A Coca-Cola, maior referência de marketing esportivo global e uma das marcas que praticamente criou o business esportivo, no ano de 1987 concordou em alterar a cor da sua logomarca – hoje a terceira maior do mundo e talvez a mais icônica de todos os tempos – para iniciar um relacionamento de forma adequada com os torcedores de um time brasileiro.

Atualmente, a expressão “iniciar um relacionamento” significa “gerar engajamento”. Qualquer marca que patrocine algum time, entidade ou esporte pode ter objetivos neste investimento, mas obviamente o maior e final é gerar vendas e converter consumidores a comprarem seus produtos ou serviços.

O caminho natural para isso, partindo do princípio que a empresa está investindo uma quantia significativa, é ter uma atitude que atraia o fã para esse fim. Deve ter sido fácil tomar essa atitude em uma marca dessa grandeza? Acredito que não. Mas foi a razão óbvia para se atingir o objetivo. O fato ocorreu no Brasil, a decisão possivelmente em Atlanta, sede da empresa.

33 anos depois, um dos maiores investidores do futebol atual, parceiro e patrocinador de três dos maiores clubes do esporte mais relevante em termos econômicos do país, para fazer algo parecido, exigiu uma contrapartida dos fãs desses times: 150.000 novos clientes. Voltando a 1987, seria como se a Coca-Cola se virasse para aquela torcida do time patrocinado e dissesse “eu topo não colocar a cor do rival na camisa do time que você ama, mas para isso eu preciso vender mais 150.000 latas em um mês”. 

Sabemos que o banco digital flexibilizou a mecânica duas vezes e no final, mesmo sem atingir o objetivo, resolveu tornar menos rígido o procedimento e atender o apelo daquele público alvo que ele queria como cliente. Depois de um grande desgaste para a marca. E aqui é que está o grande ponto dessa discussão.

Discutimos e criticamos diariamente os departamentos de marketing dos clubes de futebol do Brasil. Muitas vezes sem o menor conhecimento técnico de como funciona o mercado, das dificuldades de se atuar em um cenário econômico em crise há pelo menos cinco anos (bem antes da pandemia) e que se posicionou de forma completamente errada há décadas, se vendendo como mais um veículo de mídia e nada mais, e se colocando no mesmo patamar de tantas outras possibilidades existentes no mercado.

Mas por que não falamos das empresas que ainda investem no futebol brasileiro?  “Ah, porque se elas investem não podemos criticar.” É o oposto. Precisamos, sim, criticar. Precisamos incentivar essa discussão justamente para que elas evoluam e comecem a ter retorno real sobre o seu investimento. Para que permaneçam. Para que invistam mais. Para que atraiam outras empresas. E para que nesse ciclo virtuoso o segmento cresça cada vez mais e gere mais necessidade de profissionais capacitados.

O objetivo aqui não é falar bem ou mal de uma marca específica, e sim do cenário como um todo: nesses anos de contato com centenas de empresas e conhecendo cases e mais cases de fracasso e de descrença no futebol, não podemos mais permitir companhias referências nos seus segmentos assinarem diversos acordos de patrocínio e não terem estrutura mínima interna para controlar as contrapartidas contratuais. Não podemos permitir marcas em crescimento e entrantes no futebol não possuírem um plano de ativação dos seus patrocínios – premissa básica nos mercados internacionais.

Adquirir uma propriedade e não ativar é jogar o dinheiro na lata do lixo. E, sim, o valor correto é investir o mesmo valor do patrocínio. “Ah, mas não tenho esse dinheiro”. Então procure uma propriedade que caiba nessa conta, ou não invista. Porque será mais um case de fracasso.

Não podemos mais permitir que uma empresa compre um patrocínio pontual em uma camisa apenas para ter visibilidade em um jogo que vai passar no horário nobre na TV aberta. A grande maioria dos torcedores (target dessas empresas, correto?) enxerga a associação de uma marca cujo único propósito é ter visibilidade (olha esse mal aqui novamente) em uma partida que terá alta audiência como mero oportunismo.

Se a marca tivesse realmente intenção de me conquistar através da minha relação com o meu time faria um trabalho de longo prazo para me engajar , e não apenas nesse jogo. E quando nos deparamos com o valor, sabemos o quanto ele é irrelevante para o contexto macro do clube. De qualquer tamanho que seja o clube, porque o valor é proporcional ao seu tamanho.

Esses são apenas alguns poucos exemplos de como as empresas precisam se especializar nessa disciplina, estudando mercados amadurecidos, capacitando seus profissionais e exigindo de suas agências um entendimento profundo dessa disciplina, para que passemos a construir cases de sucesso que mostrem que o esporte e o futebol são plataformas estratégicas relevantes para qualquer marca. O esporte é a única disciplina que entrega uma relação emocional real entre marca e consumidor, e quando a marca conseguir aplicar isso de forma profissional, o objetivo de conversão acontecerá naturalmente, sem exigências, sem preocupação com cores.

Em tempo, a Coca-Cola está prestes a completar 92 anos de patrocínio aos Jogos Olímpicos e 44 anos de parceria com a Copa do Mundo. Consistência, investimento em ativação, profissionais e parceiros capacitados mostram que o esporte pode trazer muito resultado se bem utilizado pelas empresas.

Gustavo Herbetta, fundador e diretor de conteúdo da LMID, agência de marketing esportivo, foi superintendente de marketing do Corinthians entre 2015 e 2017 e diretor comercial da Federação Paulista de Futebol em 2019