A medida Provisória 984/2020, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 18 de junho, segue gerando novos cenários no mercado de transmissão esportiva e disputas judiciais. A MP dá ao clube com mando de campo o direito de negociar sozinho a transmissão do jogo, o que traz novos entendimentos jurídicos de contratos fechados anteriormente, mas que seguem em vigor. Esse é o caso Campeonato Brasileiro 2020, o qual a Globo assinou contratos de exclusividade em 2019 e que são válidos até 2024.

Nesta quarta-feira (22), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou a nova tabela da série A do Brasileirão com o detalhamento das datas, locais e quais emissoras vão transmitir as partidas das 10 próximas rodadas do torneio.

A novidade ficou por parte da Turner, que deve transmitir jogos que não estavam contemplados nos acordos de exclusividade que mantém atualmente com oito clubes (Palmeiras, Bahia, Santos, Ceará, Fortaleza, Athletico-PR, Internacional e Coritiba). Em tese, a programadora poderia exibir apenas os 56 jogos entre esses times. Mas no dia 9 de agosto, por exemplo, está prevista a transmissão da partida Palmeiras x Vasco pelo canal TNT e também pelo Premiere, serviço de pay-per-view da Globo.

A Turner, que detém os canais TNT e Esporte Interativo, usou a MP 984 para justificar a transmissão. Na visão da programadora, ela tem o direito de transmitir todos os jogos cujo mando de clube é dos times que ela mantém contrato, como o Palmeiras, por exemplo. A Globo, por sua vez, mantém o entendimento jurídico baseado na Lei Pelé, ou seja, as transmissões só podem ser feitas se ambos times fecharem acordo (e não apenas o mandante de campo). Como na TV paga, a Globo mantém contrato de exclusividade para os jogos do Vasco, ela entende que a transmissão não poderia ser feita por nenhum player.

Precedentes

Conflito jurídico semelhante ocorreu há poucas semanas durante o Campeonato Carioca. Na ocasião, o Flamengo, único clube que não mantinha contrato com a Globo, decidiu usar a MP 984 para negociar separadamente todas as transmissões de partidas as quais detinha o mando de campo. A Globo, por sua vez, entrou com liminares na justiça a fim de fazer valer seus contratos de exclusividade com os demais clubes, e assim, impedir as transmissões independentes do rubro-negro. Após a justiça manter o entendimento da MP 984, liberando o Flamengo, a emissora decidiu rescindir o contrato com os clubes cariocas por quebra de contrato de exclusividade.

Com o Brasileirão, a situação tende a ser um pouco mais complexa, até por envolver contratos e valores mais elevados. O campeonato nacional é o principal produto do pacote do futebol da Globo. Principalmente em um cenário onde nem todos os campeonatos estaduais voltaram ainda devido a pandemia.

Com cotas seis cotas de patrocínio no valor de R$ 307 milhões cada, o Brasileirão é carro-chefe do projeto comercial integrado da Globo, ou seja, não é benéfico que a Turner comece a dividir audiência com o grupo nas partidas. Se confirmado o projeto de ampliar as transmissões dos jogos, a Turner pode chegar a até 152 transmissões (no modelo anterior, seriam apenas 56 jogos).

Em nota oficial (leia abaixo na íntegra), a Globo reforça que enviou notificação ao Bragantino e à Turner, com cópia para os clubes que têm contrato e para a CBF, deixando claro que está pronta para “tomar medidas legais cabíveis para proteção de seus direitos exclusivos”. Destacou ainda que “confia em que a Turner, integrante de um grupo econômico com larga experiência na produção e exibição de conteúdos audiovisuais, protegidos pelo direito autoral, não desejará associar seu nome e reputação à violação desses mesmos direitos”.

O cenário poderá se intensificar ainda mais se depender de pressões dos clubes. Isso porque todos os times da Série A, exceto Fluminense, Botafogo, São Paulo e Grêmio assinaram um manifesto conjunto favorável a MP 984. Segundo eles, a ideia seria evitar “apagões” de transmissão gerados quando há conflitos de contratos entre os dois clubes que disputam uma partida.

Os times defendem que o modelo que dá autonomia para que o clube com mando de campo determine a transmissão é uma forma de garantir que o jogo seja transmitido, ainda que em canais digitais dos próprios times. A MP 984 é válida por 120 dias e precisa ser aprovada pelo Congresso até 18 de outubro para se tornar lei definitiva. Procurada, a Turner não respondeu à reportagem até o fechamento da mesma.

Nota oficial da Globo:

A Globo reitera seu entendimento de que a medida provisória 984, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal.

No caso do Campeonato Brasileiro, a Globo é detentora dos direitos exclusivos de transmissão de todos os jogos dos clubes participantes da Série A do Campeonato Brasileiro 2020, em todas as mídias, e vem pagando por isso, com exceção dos jogos do Bragantino e, apenas na TV por assinatura, dos clubes que firmaram contrato com a Turner: Santos, Bahia, Ceará, Fortaleza, Coritiba, Internacional, Palmeiras e Athletico Paranaense (em relação a este último, a Globo também não detém os direitos de PPV).

Por isso, a Globo enviou notificação ao Bragantino e à Turner, com cópia para os clubes que têm contrato com aquela empresa e para a CBF, deixando claro que está pronta para tomar medidas legais cabíveis para proteção de seus direitos exclusivos, caso haja tentativa de violá-los com a transmissão de jogos de clubes que negociaram seus direitos com a empresa, ainda que na condição de visitantes. Da mesma maneira, a Globo respeitará os contratos firmados e não exibirá jogos na TV por assinatura em que os clubes que assinaram a Turner sejam visitantes, ainda que os mandantes sejam clubes que têm contrato com a Globo para a mesma plataforma. E também não exibirá jogos do Bragantino. 

A Globo confia em que a Turner, integrante de um grupo econômico com larga experiência na produção e exibição de conteúdos audiovisuais, protegidos pelo direito autoral, não desejará associar seu nome e reputação à violação desses mesmos direitos. Como parceira e incentivadora do futebol brasileiro há muitas décadas, acreditamos que o futebol só será capaz de vencer seus desafios com planejamento e segurança jurídica para aqueles que investem altas quantias nesse negócio tão importante para o Brasil e para os brasileiros.