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Se você participa de um evento internacional sabe quando chegam os latinos, os africanos, os anglo-saxões, os eslavos, os nórdicos, os orientais, os árabes, os indianos, mas não sabe quando chegam os brasileiros. Os brasileiros podem ser qualquer um dos anteriores ou todos eles juntos. Não existe uma cara de brasileiro. Não carregamos um potencial de unidade de qualquer espécie. Muito menos racial.

Essa indefinição de origem, me parece, torna o brasileiro um desgarrado de nascença. Um solitário vocacional. Um carente por natureza. Talvez isso explique um pouco, ainda que de maneira leiga e presunçosa, a nossa vulnerabilidade a qualquer canto de sereia. Como não temos latente nenhum grito ligado a alguma ancestralidade comum, nos tornamos presas fáceis de ideias exóticas e nos dispomos a seguir seja o que for, desde que nos permita a ilusão de um senso de coletividade.

Lidamos mal com a democracia porque democracia pede uma mínima autossuficiência intelectual para ser compreendida e defendida. Senão, é apenas uma “zona”. E é mesmo. O que torna essa “zona” chamada democracia uma expressão magnânima de civilidade é a qualidade da formação cultural de quem vive nela. Quanto mais livre for alguém, mais culto deve ser. Não é o nosso caso. Por isso, democratas mais lúcidos bradam por educação, educação, educação.

A verdadeira salvaguarda da democracia está na necessidade dela. Não apenas a necessidade prática, mas a consciência plena de seu significado, que aponta ser o único caminho aceitável, apesar dos percalços. O Brasil, país jovem, que ainda convive com estruturas de poder arcaicas, que misturam um comodismo burocrático da conveniência do estado com o descompromisso de uma colonização bandida, mantém, por opção, uma grande massa populacional nas trevas da ignorância. É essa massa, perfeitamente manobrável, que sustenta as coisas exatamente como estão.

Não me parece verdade que, diante do quadro político, o Brasil tenha retrocedido. Não há nada de diferente. Quem sabe, uma outra forma de preparar a receita de sempre, mas com os mesmos ingredientes, já que eles são os únicos de que dispomos. O que varia é a dosagem de “consciência” (controlada) que se procura despertar nas massas, valendo-se de um momento de receio instintivo, diante de uma crise que pode ameaçar necessidades básicas.

Afinal, se há instalado (e inútil) um senso comum de que a democracia é uma “zona”, bater palma com força e gritar “a democracia é uma zona” pode gerar uma percepção de que “o seu receio faz sentido porque a democracia é uma zona”. Não é um raciocínio inteligente nem faz falta que seja. Basta que desperte um medo real da realidade vivida. O quadro eleitoral aponta isso claramente. Quem está à frente nas pesquisas eleitorais usa dos mesmos artifícios, conta com o mesmo vazio intelectual e se sustenta na mesma “ética” dos colonizadores e dos aventureiros.

Foi assim que ocuparam, dominaram e nunca mais abandonaram o poder. Dê-se o nome que se dê às nomenclaturas institucionais sob as quais esse poder se disfarçou ao longo do tempo.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com).