Elliot: futuro reserva um modelo que ainda não compreendemos completamente

 

 

O canadense Brian Elliott é um globetrotter que decidiu montar sua agência de publicidade em Amsterdam, cidade que se tornou sinônimo de liberdade e que fervilha criativamente. A capital holandesa é quase inviável, como costuma brincar o publicitário, pois fica abaixo do nível do mar. Mas tornou-se um hub mundial, uma babel onde ideias e inovação estão entre seus melhores artigos para exportação, em especial no mundo da publicidade.

A escolha de denominar Amsterdam Worldwide uma agência que se posiciona como global e não pega jobs locais teve exatamente esse objetivo: exaltar o caráter cosmopolita do negócio, focado em expandir marcas pelo planeta. Nesta entrevista, Elliott fala sobre esse desafio e do grande dilema que leva a maioria das agências, ainda, a manter um pé no passado e outro no futuro.

Fala-se tanto em inovação que parece que a missão das agências de publicidade tornou-se hercúlea. De saltos da estratosfera a tweets épicos, fica cada vez mais difícil criar?
Essa questão se dirige ao coração do negócio da propaganda hoje, sem dúvida nenhuma. Eu diria que as oportunidades que existem hoje são, de certa maneira, as melhores que já tivemos. Podemos acessar tantas pessoas ao redor do mundo a custos muito baixos. Então, se você tiver uma boa história para contar, dá para fazer um excelente trabalho, ao contrário de antigamente. Isso abre várias portas para diversas marcas novas no mercado que simplesmente não existiam.  Antes as marcas levavam de 10 a 15 anos para construir um forte posicionamento. Isso ainda não ocorre da noite para o dia, mas é facilitado pelas muitas possibilidades que temos hoje, com a tecnologia. Do ponto de vista do negócio da propaganda, o desafio é em relação à nossa estrutura, como fazemos dinheiro. A forma de criar para nossos clientes e o papel que estabelecemos tradicionalmente para eles mudou. E ninguém foi capaz de descobrir a resposta correta ainda. Também não tenho a resposta mágica, mas sim algumas ideias para avançar. Certamente vivemos um desafio a tudo o que já fizemos e como sobrevivemos até hoje no negócio da propaganda. E ainda há bem mais pela frente.

Qual é, afinal, o papel das agências de propaganda para os clientes?
Acredito que há várias nuances para responder essa pergunta, mas o que fica claro é que enquanto profissionais devemos ser agentes a serviço das necessidades dos negócios dos clientes. Ser uma agência não é mais criar um anúncio. É claro que temos profissionais criativos e talentosos capazes de fazer isso em altíssimo nível, mas é uma maneira muito limitada de enxergar o que é possível hoje em dia. As coisas vêm mudando e se transformando tão rapidamente que realmente não é possível para uma agência ter todas as respostas. Nosso modelo é o que chamamos de open-source. Inspirados, de certa maneira, pelo negócio dos softwares e a indústria da tecnologia, podemos trazer talentos de várias partes do mundo para a mesa, para trabalhar para o cliente, em diversos novos formatos e configurações nunca vistas dentro de agências de publicidade. Se você considerar o projeto Red Bull Stratos, ele é, do início ao fim, uma peça publicitária para Red Bull. A logomarca não poderia estar mais visível. Parece uma ideia muito boa, embora tenhamos que avaliar a parte financeira do projeto, mas o fato é que não há razão para que não possamos criar para nossos clientes diferentes tipos de experiências que tocarão consumidores de um jeito mais eficaz e fundamental que uma peça publicitária tradicional faria. É preciso ter uma estrutura diferente para fazer isso. E a estrutura do cliente também contribui. Se o cliente paga as agências para se comportarem de uma determinada maneira, eles não deveriam se surpreender quando elas se comportam exatamente daquela maneira. Se você remunera sua agência por comerciais de televisão, é um bocado de comerciais de 30 segundos que receberá dela. Por isso os anunciantes também precisam refletir a respeito de como estão agindo.

Como sua agência vem mudando a estrutura ao longo do tempo?
Ocupamos um lugar muito específico no negócio: trabalhamos para marcas globais, especificamente. Não pegamos jobs para um único país, a menos que sejam parte de uma estratégia global. Atuamos junto aos nossos clientes com diferentes interesses nos mais diversos públicos, o que requer ter um time multicultural. Há agências americanas e inclusive brasileiras que expandiram pelo mundo, mantendo-se quem são em seus países de origem. Nós somos, no design, uma agência multicultural e multidisciplinar. Criamos trabalhos literalmente ao redor do mundo. Na Indonésia, na China, na Europa. Não precisamos de escritórios em cada lugar para isso. Usamos a tecnologia para colaborar ao redor do mundo com vários tipos de talentos, adaptando nosso design às necessidades específicas de cada cliente. É mais eficiente e tem melhor custo-benefício manter uma bandeira no mapa do que em todos os cantos do mundo.

Como fazer isso funcionar, na prática?
É preciso em primeiro lugar ter uma marca estratégica muito clara e bem posicionada, além de uma forte liderança criativa e de administração da execução dos projetos. Não adianta criar projetos incríveis se não somos capazes de entregá-los. É preciso ter um time central, que coordena tudo. Daí pode-se criar formatos diferentes para atender os clientes ao longo do processo: de eventos em Las Vegas a curtas-metragens na China, para um mesmo anunciante. Tudo a partir da nossa base em Amsterdam. Não é fácil lidar com os processos de tomada de decisão dentro dos clientes em diferentes países. Mas é um nicho especializado para nós, algo que nem todo mundo sabe fazer. Por isso, encontramos o nosso lugar.

Focar em algo é importante. Mas o que significa exatamente criar ideias globalmente relevantes, conceito que vocês utilizam para se vender?
O simples desafio para qualquer empresa que quer ter uma marca internacional é como manter uma ideia central, partindo do princípio de que o produto é o mesmo em qualquer lugar do mundo. Detergente é detergente em qualquer lugar do mundo. Coca-Cola é Coca-Cola, não muda. Isso é uma coisa. Ao mesmo tempo, você tem que ser flexível porque há necessidades locais, história, distribuição e diversos aspectos que podem impactar em como a sua comunicação vai aparecer. Ainda assim, apenas nos últimos três ou quatro anos as crianças, por exemplo, passaram a ser impactadas por mensagens de comunicação de diversas partes do mundo. Isso muda as coisas. Se você tem uma marca com imagens muito distintas em Portugal e na Espanha, as pessoas saberão e pensarão: “isso não faz sentido, quem são essas pessoas?”. Você terá mais custos e menos eficiência para a sua marca. Você precisa desenvolver ideias que tenham o máximo de efeito para o maior número de pessoas possível ao redor do mundo. Pode-se contar uma grande história e se comunicar com milhões de pessoas mantendo o que há de autêntico e nacional para uma marca. Com a habilidade de responder com agilidade a oportunidades locais, fazendo com que a inteligência de cada mercado trabalhe a seu favor. Para a Intel, por exemplo, conseguimos fundir na comunicação a cultura bem tradicional da Indonésia com tendências modernas, de maneira bem relevante, no trabalho “Visibly Smart”. É uma campanha do país, mas pessoas do mundo inteiro a amam. O que eu não acredito é que você tenha que ter um approach 100% local em cada país. Isso não faz sentido e é caríssimo.

A criatividade se mantém como o maior valor de uma agência? O que faz a diferença?
Sem dúvida se mantém. E mais do que nunca o storytelling é importante e se torna ainda mais com a tecnologia. Porque a crescente capacidade de enviar e receber mensagens faz com que a necessidade de boas histórias aumente. Além disso, a TV mantém sua força e o branded content no formato filme tem sido extremamente eficiente para clientes como Pernod Ricard, Chevrolet, Intel e muitas outras marcas. Não se poderia veicular na TV um filme como o que fizemos recentemente, de sete minutos, assistido na internet por nove milhões de chineses sobre fotógrafos de casamento, para a Intel. Quando as pessoas escolhem “estar” com a sua marca espontaneamente por tal período de tempo, o efeito é completamente diferente de ser forçado a assistir algo a respeito de um produto no intervalo do seu jogo de futebol favorito. E as pesquisas não apresentam informações claras sobre isso, ainda. É qualitativamente muito mais relevante. Não temos como medir, mas o impacto é real. Portanto, storytelling é o caminho, mas se você pensar em agências como pessoas que sabem contar bem histórias, melhor do que as próprias empresas são capazes de contar porque não possuem os skills necessários, chegaremos a uma nova “era de ouro” na comunicação. Há coisas muito importantes para acontecer. E o que importa, de verdade, é a boa história.

É difícil encontrar gente talentosa para contar essas histórias?
Atraímos pessoas boas com nossa reputação. Produzimos de filmes de 20 minutos a aplicativos musicais, passando por eventos e outras formas de comunicar. Não temos problemas porque as pessoas boas nos acham, se falam e nos procuram. Querem trabalhar conosco. Mas o problema das agências eu diria que é, ainda, uma estrutura que os recompensam por se comportarem de uma determinada maneira. E o modelo de conteúdo rompe com essa barreira de preço, que sempre existiu para se conseguir produzir. Você ainda precisa investir em um bom filme, mas a sua distribuição deixou de ser inviável financeiramente. Isso muda tudo e torna o talento para o storytelling ainda mais importante do que jamais foi. As pressões da economia e o modelo pelo qual valoramos o nosso trabalho ao longo do tempo distorceram as coisas. Mas isso tende a mudar.

Essa libertação que você mencionou, da barreira de preço na distribuição do branded content, é a tal “libertação digital”,  que acompanha o título das palestras que você tem feito nos últimos tempos?
Sim. Todos nós mantivemos até aqui um pé no futuro e outro no passado. Fizemos recentemente um trabalho para um conhaque russo da Pernod Ricard chamado ArArAt, que tinha como peça principal um filme de 20 minutos em DHD. E provamos que até pessoas em países emergentes como a Rússia, onde a tecnologia não funciona sempre a seu favor, queriam acessar conteúdo de alta qualidade. Caso do filme da Intel na China, do qual falei antes. A tecnologia muda a experiência em bandas mais curtas, em celulares, em chips pré-pagos para computadores. Nada disso é possível sem entendê-la, ver como ela transforma os hábitos. Veja o que um bebê é capaz de fazer com um iPad e você vai entender do que estou falando. Estamos mesmo vivendo um grande momento. Difícil e desafiador. Mantivemos um pé no passado, nos modelos antigos de publicidade, presos a como ganhamos nosso dinheiro e construímos nossos negócios. E temos um no futuro, em um modelo que nós ainda não compreendemos completamente. Mas é para onde devemos caminhar.

E como chegaremos a esse futuro?
É como atravessar um rio. Você não pode manter um pé de cada lado, porque você cai na água. Ou você fica onde está, sem arriscar, sentindo-se seguro, mas podendo tornar-se irrelevante, ou salta para o futuro.