Nada mais triste do que está acontecendo com a imprensa no Brasil. Há uma crise de dinheiro e de credibilidade. A tecnologia trouxe novas formas de consumo de informação e, ao mesmo tempo, por interesses sombrios, parte da sociedade promove verdadeira caça às bruxas visando desautorizar qualquer manifestação contrária a seus propósitos. O debate está se inviabilizando, substituído por ataques à honra e à honestidade de quem se manifesta de forma contrária. Não falo apenas das redes sociais, onde pessoas aparentemente sadias desfilam suas loucuras com absoluta desfaçatez, mas até mesmo na chamada grande imprensa, onde o bom debate e a troca de opiniões estão cada vez mais raros. Ofende-se em vez de discordar.

Dos próprios filhos do presidente ao seu ideólogo preferido, o insulto virou argumento. Desqualifica-se o adversário como método. E, para nossa tristeza, esse comportamento despertou as mentes mais doentias justificando o abandono completo do diálogo e da troca de ideias.

As teorias mais absurdas, cuja finalidade é a de impedir o adversário expor seus argumentos, são usadas muitas vezes fora de contexto, numa falsa erudição que visa apenas humilhar, silenciar e justificar atitudes totalitárias. Mas não é disso que eu queria falar, já que esta é a segunda coluna que escrevo querendo bancar o sério, tarefa entregue a gente mais apetrechada que eu.

É bem verdade que é difícil achar graça nestes tempos sombrios. Mas há que se sorrir, apesar de tudo. Não é coisa de bobo, como pode parecer à primeira vista, mas talvez seja uma atitude de resistência. Totalmente abalado com o fechamento da sucursal de Brasília da revista IstoÉ e da brutal diminuição das redações da grande maioria dos jornais e revistas me lembrei de uma crônica escrita há décadas por Carlos Leonam na Carta Capital (outra revista que luta para sobreviver). Ela reproduz a definição – digamos – oficial da palavra “passaralho”, que é o termo que define os cortes de pessoal nas redações, seja qual for o motivo. Os voos do “passaralho” deixam atrás de si um rastro de desemprego. E a grande maioria das redações no Brasil tem servido de pouso para o “passaralho”. Atribuído a Joaquim Campelo, copidesque do antigo Jornal do Brasil, este é o verbete que define o “passaralho”. Vamos a ele:

“Passaralhos.m (brasl.) Designação popular e geral da ave caralhinforme, faloide, família dos enrabídeos (Fornicatorcaciquorum). Bico penirrostro, de avultadas proporções, que lhe confere características específicas, próprio para o exercício de sua atividade principal e maior. À sua ação antecedem momentos prenhes de expectativa, pois não se sabe onde se manifestará com a voracidade que, embora intermitente, lhe é peculiar: implacável. Apesar de eminentemente cacicófago, donde o nome científico, na espécie essa exemplação, não vem ocorrendo apenas no cacicado. Zoólogos e passaralhófilos amadores têm recomendado cautela e desconfiança em todos os níveis, pois a ação passaralhal é de amplo espectro. Há espécies extremamente onívoros e de ação onímoda. Trata-se este do mais antigo e puro espécime dos Fornicatores, sendo outros como p. ex. o picaralho, o birroalho, o catzaralho etc., espécies de famílias espúrias submetidas a cruzamentos desvirtuados do exemplar. Distribuição geográfica praticamente mundial. No Brasil é também conhecido por muitos sinônimos, muitos deles chulos. Até hoje discutem os filólogos e etmologistas a origem do vocábulo. Uma corrente defende derivar de pássaro+caralho, por aglutinação, outra diz vir de pássaro+alho. Os primeiros baseiam-se na forma insólita da ave, os outros pelo ardume sentido pelos que experimentaram e/ou receberam sua ação em plenitude. A verdade é que quantos o tenham sentido, cegam, perdem o siso e ficam incapazes de descrever o fenômeno. As reproduções que existem são baseadas em retratos falados e, por isso, destituídas de validade científica”.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)