As placas Mind the Gap são bastante presentes nas estações do metrô de Londres e são um alerta aos usuários quanto ao vão (gap) existente entre a plataforma e o trem. Porém, de uns tempos para cá, a expressão extrapolou o metrô londrino e ganhou um significado bem mais abrangente.
O “gap” em questão passa a ser usado para alertar quanto às diferenças de tratamento e ao fosso existente entre alguns grupos da sociedade. Na busca por igualdade de gêneros e inclusão social, o uso da expressão serve como um mote para gerar consciência sobre as incômodas diferenças ainda existentes entre mulheres e homens, negros e brancos, no que se refere, por exemplo, ao mercado de trabalho.
A preocupação é justificada, frente aos tímidos avanços que se observam desde que o tema passou a estar mais presente nas discussões mais importantes de desenvolvimento social no Brasil e no mundo. Uma pesquisa do IBGE, de 2019, constata que, de uma maneira geral, as mulheres recebem 20,5% a menos do que os homens.
Mas esta diferença pode ser ainda bem maior nos cargos de perfil mais sofisticado. Segundo pesquisa da Catho, as mulheres brasileiras no mercado de trabalho de funções de maior importância, apesar de terem mais formação superior e pós graduação (30%) do que os homens (24%), chegam a receber até 52% menos.
Com os negros, as diferenças são também muito expressivas. Uma pesquisa feita no terceiro trimestre deste ano pela Vagas.com mostra que quase metade das vagas ocupadas por negros no Brasil (47,6%) são de cargos de auxiliar ou da área operacional. Menos de 1% dos negros (0,7%) ocupa cargos de diretoria e 3,4% de gerência.
A PNAD Contínua mostra um gap de mais de 27% entre os salários de mulheres brancas e negras. Entre os homens, a diferença é ainda mais expressiva, podendo superar 50%. São diferenças absurdas, decorrentes de um preconceito atávico, nem sempre explícito, mas ainda muito presente. A sociedade mais consciente reage e busca neutralizar esse absurdo com intolerância às manifestações racistas ou misóginas, ainda que sutis.
Na comunicação, já não se suporta o uso de expressões como “negro de alma branca”, “criado mudo” e outros absurdos que eram proferidos coloquialmente, sem dar-se conta do sentido nocivo que carregam.
De tempos em tempos, se insurgem movimentos mais contundentes, como o Black Lives Matter, justificado pela violência policial contra negros. Na semana passada, um importante jogo da Champions League foi interrompido na França, ainda no seu início, quando o 4º árbitro advertiu um jogador de uma das equipes no banco de reservas, referindo-se a ele como “aquele negro ali”.
Jogadores indignados, dentre eles Neymar e Mbappé, retiraram-se de campo, negando-se a continuar a partida. Alguns perguntam: será que era para tanto? Sim, era! É com comportamentos assim que se evidenciam as atitudes racistas. É punindo exemplarmente um torcedor que chama um jogador de “macaco”. Sem contemporizar ou aliviar. É preciso ter tolerância zero a esses atos senão não se muda a atitude.
Voltando às diferenças no mercado de trabalho, alguns defendem a pura meritocracia, sem se levar em conta as questões de gênero ou de cor ou de raça. “Se a pessoa é boa profissional, não importa sua raça, cor ou gênero; ela deve merecer as melhores posições”, dizem.
Sim, é uma visão positiva, mas é preciso mais. É preciso eliminar o gap com ações positivas e deliberadamente favoráveis aos grupos prejudicados. Um exemplo pessoal: na formação do júri da premiação Ampro Globes Awards, da instituição que eu presido, queríamos ver essas diferenças eliminadas ou ao menos diminuídas. Foi preciso um esforço para buscar o equilíbrio de gêneros e a participação expressiva de negros, mas conseguimos.
Se deixássemos acontecer naturalmente, talvez não tivéssemos o mesmo resultado. Na formação do futuro governo dos EUA, vemos uma busca deliberada por eliminar gaps. Que tais exemplos sejam seguidos e tenhamos uma sociedade mais igualitária e justa. Mind the gap!