Toda mudança vem invariavelmente acompanhada da necessidade de adaptação. Imagine então uma operadora de TV mudar a numeração de seus canais após duas décadas mantendo os mesmos números. É o que está ocorrendo com a Net desde o ano passado e que, no próximo dia 28 de janeiro, chega a São Paulo, cidade responsável por quase metade dos assinantes da TV paga brasileira e que será a verdadeira prova de fogo das mudanças.
O canal TNT, por exemplo, não estará mais no 48, e sim no 151. ESPN Brasil continua no 70, mas a ESPN, antes 60, migrou para o 71, seguida de Fox Sports, BandSports, BandNews e RecordNews, em canais que variam do 73 ao 78, segmentados por Esportes/Notícias – outra mudança da programadora.
Os canais foram reorganizados por blocos de gênero – Entretenimento/Música, Séries, Variedades, Filmes, e por aí vai. Porém, os canais clássicos da Globosat – SporTV, GloboNews, Multishow e GNT, para ficar nos quatro principais e de grande audiência – continuam agrupados do 39 ao 42, em uma classificação denominada “Canais Globosat”. Junto a eles ainda estão o Off (35), SporTV 3 e 2 (37 e 38), Viva (43) e Globosat+ (44).
Márcio Carvalho, diretor de marketing da Net, diz que a reorganização que chega aos clientes agora começou a ser planejada há bastante tempo, desde que o segmento de TV por assinatura passou a crescer de maneira acelerada, principalmente nos últimos três anos. Entraram em cena canais obrigatórios, leis e exigências novas e, principalmente, chegou-se a um volume de canais (cerca de 150) bem maior, que geraram planos cada vez mais sofisticados. Canais novos foram se espalhando pela grade sem qualquer lógica, tornando-se quase invisíveis para os telespectadores habituados a um número bastante reduzido de opções e muitas vezes com preguiça de “zapear”. Por isso a segmentação por tipo de programação. “O Disney Jr. é um bom exemplo de canal que muita gente não conhecia e agora está próximo a outros canais semelhantes e ganhando visibilidade”, diz Carvalho.
O executivo acredita que a mudança, apesar de causar estranheza no começo, vai agradar aos telespectadores, que vão encontrar lógica na nova arrumação. A comunicação das alterações, dirigida exclusivamente aos clientes da Net, diz: “Juntinho é melhor”. Para Carvalho, canais de grande audiência naturalmente não querem mexer nas suas posições, e isso faz parte do jogo. “Tivemos que manter alguns, até porque existem contratos que lhes garantem posição na grade. Mas o que tentamos mostrar é que existe um objetivo de criar mais valor para o assinante, de facilitar sua vida e de encontrar mais facilmente sua programação. É interesse de todos que a TV por assinatura cresça”, diz o executivo.
A organização em blocos permite futuras expansões, o que passa a ser uma vantagem. A mudança será feita nas tecnologias Digital, HD e HD Max, e permitirá que os canais tenham a mesma sequência nas duas versões. A posição do canal HD é obtida acrescentando-se 500 à posição original do canal em SD. Por exemplo, um canal que estiver na posição 81 em SD estará na 581 em HD. Já o que estiver na posição 132 em SD estará na 632 em HD.
Em relação a algum benefício da Globosat, programadora das Organizações Globo, a empresa preferiu não se pronunciar, limitando-se ao comunicado de que “a Globosat é uma programadora de canais e que a ordenação e mudança da grade é atribuição exclusiva das operadoras (no caso, a Net)”. Na prática, no entanto, todas as mudanças foram extensivamente discutidas com as programadoras.
Turner
Segunda maior programadora da TV paga brasileira, a Turner diz que as mudanças foram positivas, mesmo com seus canais tendo perdido as posições originais. Segundo Anthony Doyle, vice-presidente regional e diretor-executivo de conteúdo local da Turner International do Brasil (divisão da Turner Broadcasting System Latin America), a programadora opera há 20 anos no Brasil, e seus canais, principalmente os mais recentes, foram colocados de forma aleatória na grade.
“Com isso muitos canais são prejudicados e ‘escondidos’. Para o assinante, esta mudança no line-up é positiva. Há um susto inicial, mas o fato é que os hábitos de consumo de vídeo estão mudando e é preciso evoluir junto”, afirma Doyle, que conversou diretamente com a Net sobre as mudanças e participou de todas as decisões realizadas nos seus 12 canais. “Acredito que quem se incomodou talvez esteja acomodado numa posição boa no line-up. Mas o que garante mesmo audiência é o conteúdo”, diz Doyle.
No fundo, o maior beneficiado com as mudanças é mesmo o telespectador. Para ele, ficará mais simples encontrar a programação de seu interesse. E o que se percebe é uma evolução nos sistemas de navegação das operadoras, que se tornam cada vez mais inteligentes. Há sistemas que permitem que se encontre programação digitando o nome do programa ou de um diretor, por exemplo. E há quem acredite que o sistema linear de canais ou mesmo numérico desaparecerá no futuro, ficando apenas os mosaicos com as logomarcas dos canais – já implantadas por operadores como Sky, Claro TV e GVT.
A experiência de vídeo on demand dá uma ideia de para onde caminham os sistemas de navegação e busca, seguindo a tendência da experiência multitelas. Caminha-se, por exemplo, para a possibilidade de trocar o controle remoto tradicional pelo celular ou iPad. Fernando Coelho de Magalhães, diretor de programação na Net Serviços, diz que a programadora já oferece a busca por mosaico, mas que a estrutura linear dos canais e a busca numérica dificilmente desaparecerão.
“Para achar algo rápido, digitar o número ainda é a melhor opção. A indexação sempre existirá. O conceito de blocos e a procura por interesses tendem a se consolidar, mas o zapping, o conceito do canal seguinte e a possibilidade de descobrir novidades se manterão, embora possam perder importância relativa”, diz Magalhães, que explica que transformações mais profundas nessa interface dependem de grandes investimentos, e que a Net vem trabalhando nisso. Pode-se esperar, inclusive, algumas novidades assim ainda antes da Copa do Mundo, mas nada que afete novamente o line-up. “Estamos sempre buscando formas de ajudar o cliente a encontrar aquilo que é importante para ele, no momento em que liga a TV”, explica Márcio Carvalho.
Seja como for, mudanças em um país gigantesco como o Brasil devem ser feitas com cautela. Carvalho diz que a operadora não recebeu muitas reclamações, e o volume de contatos via telemarketing não aumentou após a implementação das alterações em praças como o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, no ano passado. “Toda mudança gera, inicialmente, uma reação ruim, mas o consumidor enxerga os benefícios ao longo do tempo. Acredito que em São Paulo o impacto será menor, porque as pessoas já estão mais familiarizadas com o assunto”, diz.
Daniel Chalfon, sócio e vice-presidente de mídia da Loducca e diretor do Grupo de Mídia de São Paulo, diz que mídia é um hábito, e que todas as mudanças incorrem em risco. “A possibilidade de fazer aflorar conteúdos novos tende a elevar o consumo de TV por assinatura como um todo. O movimento é benéfico e não acredito em grandes oscilações de audiência dos canais, por exemplo. As pessoas buscam seus conteúdos e continuarão fazendo isso. A diferença é que haverá maior exploração e descobertas daqui para frente”.