Montar quebra-cabeças não é fácil. Requer olho clínico dos encaixes corretos, organização, paciência e cuidado para não perder ou danificar peças no processo. Montar e desmontar em sequências e tamanhos diferentes, muito menos.
De certa forma esse é o trabalho de um CMO. Independentemente da nomenclatura – chief marketing officer, diretor, head etc. -, é ele quem precisa olhar todas as peças disponíveis e ajudar a montar o melhor resultado a partir da combinação entre elas, encaixando o cenário completo ou alinhando pequenas partes do todo. Não há uma fórmula. Cada setor e estrutura corporativa requer um formato e condições específicas.
A Alpargatas, dona da Havaianas, trabalha um modelo híbrido para realizar a comunicação das marcas e aproveitar do oxigênio que os parceiros trazem para as ideias. São, pelo menos, seis empresas de estratégia e comunicação, trabalhando em diferentes áreas e especialidades: AlmapBBDO e Circus (agências), Lema e Giusti (assessoria de comunicação, construção e gestão de reputação e relacionamento), WSL e Highsnobiety (construção de conteúdos e experiências), além da assessoria estratégica de consultores para vários assuntos. Fefa Romano, CMO da Havaianas, acrescenta que há ainda parceiros como OLV, para eventos, a DoJo, que está fazendo um projeto especial, bem como a abertura em conhecer gente nova.
Para lidar com a rotina intensa, ela usa grupos de WhatsApp a reuniões 1:1 com lideranças no time e grupos de trabalho. “Passo a maior parte do tempo em conversas e discussões com os times, mas liderança, a meu ver, consiste em remover os obstáculos que os times possam encontrar e continuamente inspirar todos. Tento separar um pedaço do meu dia para me educar e poder, sempre, cumprir esse papel.”
A empresa não acredita em terceirizar a responsabilidade sobre o trabalho e, portanto, não trabalha com lead agencies. Cada projeto tem sua liderança coordenando quando há mais de um parceiro envolvido. “Os guardiões das marcas somos nós e cabe a nós guiar qualquer trabalho. Um exemplo foi o lançamento de nossa estratégia para conexão com a comunidade LGBTQIA+. Nos comprometemos internamente com o que gostaríamos de fazer usando a marca Havaianas como plataforma, discutimos o que havia de oportunidades e riscos e, somente então, envolvemos parceiros. De consultores, a agências, todos receberam o mesmo pedido e foram ouvidos com a mesma abertura. Mas a liderança – a responsabilidade – foi do time Havaianas”, afirma.
A Microsoft Brasil, conta a CMO Luciana Lancerotti, também trabalha com um mix de agências. Há parceiros de escopo global, que atuam em vertentes do trabalho em marketing, como digital, de produção de assets de criação e conteúdo, além de serviços de compra e gerenciamento de mídia. Também há parceiros locais focados em marketing de relacionamento e ativações com vendas de produtos. A estrutura tem diversos processos que podem ser tanto com o CMO ou com outras lideranças.
“O meu papel é definir a estratégia de marketing local da companhia para que o meu time esteja pronto para realizar a execução, além de garantir o treinamento das agências parceiras nos principais aspectos que a companhia direciona os esforços: digital, conteúdo, marketing e comunicação, eventos e a parte de sales enablement. Além disso, precisamos garantir que os colaboradores da área de marketing ou de outras áreas de suporte que precisam usar dos serviços de nossas agências sejam direcionados aos parceiros corretos com suas especializações e foco de execução. Minha liderança na Microsoft está muito focada em conectar a nossa estratégia com a regional e a corporação, capacitando diariamente o meu time para que possa dar o suporte necessário às agências e equipes internas”, relata.
Dependendo do que será executado, a integração ocorre em diferentes formatos. Existem projetos e campanhas que podem ser tocadas por apenas uma agência ou que envolvam um conjunto. “Por exemplo, uma determinada agência trabalha com o briefing de alguma campanha que estamos produzindo, direcionada ao cliente e público-alvo, e uma outra que coloca os esforços em ativar e dar vida ao projeto. Em casos de campanhas com um direcionamento local ou regional, onde precisamos pensar em como ampliar a sua abrangência, preparamos um briefing liderado pelo time de Central Marketing, entendendo o foco, objetivos nas diferentes audiências e canais e definindo KPIs. Com as especificações organizadas, chamamos as agências parceiras para integrarmos o projeto, definirmos papéis e responsabilidades de cada uma, ritmo de revisão, e fecharmos a ação integrada. Este cenário demanda mais tempo da equipe com maior dedicação de tempo e habilidades de orquestração”, explica.
Carlos Pitchu é VP de mídia, conteúdo e comunicação de Natura &Co. Considerando todo o grupo há dezenas de parceiros e por isso o fluxo é um pouco diferente. Com a chegada da Avon à família Natura &Co, em janeiro de 2020, foi anunciada uma nova estrutura do grupo para a América Latina. A partir de então nasceu a vice-presidência de mídia, conteúdo e comunicação para América Latina, área também conhecida como Hub de Comunicação. O Hub é responsável pela gestão de atividades e assuntos relacionados a mídia, conteúdo, relações públicas e comunicação institucional das operações na América Latina.
As agências e produtoras também se conectam ao Hub, para desenvolver de forma estruturada e estratégica as melhores práticas de comunicação. “Tanto o Hub quanto as agências estão a serviço dos nossos equivalentes aos CMO’s em todos os mercados. Não contamos apenas com uma liderança. Temos os diretores de marketing dos mercados, que compreendem profundamente as dinâmicas dos canais, além dos diretores de Produtos, Categorias, Inovação e Marcas e dos diretores do Hub de Comunicação, que zelam pela melhor modelagem possível de mix de meios, mensagens, engajamento em conteúdo e comunicação corporativa”, detalha. Há várias camadas de planejamento que se interligam. Os parceiros são orientados por um plano único e as demandas são distribuídas considerando especialidades.
ASSERTIVIDADE E FLUIDEZ
Renata Lamarco, diretora de marketing da Bloomin’ Brands, grupo detentor da marca Outback, atua com três agências que são responsáveis pela comunicação da empresa, somando cerca de 65 pessoas ao dia a dia do negócio.
“A JeffreyGroup é a nossa agência de relações públicas. Está à frente do relacionamento com influenciadores, gerenciamento de crises e imagem da marca. Também atua como nosso braço direito na organização das agências afiliadas que temos pelo Brasil, que nos dão suporte regionalmente. A Santa Clara é uma parceira estratégica para a marca Outback, sendo nossa agência Hub na coordenação de disciplinas de comunicação, além da propaganda tradicional. Atua nas questões de desenvolvimento de produto, pesquisa, inovação e reputação, além do trade marketing dos 110 restaurantes. Já a VMLY&R cuida da nossa comunicação digital e é responsável pelo engajamento com os nossos consumidores através das redes sociais. A agência atua na gestão do funil completo, da awareness e geração de visitas à conversão, no delivery e nos restaurantes. Também trabalha de forma pontual, conforme a necessidade de cada restaurante”, explica.
Quatro gerentes reportam para Renata e a ajudam na gestão e alinhamento do time, mas ela afirma que gosta de participar do processo como um todo. “Sou próxima do time e acredito muito na troca de experiências e diferentes pontos de vista. Semanalmente, realizo uma reunião com o meu time. Começamos com cada um compartilhando referências de outros segmentos e países que nos chamaram a atenção na última semana e como isso poderia impactar ou nos inspirar. Depois seguimos com a discussão das prioridades e andamento das ações. Ao mesmo tempo dou bastante autonomia para o time. Temos desde pessoas mais seniores, até mais juniores responsáveis por grandes iniciativas. Nossa equipe é muito criativa e animada. Quando todo mundo se junta, sempre saem boas ideias e ações disruptivas e inovadoras”, ressalta.
Já O Boticário tem hoje AlmapBBDO, W3haus e CuboCC no olhar criativo para o branding das marcas, outros que contribuem com o desdobramento e execução das estratégias em disciplinas específicas, e agências de relações públicas e publicidade regionais, que atendem a rede de franquias com atuação voltada para as praças.
Gustavo Fruges, diretor de comunicação e marca de O Boticário, ressalta que há uma gama bem ampla de fornecedores e parceiros já cadastrados e homologados que trabalham com a empresa nos diferentes âmbitos da comunicação e em projetos diferenciados. “Como CMO, temos por responsabilidade a tomada de decisões e resultado de negócios, porém, todo o time de comunicação e marketing se envolve desde a ideação de uma campanha, proposição das soluções até a execução. Confiamos muito nas nossas pessoas e damos a liberdade para que o trabalho possa evoluir de maneira mais ágil e fluida, com autonomia e responsabilidade. É com os times que nossos parceiros acabam tendo o maior contato no dia a dia das campanhas e ações. Temos as áreas que cuidam de Branding, Relações Públicas, Redes Sociais, Mídia, Canais e Marketing Regional. São times multidisciplinares que, junto aos seus líderes diretos, olham para cada uma das nossas ativações e estratégias e constroem em conjunto com o CMO e fornecedores parceiros”, avalia.
Nascida na era digital, a Rappi também tem um escopo amplo de atuação. Fernando Vilela, CMO do Rappi no Brasil, conta que opera com diversos fornecedores e agências locais em cada região do país, mas há uma agência principal responsável por comandar a estratégia de marca e planejamento. Nas atividades de execução e marketing digital, os projetos são desenvolvidos com parceiros de acordo com as demandas ou com ferramentas próprias. “A estrutura é descentralizada: há os times de marca e trade marketing, além de squads específicos. Acredito que saber delegar e confiar nos times é o principal. Além disso, participo de todas as reuniões de alinhamento, reviso os resultados e faço as cobranças necessárias diretamente ao time a respeito da performance de cada um”, diz.
Adrilles Carvalho, CMO de Personal Health na Philips do Brasil, conta com sete agências parceiras que atuam no universo digital, BTL, PR, influenciadores e PDV/Trade, além do Philips Digital Hub (house), que é responsável por social media. Esta forma alimenta muitos fornecedores parceiros.
No dia a dia, as agências respondem aos heads das áreas. O head de trade, por exemplo, é responsável pela gestão de budget e execução das agências de PDV/Trade e tem autonomia em sua área de negócio. O mesmo acontece com os líderes de marketing das categorias e marcas de Personal Health, divisão de consumo da Philips do Brasil. “Como CMO, tenho uma visão macro e acompanho o desempenho de cada iniciativa e sou responsável por entender o funcionamento do negócio como um todo, tendo proximidade e acesso aos parceiros envolvidos no cotidiano do nosso negócio”, diz.
A empresa define os KPIs de cada agência, de acordo com o segmento, e acompanha os resultados para implementar planos de ação ou corrigir rotas. “Acompanho as métricas por dashboard. Os dados das ações em digital, por exemplo, são atualizados diariamente quando temos uma grande campanha e, com base nisso, tomo as decisões em parceria com os heads das áreas envolvidas. Além disto, minha posição exige uma rotina de reuniões para alinhamentos e entender os pontos de melhoria e os aprendizados. Em muitos casos é preciso entender o fluxo das demandas vs. os recursos disponíveis e revalidar as estratégias e KPIs para os meses seguintes”, detalha.
Em O Boticário, as agendas são divididas entre as discussões de negócios e estratégias com olhar para o futuro junto à vice-presidência, e outros diretores e a conexão com os times no dia a dia para diretrizes e follow up. “Temos algumas recorrências e formatos organizados para acontecerem esses momentos entre os gestores e times junto ao CMO, que são fundamentais para trocas sempre ricas e colaborativas. Buscamos o equilíbrio definindo as prioridades e dando a liberdade e autonomia necessárias para lideranças e seus times”, diz Fruges.
Dependendo da grandiosidade da campanha, a empresa integra entre os parceiros desde a concepção da ideia principal ou conceito-mãe da iniciativa. Em casos mais do dia a dia, cada parte da comunicação é pensada separadamente entre áreas internas e as agências a partir de um direcional estratégico unificado. Após o desenho de cada ação, os times se integram para uma execução alinhada e harmônica. “Quanto mais interfaces, mais nosso time precisa ter um olhar atento, 360º e organizado para que todos os pontos estejam sempre bem amarrados e integrados. Mas temos a sorte de termos verdadeiros parceiros que atuam conosco já há um tempo e entendem a essência da marca e nossa dinâmica”, relata.
NA ALEGRIA E NA TRISTEZA
Como tudo na vida, há pontos positivos e negativos, e o leque de desafios é amplo. Luciana, da Microsoft, aponta como vantagem ter pessoas com competências e habilidades complementares enriquecendo o trabalho, somando expertises.
“Algumas são mais técnicas, trabalham com profundidade de produto, outras são especializadas no campo de influenciadores, social media ou em mídia paga. Podemos trocar experiências e construir coletivamente. Paralelamente, supervisionar todos estes processos, juntamente com o time, é um desafio e tanto”, diz. Outro desafio para esse trabalho colaborativo seria o ego. “Se você tem uma pessoa ou um time querendo protagonizar, não funciona. O importante é ter pessoas comprometidas com o objetivo final, em entregar o melhor trabalho em grupo”, afirma Ana, do Magalu.
Com dezenas de parceiros e uma estrutura de várias camadas, a Natura &Co enfrenta questões específicas desse desenho. “A governança é mais complexa e é preciso muita disciplina e respeito aos processos para que a integração e a coesão sejam garantidas. Como vantagem, vemos mais capacidade de entrega, maior repertório de ideias e o maior envolvimento de especialistas”, avalia Pitchu.
Liderando o marketing de uma empresa cujo conceito é ser 100% digital e user centric, Vilela fala que a maior dificuldade é garantir consistência e rapidez nos movimentos. “Ao mesmo tempo, acredito que atuar com muitos fornecedores garante mais agilidade – algo de que não abrimos mão no Rappi”, reflete.
Com o contexto da pandemia, outro grande desafio tem sido fazer a gestão de forma online, buscando clareza e engajamento no trabalho remoto. “Às vezes, sinto falta de uma mesa de reunião cheia, olho no olho de cada um, mas estamos nos adaptando dia após dia. Preciso, mais do que nunca, manter o canal aberto com nossos colaboradores para que não haja ruído em todas as nossas conversas e alinhamento”, afirma Renata, do Outback.
Já na Philips, cujo ecossistema é alimentado pelo time de marketing das categorias (Cuidados Pessoais, Oral Health Care, Philips Walita e Philips Avent), Carvalho acredita que a vantagem é estabelecer uma concorrência saudável pelo investimento das marcas. “As agências constantemente trazem novas ideias alinhadas ao propósito das categorias e contribuem para uma comunicação inovadora em seus formatos. Um bom exemplo disso foi a entrada da Philips, com a divisão de Male Grooming, no universo de e-sports em 2020, oportunidade identificada por um de nossos parceiros. Começamos a olhar para este mercado de forma diferente, dividimos o desafio com as demais agências e todas passaram a nos ajudar na construção de uma conversa estruturada com o público deste segmento em novas plataformas. O maior desafio é manter o alinhamento das mensagens durante a execução das campanhas e ter KPIs comparáveis entre agências, para definir as tomadas de decisão, principalmente no que tange a investimentos financeiros”, observa.
Para Fefa, da Havaianas, a maior dificuldade é a mesma que sente ao trabalhar com um time de mais de 200 pessoas: gerir bem seres humanos leva tempo, requer energia e pede muita empatia.
“Cada parceiro tem algo a entregar, mas eles também esperam algo de volta, que é maior do que o fee que a gente paga. E isso é superjusto, se não, seria uma relação de clientes e fornecedores e não de parceria. É exatamente igual ao meu relacionamento com meu time: eles não querem um chefe (cliente), até porque esse tipo de liderança ficou nos anos 1990. Eles querem uma troca, direcionamento, que eu entre na frente do tiro por eles, mas eles querem me ensinar coisas e trocar comigo. Isso pede tempo, energia e empatia.”