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Não, não vou escrever sobre o Lula. Nem sobre o dia 13 nas ruas do país. Uma das razões é que para mim, que escrevo no dia 9 de março, dia 13 ainda não aconteceu. E eu não tenho o talento de alguns jornalistas que conseguem comentar fatos que ainda não aconteceram, como se acontecidos fossem. Claro que sempre é possível escrever platitudes como “apesar de tudo, venceu a democracia” ou “não se tomem os acontecimentos do dia 13 como um termômetro real do clima de toda sociedade brasileira. Exclui-se sempre nestes casos os extremos de renda (miserável e rico não costumam comparecer) e a grande massa anônima que se refugia nos lares, carregando dentro de si decepção e o desânimo, e não se motiva para ir às ruas” .

Volto ao começo. Falarei de motivação como ofício. E, novamente, não me referirei ao mais caro palestrante do mundo (ele mesmo o disse), meu xará. Falarei dos profissionais de motivação, aqueles que juntam uma galera e, dando exemplo de circo, orquestra, equipe de futebol, tentam fazer todo mundo descobrir que sozinhos não somos nada e em equipe podemos tudo. Logo nós que perdemos feio para mosquito. Pois é, já confessei e reitero que perdi o saco para palestras motivacionais, filminhos incentivadores e frases como “nada é impossível, basta querer”.

Se fosse verdade, Sabrina Sato estaria lendo estas linhas por cima do meu ombro. Nua. Cada vez que numa roda eu toco no assunto (tocar assunto na roda é uma construçãozinha bem safada, mas fica) descubro que existe muita gente que pensa como eu. Para minha surpresa, existe um verdadeiro batalhão de pessoas que também morrem de vergonha em bancar plantinha, dançar como índio, reconhecer amigos pelo tato ou receber fluidos de energia. Muita gente, para minha alegria, consegue manter um juízo crítico dessas baboseiras.

É preciso um tanto de histeria para verter lágrimas só porque todo mundo conseguiu imitar um coral seiscentista, ainda que o clima na empresa, no dia a dia, seja uma merda. Se o clima de uma empresa não for uma merda, não precisa de reuniões de motivação. Há exceções, como tudo nesta vida. Mas o perfil médio dos usuários vorazes desse tipo de evento é a empresa que paga pouco, explora muito e tem um quadro funcional caracterizado por pessoas de baixa escolaridade e rendimento. O normal é colocá-los num hotel suntuoso, trazer um palestrante carismático e obrigar as pessoas a dar as mãos, gritar palavras de ordem e descobrir que são todos muito importantes na equipe. Claro que somos, puxa vida, mas entre o importantíssimo cara que prega prego no cenário da ópera (se não fosse o trabalho dele, o cenário cairia em cima da soprano) e o grande tenor, há uma dura realidade: existem milhões de pessoas capazes de pregar um prego. E apenas meia dúzia podem dar um dó de peito que justifique pagar o ingresso.

Por consequência, os tenores, em qualquer lugar do mundo, inclusive no comunismo, ganham milhões de vezes mais do que o rei do martelo ou o campeão do serrote. Não se monta um jogo de futebol sem gandula ou o garoto do placar. São extremamente necessários. Mas a multidão paga para ver o Neymar e o Messi. Se o homem da portaria do estádio não aparecer para trabalhar, em meia hora se treina um substituto.

Agora, imagine os alto-falantes anunciarem que em lugar do Fred jogará o estreante Meleca. Mas, digressiono, perdão. O que eu queria era contar um caso ocorrido numa palestra dita motivacional. Esse absolutamente radical. Numa convenção de um cliente, o animador, para esquentar o ambiente, resolveu pedir para as pessoas gritarem palavras que começassem com a letra que ele ia sugerindo. Na fase do A veio amor, alegria, aliança, acreditar. Na hora do B, a primeira pessoa gritou bom, depois veio bonito, bandeira, brilhante. No último lugar da quinta fileira, o motoboy suava em bicas. Cada palavra com B que passava diminuía seu universo. Até bombom apareceu, assim como beija-flor, beijo e (já no desespero) batuque.

Quando chegou no coitado do motoboy. Fora de si por não lhe ocorrer nada, gritou “buceta!”. Depois do silêncio que se seguiu, tentando não permitir que a coisa degenerasse em bagunça, o palestrante pensou um momento e deu sua grande contribuição à galhofa. Puxou um pigarro e disse, sério: “vou pular o C, vamos continuar falando palavras que comecem com D. Ficamos sem a grande coleção de palavras da língua portuguesa que começam com C. Pensem nelas.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)