Sempre ouvi dizer que no mundo dos negócios devemos ser frios e implacáveis se quisermos ser bem-sucedidos. Na medida em que avançava na profissão, mais notava que se disseminavam termos como “sangue no olho” e “faca nos dentes” como atributos dos vencedores. Mas o que era para ser apenas a dramatização de uma atitude focada em resultados acabou por ditar um comportamento incompatível com uma convivência civilizada. A coisa chegou a tal ponto de descompromisso com o semelhante “desinteressante” para o cumprimento das metas negociais que o ambiente das empresas se converteu numa arena em que se engalfinham famintos por bônus.
Com o tempo, porém, essa imagem vazaria para o lado de fora das paredes das pessoas jurídicas e daria a perceber que, entre os chamados atores do mercado, a ética era um defunto abandonado num depósito de tralhas inúteis. Um escândalo! Tão grave se tornaria a situação que a percepção começou a contaminar a cotação das marcas, problema com que nenhum capitalista autêntico tolera conviver. Diante da ameaça, a reação: é preciso fazer alguma coisa para que não se consolide a impressão de que a vitória é uma prerrogativa dos vilões. Não que ela não seja. Aliás, ela pode até não ser. Mas o que as coisas são, de fato, ou deixam de ser, não tem muita importância.
O que atrai ou afasta investidores é o que as coisas parecem. E aí, justiça seja feita aos empreendedores, eles, na grande maioria das vezes, não começam seus negócios imaginando que esse é o jeito de triunfar. Tanto que, ao perceberem o risco de verem suas imagens comprometidas, buscaram socorro. E atraíram consultores que se apresentaram como salvadores da pátria, ao disponibilizarem um curativo milagroso chamado compliance. Que é interessante sob dois aspectos: primeiro, porque, uma vez adotado, zera o negativo, ao escancarar uma intenção previamente aprovada no imaginário universal; segundo porque não se compromete em construir o positivo naquilo que não é evidente e “listável”.
Ao fim e ao cabo, se resume em uma proteção contra o risco de ser acusado de alguma coisa mal referenciada. Por exemplo, o compliance condena a discriminação. Básico. Condena o assédio. Básico. Condena a corrupção. Básico. Ou seja, condena o que nunca deveria ter sido feito, mas preserva o cerne do sistema: a frieza e a implacabilidade. Por isso, o tempo passa e não experimentamos alterações significativas fora daquelas que dão expressão midiática, uma vez que o atendimento às expectativas da mídia é crucial no fechamento da equação.
Resultado: continuamos, sim, demitindo sem maiores pudores; continuamos “fechando negócios” a que depois daremos as costas sem maiores explicações; continuamos prometendo com um sorriso cinicamente otimista resultados que sabemos de antemão não alcançaremos. Continuamos, enfim, absolutamente indiferentes àquilo que não pertence objetivamente às propostas previstas no compliance. Mas com a consciência tranquila de que mulheres, gays e negros terão protagonismo nas narrativas de nossas histórias. Como um disfarce perfeito.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)