CEO da startup Nhai, Raquel Virgínia explica como os projetos de diversidade podem gerar impacto social para as empresas
O impacto econômico da Parada do Orgulho LGBTQIA+ em São Paulo ultrapassa os R$ 800 milhões. Como é realizada em vários países, além de outros aspectos que englobam a Pink Economy, os valores globais chegam a US$ 4 trilhões por ano.
Fundadora e CEO da startup Nhai, a executiva Raquel Virgínia, mulher trans, negra, nascida e criada na periferia de SP, se propõe a desenvolver projetos de diversidade para gerar impacto social para empresas.
Fonte para a questão LGBTQIA+, está à frente de censo que será concluído no fim deste ano para medir a produtividade da comunidade no país. Cantora foi indicada duas vezes ao Grammy Latino, um feito inédito. A seguir, fala sobre preconceito, como as marcas devem contemplar questões de gênero e equidade. E o papel da publicidade e do marketing.
Diversidade, inclusão e negritude. Por que as marcas precisam estar antenadas com esses temas?
Porque essas pessoas significam novos modelos de negócio, inspiram novos produtos, são um mercado consumidor. Então, tendo conversas mais efetivas com a sociedade sobre o tema e incluindo, obviamente, haverá uma maior conversão em vendas. Na prática, a conversão para aquela marca e para os produtos daquela marca é melhor ao considerar essa comunidade. Além disso, esse debate tem a ver com o quanto essa marca está conectada. Essa conexão faz com que uma empresa demarque a sua contemporaneidade e isso, com certeza, faz com que o público tenha um olhar diferente para uma marca que se faz presente no momento, mas também no futuro.
Na publicidade, o preconceito rola? Mesmo num país negro? Que tipo de preconceito? Velado?
Eu acredito que o racismo estrutural é algo presente em todas as estruturas e, certamente, também no mercado da comunicação e da indústria criativa. Na publicidade, percebemos esse preconceito quando falamos de representatividade, por exemplo. Mas não é só na frente das câmeras. A falta de representatividade também está por trás das câmeras. Afinal, qual é o número de dirigentes negras e negros na liderança? Quantos negros e negras estão definindo verba, tom e pauta de campanhas? Tudo isso, toda essa alta gestão ainda é racialmente muito branca. Claro que essa realidade é sintoma de uma sociedade racializada, com uma hegemonia da branquitude.
Quais são as principais questões que a publicidade deveria levar em conta em relação à LGBTQIAP+? E nas questões de diversidade e inclusão?
Na minha opinião, a principal questão que as marcas têm de levar em consideração em relação à pauta LGBT é que a gente está falando de uma comunidade enorme, que tem o poder de movimentar bilhões de reais por ano no Brasil. Precisamos ter em mente que é uma comunidade muito poderosa e que pode elevar ainda mais o seu lugar na sociedade, consumindo e movimentando a economia. É preciso se atentar para a potência da comunidade LGBT. É só pensarmos na Parada LGBT de São Paulo: em um dia, o evento movimenta quase 1 bilhão de reais. Então, quantos produtos, quantos modelos de negócio essa comunidade pode movimentar? É por isso que as marcas precisam prestar atenção e levar em consideração uma série de fatores, como seus propósitos, suas missões e seus princípios.
Qual foi a chave/fator para a mudança?
Na minha visão, houve um estouro no debate sobre o tema e um consequente investimento por parte das empresas, que ocorreu um pouco antes, e com um ápice, no período pós-estrangulamento até a morte de George Floyd, nos Estados Unidos. No Brasil, o caso João Alberto, espancado e asfixiado por seguranças da rede de supermercados Carrefour, em 2021, também refletiu em altas na aplicação de recursos em projetos voltados à diversidade por parte das empresas. Nós, que somos profissionais que lidamos com o tema, notamos que o mercado encarou isso como um momento de tendência. Porém, o problema não se resolve de imediato, com ações pontuais. É uma questão estrutural e o mercado não está acostumado a pensar em tão longo prazo. Mas é preciso ser consistente nesse investimento para que tenhamos mudanças efetivas.
Ainda requer luta ou já há uma ambientação padrão?
Sim, ainda é preciso muita luta. Temos muitas questões, temos muitas pautas para dar visibilidade. A pesquisa “Representa - O mapa da representatividade na publicidade”, elaborada pela ONU Mulheres, mostra que, no ano passado, foi de 0% o número de peças publicitárias com o público LGBTQIAP+. Não houve nenhuma campanha com a comunidade LGBT representada. E quantas pessoas da sociedade fazem parte desse grupo? Portanto, a gente ainda vive uma negação. Existe um negacionismo do mercado como um todo em relação a nossa potência. As empresas e a mídia, em geral, ainda olham de maneira muito sazonal para a nossa comunidade, seus valores e suas dores. Eu acho que a gente tem de olhar para essa causa de uma forma mais pragmática e entender o quanto de movimento essa comunidade pode gerar. Assim, temos uma luta grande para nos fazermos perceber como potência.
Leia a íntegra da matéria na edição impressa do dia 27 de maio