Análise reúne vozes do setor para refletir sobre a virada do investimento, o impacto das plataformas e a redefinição dos processos criativos

Nesta quinta-feira (4), é celebrado o Dia Mundial da Propaganda, uma data que, mais do que marcar o calendário do setor, convida o mercado a refletir sobre transformações nos modelos de comunicação, consumo e produção criativa. Para compreender como essas mudanças têm posicionado agências, plataformas e profissionais, o propmark ouviu especialistas de diferentes frentes.

Nos últimos cinco anos, uma das mudanças mais evidentes ocorreu na distribuição do investimento publicitário, com parte relevante da verba migrando da TV aberta para o ambiente digital, especialmente para as redes sociais. Kenneth Corrêa, diretor de estratégia da Agência 80 20 Marketing e professor da FGV, observa que os dados do Cenp-Meios consolidam essa virada.

“Os números mostram uma virada histórica consolidada em 2024: pela primeira vez, a internet superou a TV Aberta. Vimos a televisão cair de 52,8% de participação em 2019 para 36,5% este ano, enquanto o digital praticamente dobrou, saltando de 21,2% para 39,8%. Financeiramente, calculamos que essa movimentação represente uma migração direta de cerca de R$ 4,2 bilhões que deixaram de ser alocados na TV para irrigar as plataformas digitais. ”

Kenneth Corrêa, diretor de estratégia da Agência 80 20 Marketing e professor da FGV | Imagem: Divulgação

Esse deslocamento responde a novos hábitos de consumo, mas também a uma discussão recorrente no mercado: a falsa oposição entre criatividade e performance. Para Bruna Madaloni, especialista em marketing digital, branding e CEO da Hay Hyve, essa dicotomia não reflete mais a realidade. “O mercado insiste em tratar a criatividade e performance como polos opostos. Isso é ultrapassado.”

Já Vico Benevides, fundador e CCO da Asia, lembra que a ascensão das redes sociais acompanha diretamente o tempo que os brasileiros passam nelas, quase quatro horas diárias, enquanto formatos como OOH também ganharam tração no mesmo período.

Sandra Martinelli, CEO da ABA e membro do executive committee da WFA, afirma que a instituição entende que as marcas deixaram de ser apenas emissores de mensagens e tornaram-se curadoras de ecossistemas de influência. “Em um ambiente definido por algoritmos e criadores, a capacidade de orquestrar confiança, alinhando propósito, evidência e comportamento, é o fator diferenciador. Marcas relevantes não constroem apenas audiência: constroem legitimidade. Acreditamos que a maior competência hoje é garantir uma boa governança, que precisa ter processos claros e checklists que garantam que todo conteúdo e alegação (incluindo claims sustentáveis e sociais) tenha documentação, mensuração e rastreabilidade. Transformar discurso em prova reduz risco de greenwashing e de disseminação de desinformação”, diz a executiva.

Sandra Martinelli, CEO da ABA e membro do executive committee da WFA | Imagem: Divulgação

Ela cita ações como a Carta Compromisso pela Integridade da Informação Climática na Publicidade Digital e a RPIIC, lançada durante a COP30, e reforça: “Essa governança também precisa estar presente para garantir uma gestão de parcerias de influência responsável. Apoiamos o Guia de Publicidade para Influenciadores Digitais (2021) e lançamos este ano o Guia Global de Marketing de Influência da ABA/WFA (Federação Global de Anunciantes).”

A transformação, porém, não se limita às plataformas. Ela alcança o próprio fundamento da propaganda: quem fala, como fala e para quem fala. Nesse contexto, a força de micro e nano influenciadores remodela fluxos de criação, distribuição e medição de impacto. Ian Black, VP de comunidades e influência da WMcCann, aponta que esses perfis democratizam a comunicação ao levar as mensagens para dentro de comunidades reais. O resultado, segundo ele, é uma mudança de lógica: “de convencer para pertencer”.

Essa percepção também está presente na avalição de Patrícia Colombo, VP de conteúdo da Africa Creative, para quem os criadores de conteúdo não devem ser reduzidos à categoria de mídia. A seu ver, tratá-los dessa forma ignora a subjetividade e o vínculo emocional que sustentam sua credibilidade.

Diante de diversas mudanças paralelas e, que, a certo ponto se cruzam, perguntamos aos profissionais: “Como equilibrar criatividade e performance em um ambiente guiado por algoritmos?

Bruna Madaloni, especialista em marketing digital, branding e CEO da Hay Hyve: “O futuro pertence a quem entende que criatividade é performance. O algoritmo não limita. Ele direciona. Ele mostra o que pulsa, o que emociona, o que engaja. Para mim, o equilíbrio acontece assim: o algoritmo é um mapa, não uma prisão. Ele mostra o caminho. A criatividade decide como vamos caminhar; testar não é duvidar. É evoluir. As melhores campanhas não nascem prontas. Elas nascem curiosas; a criatividade precisa ter alma, não só estética. É ela que faz a marca ser lembrada quando o anúncio acaba; a métrica que importa é a que move pessoas. Não é só alcance, não é só clique. É percepção. É intenção. É conversa. É desejo.”

Ian Black, VP de comunidades e influência da WMcCann: “Eu costumo pensar nisso em três movimentos: primeiro, a criatividade precisa nascer já adaptada ao ambiente algorítmico, trabalhando com hooks fortes, linguagem nativa e formatos que favorecem compartilhamento. Ou seja, não é sobre ‘forçar o filme da TV no digital’, mas pensar em conceitos que performam naturalmente no feed; segundo, a performance não pode ser só otimização de mídia. Ela precisa virar feedback criativo. Dados mostram padrões, timing, preferências, retenção. Quando o time criativo usa esses sinais para ajustar roteiro, estética e ritmo, você transforma o algoritmo em aliado, não em restrição; e terceiro, o segredo está no processo: ao invés de uma peça definitiva, você cria séries, variações e versões. Você testa 10, escala 2, aprimora 20. É quase um laboratório cultural contínuo.”

Rodrigo Pirim/Divulgação Africa Creative

Patrícia Colombo, VP de conteúdo da Africa Creative: “Ter muito claro os interesses do target, garantir a relevância cultural como principal KPI qualitativo e atrelar isso a um plano de mídia inteligente que compreenda a natureza de cada uma das plataformas. Por isso acredito tanto no trabalho integrado entre os times criativos e de mídia. Porque se o algoritmo otimiza padrões, a ambição deveria ser entendê-lo para usá-lo a favor da marca sem sacrificar a originalidade. Isso significa criar ideias que nascem de relevância cultural e depois adaptar a execução para cada plataforma com inteligência de mídia. E a gente sabe que, quando a narrativa é forte o suficiente para gerar compartilhamento, o algoritmo amplifica. Quando a consideração é bem construída, as chances da conversão são infinitamente maiores durante a jornada de consumo, desde que o conteúdo parta do comportamento real das pessoas e a performance seja usada como aceleração.”

Vico Benevides, fundador e CCO da Asia: “Guiar algoritmos: temos entendido a oportunidade desta forma. Quando a criatividade constrói um novo ambiente cultural a favor de uma marca, o algoritmo responde a esse ambiente — e não o contrário.”

*Essa matéria foi feita em colaboração com a editora-assistente Adrieny Magalhães

Imagens que compõem o mural: Divulgação