A troca constante de lideranças não é uma novidade no setor de marketing e comunicação. Mas existe um senso entre os entrevistados para a reportagem de que, de dois ou três anos para cá, esse movimento em agências, veículos, anunciantes e demais players não apenas se intensificou, como deixou de se configurar apenas como uma simples dança de cadeiras.
Não se trata mais de executivos saindo do cargo para ocupar outro, antes exercido por alguém que também já se realocou. A troca, quando necessária, se tornou intrínseca às empresas diante de uma indústria que vivencia uma plena transformação de seu modelo, e que é impactada por um contexto de mudanças sociais. Assim, novos perfis profissionais assumem postos de liderança e os que não se adaptam, ficam fora do jogo.
“Este é um bom momento para conduzir o marketing, pois são estes profissionais que têm a chance de liderar grandes mudanças e impactar de forma positiva os negócios e, por consequência, a sociedade. O especialista em marketing, hoje, está no centro de qualquer discussão estratégica e é coautor de uma verdadeira revolução na maneira de pensar, agir e consumir”, avalia Sandra Martinelli, presidente executiva da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA).
Na visão da executiva, uma das características fundamentais ao novo líder é compreender o papel central exercido pela tecnologia. “As mídias passaram por mudanças radicais e, agora, informação e conteúdo chegam de forma mais rápida, abrangente e plural a todas as classes sociais e faixas etárias”, resume. “Todas estas nuances estão moldando a formação de um novo profissional de marketing, com perfil multidisciplinar, algo que ainda está sendo absorvido tanto pelos profissionais como pelas empresas, agências, veículos e entidades”, aponta.
Os reflexos das transformações do setor e seu impacto nos perfis dos líderes encontram eco em números. O estudo “Age and Tenure in the C-Suite”, de 2017, da consultoria Korn Ferry, apontou que o CMO dura apenas 4,1 anos no cargo, o menor tempo no chamado “C-level”, o que indica as novas exigências para a função. Em paralelo, a pesquisa “Rethink The Role Of The CMO”, da Accenture, feita em 2018, mostrou que 88% das empresas concordam que o cargo de CMO mudou nos últimos dois anos e que se alterará continuamente nos próximos períodos.
Crises
A mudança de perfil de liderança nos setores de marketing e comunicação é percebida há pelo menos dois anos por Roberta Machado, CEO da In Press Porter Novelli, empresa com mais de 130 clientes e que experimenta centenas de interfaces com CMOs. “É errado creditar essas mudanças a uma questão geracional, pois há muitos profissionais experientes se atualizando. Considerando isso, há duas grandes transformações que precisam ser compreendidas no setor. Primeiro, que a tecnologia muda o negócio e a velocidade com que as coisas acontecem. E, depois, a criticidade, que traz um cenário em que qualquer campanha pode virar uma crise. Negócios e indústrias que nunca estiveram no alvo de críticas, estão sendo atacados agora. Isso exige do líder características como resiliência, tranquilidade e frieza para fazer julgamentos e tomar decisões rápidas”, afirma.
Outra característica necessária ao novo líder é estar não apenas conectado, mas à frente de novas tendências da cultura. “Hoje em dia, é difícil sair da bolha e entender que há outros extratos da sociedade, outras culturas. São diferenças de pensamento que tornam tudo mais complexo e crítico. O profissional e a marca conectados com a realidade têm um grande diferencial”, aponta Roberta Machado.
Atuação
Diversos executivos do setor estão repensando a forma de atuar e se adaptando a um novo mercado. Um dos exemplos é Augusto Cruz, diretor de marketing da Cimed, e que no passado fundou e foi CEO da Mood, agência comprada pela rede TBWA em 2014. Para ele, se o perfil e as atitudes de quem está na posição de liderança hoje não se alterarem, eles sairão de cena. “Muitos não acreditaram ou foram resistentes às transformações e, por isso, acabaram pagando um preço muito alto. O mundo digital, as novas gerações, hábitos de consumo e comportamento, o celular que não sai da mão, as redes sociais, o modo como nos comunicamos, entre outras tantos, são evidências impossíveis de questionar”, diz Cruz.
A quem está no mercado, ele recomenda evitar a resistência às mudanças. “Não se fechar para o novo, não ser vaidoso, não ser teimoso, e aprender com os mais jovens o tempo inteiro, além de consumir, nem que seja experimentalmente, os modos comportamentais das novas gerações”, afirma.
Para se preparar profissionalmente, ele diz que adota rotinas simples como acordar cedo e ler e ouvir bastante. “É preciso mente aberta e pensamento de longo prazo. Particularmente, o mercado publicitário é mais polêmico que outros e mais resistente, e isso faz com que as transformações sejam mais traumáticas. O que a primeira e segunda geração do mercado viveu e conviveu não são e não serão nosso futuro, isso está mais do que claro”, resume.
As lideranças estão desafiadas a exercer um papel mais abrangente do que antes, como aponta Ariel Grunkraut, diretor de vendas e marketing do Burger King. “O papel do marketing do evoluiu. Antes, era focado em garantir a reputação da marca mas, hoje, é muito mais do que isso. É voltado também para o business, geração de impacto e construção de experiência para o consumidor. Acredito que é necessário um perfil mais inovador e criativo, capaz de transitar com facilidade entre as diversas áreas e promover mudanças na empresa para gerar uma experiência cada vez melhor para o cliente”, afirma.
Para ele, o novo líder precisa entender que o mercado está mais focado no consumidor e sua jornada, e que é preciso ter entendimento para descobrir quem são seus clientes, como eles se comportam, e colocá-los no centro de todas as suas estratégias. Ele precisa ter um mindset voltado para o crescimento da empresa baseado em dados, ser rápido e acima de tudo, promotor de inovação e criatividade. Isso significa arriscar mais e não ter medo de errar de vez em quando”, avalia.
Para se atualizar, Ariel diz que gosto de ficar antenado a todas as tendências e se conectar com profissionais do mercado a quem admira. “Acho importante estar próximo do nosso consumidor, seja realizando pesquisas, analisando dados, observando seu comportamento nas redes sociais ou até mesmo conversando diretamente com alguns deles quando possível”, avalia.
Muito mais do que contribuir com ideias, os líderes do setor precisam atuar como agentes de transformação, sempre se apoiando em análise de dados, conforme analisa Cláudio Rawicz, diretor de marketing e comunicação da Audi do Brasil. “Nas empresas, a grande transformação tem se dado no papel das áreas de marketing. Hoje, somente uma boa ideia e uma grande campanha estão muito longe de serem suficientes. Os CMOs têm sido desafiados a desenvolverem suas estratégias com todas as metas claras e retorno de investimento projetado para cada centavo investido. Profissionais que não se adequam a este novo cenário, acabam buscando novos caminhos em suas carreiras”, diz.
Para ele, um bom líder precisa manter a sua força criativa, mas também conhecer profundamente de mídias digitais e sociais, CRM, análise de dados, performance de mídia e PR. “Não é uma questão de idade, e sim de atitude”, diz o executivo da Audi, de 43 anos, que diz se atualizar em estudos, congressos, reuniões com empresas transformadoras, e utilizar tudo isso nas campanhas. “É somente com essa constante inquietude que poderemos nos tornar líderes contemporâneos e atualizados, com tomadas de decisões mais robustas”, resume.
Segundo German Carmona, gerente de marketing da GOL, é fundamental a compreensão de que dados são o braço direito do executivo de marketing nessa nova era, mas ao lado do aspecto humano. “Nos últimos anos, construímos a infraestrutura necessária para colocar inteligência de análise de dados a serviço das marcas, para agora termos a capacidade de desenhar as estratégias. Mas a recomendação que dou é que temos que incorporar e saber que o ferramental está à disposição, mas não podemos perder o olhar no cliente. O lado humano e sensibilidade de olhar dados como suporte para algo maior, que une o propósito da empresa, da marca e o pessoal de cada um”, avalia. “Nas grandes histórias de marca que estão sendo contadas, fica clara a verdade humana por trás”, resume.