Qual o impacto que as fake news têm na sociedade e no mercado? Em meio à greve dos caminhoneiros e a infinidade de vídeos, notícias e materiais falsos que circularam nas redes sociais nos últimos dias, muita gente tem feito essa pergunta.
É sempre oportuno dizer que o fenômeno das fake news não é novo. Abundam exemplos de tentativas de manipular a opinião pública, quer seja para propagar ideologias, manipular mercados ou até mesmo influenciar em eleições, como supostamente ocorreu no último pleito eleitoral nos Estados Unidos. Há relatos de fotos editadas ou notícias inventadas que datam do final do século XIX, ainda nos primórdios da imprensa diária. Não faltam tampouco casos nos quais o jornalismo foi empregado inescrupulosamente como meio para alterar preço de ações de certas companhias. Wall Street conhece bem os interstícios da indústria dos boatos.
A chegada das novas tecnologias da comunicação e da informação, no entanto, permitiram que as redes sociais digitais se tornassem um espaço fértil para a propagação de notícias e informações falsas. Além disso, concorrem, agora, pelo menos três variáveis que ajudam a explicar o fenômeno das fake news, condição necessária para tentar entender os seus impactos e desdobramentos.
Em primeiro lugar, é preciso situar uma intensa transformação estrutural na economia política dos meios. O que isso quer dizer? Simples. Trata-se de uma mudança no modelo de negócio que, por um lado, tem ceifado publishers e arrochado salários dos profissionais das indústrias culturais, especialmente jornalistas, ainda que publicitários não estejam imunes ao mesmo. De outro lado, essa transformação tem fomentado o surgimento de novos modelos de negócio, que vão desde de cooperativas de jornalistas até start-ups capazes de fazer com que uma marca ou informação impacte um consumidor determinado com uma imensa precisão.
Entre prós e contras, boa parte do jornalismo profissional perdeu a capacidade de apurar; ademais, a velocidade com que coloca-se uma notícia na rua se tornou marca de todas as cabeceiras informativas. E aí temos uma brecha, uma primeira fenda onde a engrenagem das fake news se aproveita.
Em segundo lugar, assistimos ao florescimento de uma nova ecologia midiática e informacional. Mídias não desaparecem, como postulam alguns. Passam, isso sim, a ter usos diversos dentro de um ecossistema complexo. Dentro de uma dinâmica similar à biologia, cada uma das mídias têm estágios evolutivos e usos diversos. Porém, estão interconectadas. Mantêm relações. Neste contexto, o deslizamento de uma informação de uma para outra mídia desautoriza a autoria, ou se preferirem, a fonte de uma informação. Dessa forma, uma mensagem circula com grande capilaridade e em diversas mídias sem bem ao certo sabermos quem é o autor ou responsável pela mesma o que, claramente, contribui para a construção e disseminação viral de notícias falsas.
Combatê-las, neste ecossistema, torna-se uma tarefa hercúlea. Se para políticos o dano pode ser maiúsculo, como ficou exemplificado na greve dos caminhoneiros, para a reputação de uma marca pode ser simplesmente o cadafalso.
Por fim, a propagação viral das fake news encontra impulso numa dimensão afetiva. Se em algum lugar do passado a razão pautava o consumo midiático, nos tempos atuais o pathos, a emoção predomina tanto na produção quanto no consumo de notícias, campanhas e todo o compêndio comunicacional. Quando impactados por um vídeo de um suposto militar defendendo a greve dos caminhoneiros e clamando pela intervenção da caserna na sociedade – exemplo de um entre tantos vídeos que circularam nos grupos de WhatsApp nos últimos dias – o repúdio, medo ou alegria causados em nós por essa informação (afetos, no sentido proposto pelo filósofo Baruch Spinoza) muitas vezes convida o usuário a compartilhar antes mesmo de refletir sobre a veracidade do conteúdo, colaborando diretamente para amplificar o poder das fake news.
Para qualquer comunicador, o cenário que se desenha é, além de complexo, extremamente desafiador. Não se tem mais o controle da informação, da mensagem, o que causa arrepios a todos aqueles formados num modelo comunicacional tradicional. Na era das redes digitais, novas éticas precisam ser construídas a partir de um amplo trabalho de letramento e educação para o consumo midiático precisa ser feito. Com humildade, é preciso entender que o mesmo independe da capacitação técnica dos indivíduos. Um desembargador, médico ou engenheiro pode ter conhecimentos específicos e uma ampla galeria de títulos e méritos profissionais, que não necessariamente conferem a ele a capacitação para os usos e consumo responsável das redes sociais digitais.
Sem esta nova pedagogia, capaz de dar instrumentos para que os próprios usuários das mídias tenham maior domínio e repertório crítico sobre os conteúdos que ali circulam, dificilmente teremos uma sociedade saudável. E, sem uma sociedade sã, simplesmente não existirá mais o que chamamos de mercado.
Luiz Peres-Neto é professor e pesquisador do ESPM-PPGCOM (Pós-graduação Stricto Sensu em Comunicação e Práticas de Consumo). Autor do recém lançado Éticas em Rede: políticas de privacidade e moralidades públicas. Peres-Neto é doutor e mestre em Comunicação e Política pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB, Espanha).