A TV por assinatura sempre teve a segmentação como diferencial, no entanto, a multiplicação da quantidade de dados disponíveis sobre comportamento do consumidor, graças ao big data obtido por meio de pesquisas tradicionais ou social listening, tem provocado uma mudança silenciosa no setor.

As redes sociais ajudaram a dar contornos mais claros a grupos ou comunidades centrados em determinados assuntos: os pet lovers, por exemplo, que demonstram seu apego aos animais; os fãs de games, com seu fanatismo por jogos eletrônicos; e os fãs de gastronomia, que não perdem a chance de compartilhar suas receitas.

Em comum, essas pessoas têm um profundo engajamento, ou, em outras palavras, verdadeira paixão por esses temas.

Ao identificarem, conhecerem e estabelecerem conversas com esses segmentos, ou mesmo mapearem com agilidade novos grupos em formação, as empresas de conteúdo do setor conseguem redefinir suas estratégias de negócios, criando novos canais ou programas muito mais direcionados, que trazem impacto positivo na audiência e engajamento com o público.

Há poucas semanas, a Discovery Networks Brasil trouxe ao país a DogTV, de olho em um segmento de pet que só cresce: há 52 milhões de animais de estimação no país e os donos nunca buscaram tanta informação sobre cuidados para saúde e bem-estar dos cães. Muito por conta da integração nas redes sociais das pessoas que amam seus pets, a saúde dos animais passou a ser debatida mais profundamente na sociedade brasileira. Uma das descobertas relativamente recentes é a ansiedade extrema que a maioria dos cães desenvolve quando deixados sozinhos na casa, a chamada “síndrome da separação”. Uma das razões para o canal existir é ofertar conteúdo que minimize esse quadro.

Divulgação

“A demanda foi percebida pela análise do potencial do mercado e pesquisas internas sobre interesse nesse produto. O público principal são as pessoas cujos cachorros ficam sozinhos em casa uma boa parte do dia. É um canal 100% feito para cães, considerando a forma como percebem as cores e sons, os conteúdos que os estimulam ou relaxam”, explica Alessandra Pontes, vice-presidente de afiliadas da Discovery Brasil. O país, lembra, é o segundo maior mercado pet do mundo, com crescimento médio de 16% ao ano. “Acabamos de lançar o canal e a repercussão está sendo muito positiva”, avalia, dizendo ainda estar de olhos abertos para oportunidades em outros segmentos de nicho para o futuro.

No ambiente da Globosat, as redes sociais e seus nichos também são um insumo importante para a programação. “Usamos todas as ferramentas disponíveis de análise para rastrear tendências e temas em evidência sobre gastronomia, moda, decoração e comportamento. Acompanhamos de perto tudo o que o nosso público comenta nas redes sociais. Temos uma equipe dedicada que responde ativamente as mensagens e faz a extração de insights que nos ajudam a criar conteúdos que dialoguem com o nosso público”, conta Polika Teixeira, gerente de marketing do GNT. O Fale Conosco, programa veiculado exclusivamente no canal da marca no YouTube, nasceu justamente com esse objetivo – de abrir espaço para os comentários nas redes sociais sobre a programação.

Outro canal da programadora, o Off se conecta com os amantes da natureza e da vida outdoor nas mídias sociais. Consegue, dessa forma, mapear novas modalidades esportivas, tecnologias, talentos que se convertem em ideias de conteúdo. “A série Revolução do Foil, exibida este ano no canal, surgiu a partir de um viral publicado no Instagram do surfista Kai Lenny”, afirma Cristiane Stuart, gerente de marketing do canal.

Jogos

Os fãs de games também passaram a constituir, nos últimos anos, um grupo muito forte e engajado nas redes sociais. Os canais de esporte se atentaram a isso e adaptaram sua programação aos e-sports, esportes eletrônicos. O SporTV lançou, neste segundo semestre, um canal de YouTube (e-SporTV) totalmente dedicado à cobertura dos grandes eventos do segmento e contratou o narrador Gordox para ser o âncora do canal. E o Grupo Globo anunciou a criação do Prêmio eSports Brasil, em parceria com a Go4it, com realização em 19 de dezembro, em São Paulo.
Como resposta a esse grupo de pessoas, o Esporte Interativo, braço de esportes da Turner, passou a ter uma programação específica de e-Sports, além de um canal separado para games no YouTube, e criou um campeonato próprio, a Copa EI Games, que vai para a terceira edição. Estamos preparados para testar modelos também a partir das nossas crenças ou do que ouvimos do público das redes sociais. A partir daí, avaliamos o retorno e ajustamos, modificamos ou mantemos. A movimentação no universo digital antecipa tendências”, afirma Leonardo Lenz Cesar, que é vice-presidente de esportes da Turner no Brasil.

O impacto da estratégia na audiência foi positivo, segundo o executivo. “Além de patrocínios de marcas que querem se associar ao nosso conteúdo de games, outros novos negócios surgiram a partir daí, como aquisição de direitos e parcerias com marcas que são referência como Warner, IGN, UOL e Games Academy, entre outras”, diz Cesar. Segundo ele, outros nichos de quem o Esporte Interativo se aproximou foram os fãs de futebol americano, de handball e judô. O próximo passo é o universo de basqueteiros, que poderão assistir às principais competições da seleção brasileira nos próximos anos.

Dentro da Turner, outros dos nichos mais fortes a serem atendidos pela programação são os fãs de heróis, que têm à disposição as séries Arrow, Flash, DC’s Legends of Tomorrow e Supergirl. Na Cartoon Netowork, há uma segmentação para fãs de games, com o Let’s Play e o Toontubers.
Outro grupo curioso que se formou graças às redes sociais é o dos chamados “Series Killers”, pessoas fanáticas por séries de investigação. O trocadilho é relacionado ao termo serial killers, e inspirou a AXN em suas estratégias. “Temos uma equipe dialogando diariamente com os fãs de nossos canais. Alguns projetos, como Entubados e Missão AXN, por exemplo, têm grande quantidade de fãs mobilizada nas redes, interagindo ativamente com o conteúdo e promovendo insights para nossa equipe”, explica Alberto Niccoli, vice-presidente sênior e gerente-geral de Canais da Sony Pictures Television Networks no Brasil.

O Missão AXN, por exemplo, nasceu após o canal constatar por meio das redes sociais o
alto engajamento do grupo “Series Killers”. Da mesma forma, Entubados, por exemplo, foi uma atração pensada e criada para os jovens fãs de influenciadores digitais.

O impacto desse tipo de estratégia na audiência, diz Niccoli, é profundo. Ele garante que Entubados elevou consideravelmente a audiência do Canal Sony entre jovens de 12 a 24 anos, e o segundo ano da atração já tem 164% de aumento na audiência comparado com o ano anterior. “Por mais que alguns dos nossos programas mirem um público de nicho, a novidade dos formatos também tem valor de entretenimento para o amplo público do canal. É o que ocorre no caso de Shark Tank Brasil, por exemplo. O programa tem grande valor para empreendedores e investidores, mas as emoções e o caráter educacional do programa acabam atraindo também o grande público”, afirma.

O programa de novos negócios mira a comunidade de pessoas que sonham em abrir o próprio empreendimento. Na segunda temporada, teve aumento de 300% em faturamento, com cotas todas vendidas, e o dobro da audiência.

Insights

Na Viacom, as redes sociais também são frutos de observação e interação que acabam gerando insights para a estratégia dos canais, junto com estudos globais mais robustos. “Esse arsenal de dados e insights é fundamental no desenvolvimento do conteúdo segmentado para os nossos públicos”, afirma Ari Martire, diretor sênior de Brand Content da Viacom Brasil.

Para ele, o conjunto de diferentes nichos vai virar uma espécie de “novo mainstream”. “Nessa nova dinâmica, o conteúdo em si pode ser considerado de nicho e os canais uma espécie de ecossistema em que convivem diferentes conteúdos e formatos para atender demandas de diferentes nichos”, analisa Martire. Na Nickelodeon, por exemplo, há uma programação que atende ao grupo de pré-escolares e pais, e eventos para públicos específicos, como o Encontro de Patas, um evento para a família toda, incluindo os pets, que na primeira edição recebeu mais de 15 mil pessoas e 3.500 animais de estimação.

Além de novos programas e canais, os grandes movimentos das redes sociais ocasionam conteúdos temáticos espalhados pelas atrações. Na MTV, existe o #pqmulher, uma série de um ano de conteúdos temáticos para colaborar com o conhecimento e empoderamento das causas das mulheres. “Outro exemplo são os especiais que realizamos para grupos específicos como os LGBTQA+. Este ano tivemos uma semana temática com uma série de documentários e estamos agora no ar com a campanha Out in 60 – #PRONTOSAÍ, lançada em 11 de outubro em todo mundo. Em depoimentos corajosos e inspiradores, cada um deles conta como foi quando ‘saíram do armário’. No Brasil, Lia Clark, Gloria Groove e Triz, dentre outros nomes, participaram do projeto”, explica.

Para dar conta da identificação dos nichos, a Viacom lançou recentemente a Viacom Velocity Brasil, unidade de negócios orientada a servir as marcas criando soluções de conteúdos, mídia e marketing. “O grande estudo Cultura da Proximidade tem ajudado a Viacom e as marcas a se aproximarem de nichos. Aqui no Brasil, temos engajamento cada vez maior das nossas marcas nas redes sociais, o aumento do tempo de permanência em nossos canais lineares e o crescimento nos rankings do Ibope”, diz.

Segundo ele, nichos já presentes atendidos em outros países, como universitários (pela MTVu) e fãs de música country (CMT) podem receber atenção em breve no Brasil.