autoritário do que exercitar a legítima autoridade, optando por editar lei que faz lembrar práticas da ditadura, como a censura, o fechamento de veículos de comunicação e o poder absoluto do Estado sobre a economia, incluindo a inviabilização de um setor de atividades. Que em seu próximo empreendimento político, após concluir o mandato-tampão, Kassab possa experimentar o sabor cívico de ser eleito pelo povo. Ah, sim, e que não lhe faltem “apenas” quatro mil votos…”