O início de abril esquenta o interesse do mercado publicitário brasileiro com vistas ao Cannes Lions, que este ano será realizado de 18 a 25 de junho, portanto daqui a dois meses e meio.
 
A história da participação do Brasil no mais importante festival da comunicação do marketing de todo o planeta tem um início curioso e até prosaico: o argentino Victor Petersen, que já conhecia o evento pessoalmente quando trabalhava em seu país, radicou-se no Brasil em meados dos anos 1960, fugindo do populismo que havia se instalado em sua pátria.
 
Alê Oliveira

 
Petersen era um especialista em vender publicidade para salas de cinema e por essa razão foi contratado pela família Ribeiro Pinto, proprietária de muitas dessas salas em todo o Brasil, para cuidar da sua especialidade e montar uma distribuidora de comerciais para veiculação nas telas de cinema dos seus novos patrões, batizada com o nome de CP – Cinema e Publicidade do Brasil.
 
Petersen logo percebeu que para valorizar o meio, a léguas de distância no quesito glamour das salas de Buenos Aires e outras cidades argentinas, precisava, entre outras coisas, valorizar a qualidade dos comerciais, que em nosso país eram inicialmente criados e produzidos para a tevê, com cópia para os cinemas.
 
A situação era ainda mais delicada pelo fato de a mídia cinema ser considerada de baixo valor de audiência, o que a transformava em desaguadouro das piores produções da época.
 
Além do mais, como a principal arrecadação das nossas salas provinha da venda de ingressos, com a pequena ajuda de aluguéis das bombonieres (mais tarde com participação dos empresários “cineastas” nessas vendas, através de minguadas porcentagens nas receitas), dava-se pouco valor à publicidade nas telas, precedida (talvez também por isso mal valorizada) por cortinas de um tecido semiplástico que cobriam totalmente as telas e continham anúncios impressos lado a lado, da esquerda para a direita e de cima para baixo dessas cortinas de proteção das telas.
 
Esses anúncios eram vendidos em boa parte a comerciantes locais, o que permite ao leitor imaginar seu baixo custo de inserção.
 
O cenário encontrado por Victor Petersen era ideal para os seus planos de remodelação de todo o sistema de publicidade nos cinemas.
 
Profissional já experiente em um mercado na época bem mais adiantado que o nosso e ainda por cima tendo se transformado em sócio da nova empresa dos Ribeiro Pinto, Petersen foi à praça como um general americano estrelado lutando contra o exército de Brancaleone.
 
Tomou todas as medidas possíveis em favor de erguer o faturamento dessa mídia, sentindo que havia uma que não dependia apenas de si.
 
Mas, como se tratava de um setor que se glamourizava entre nós e entre outras batalhas, havia derrotado uma esdrúxula lei de Jânio Quadros, assinada possivelmente em meio a um dos seus porres homéricos, proibindo a publicidade em cinemas, Petersen ousou.
 
Como vimos, já conhecia o Festival Internacional do Cinema Publicitário, hoje Cannes Lions, e sabia da exigência, mesmo naquela época, dos jurados em conceder Leões aos trabalhos inscritos.
 
Não bastava apenas a ideia. Era necessária a produção e nisso o produto final brasileiro era sofrível. Lembro-me, já frequentador do festival ainda na alternância entre Cannes e Veneza e a convite da CP – Cinema e Publicidade do Brasil (o leitor já deve ter imaginado onde quero chegar), de ouvir envergonhado muitas vaias da plateia a comerciais brasileiros projetados na tela do Festival (era sala única na época), ou por péssima produção, ou por péssima ideia, ou – pior que tudo – por ambos os motivos.
 
Petersen sabia que, em Cannes ou Veneza, não podia fazer nada. O produto final brasileiro ali exposto – salvo honrosas exceções – vinha do Brasil e era aqui que ele deveria agir. Mas, como mudar a mentalidade predominante na época, inclusive de aplicação de verbas escassas (regra geral também com exceções) no segmento?
 
Volto aos convites de Petersen para um grupo de jornalistas publicitários brasileiros, entre os quais eu incluído, cobrir o Festival e perceberem in loco a importância do mesmo e, por consequência, o quanto o Brasil precisaria melhorar para atingir, digamos, um grau médio.
 
O plano de Petersen deu certo. Não havia como ser bom jornalista enaltecendo nossos concorrentes apenas por um falso sentimento pátrio. Falso porque nos manteria em níveis insuportáveis de baixa qualidade.
 
Em três anos, três festivais seguidos, as observações do jornalismo publicitário brasileiro de então surtiram efeito. As críticas, a princípio mal recebidas, como sempre ocorre com elas em qualquer setor da atividade humana, foram sendo entendidas como uma importante contribuição para a melhoria dos nossos filmes. Os publicitários, verdade seja dita, foram os primeiros a apoiá-las, mas faltava o cliente nessa transição.
 
Petersen teve outra iniciativa dentro dos seus objetivos: passou a convidar representantes de grandes anunciantes a viajarem a Cannes (já em época que Veneza não mais sediava o Festival), vendo pessoalmente como eram recebidos seus filmes pela comunidade internacional. E nossos comerciais nem sequer eram dublados, ou mesmo legendados em inglês.
 
Essa movimentação foi o ponto de partida para o Brasil se interessar progressivamente pelo hoje Cannes Lions, alcançando neste 2016 o expressivo número de 17 profissionais nos diversos júris do Festival, podendo ainda ter mais quatro convidados nos próximos dias.
 
É outro festival? Não, é o mesmo do início da TV na Europa (que na Itália foi inaugurada em 1953), motivado pelo receio dos proprietários das grandes redes de cinemas em perder público para o novo e então fantástico meio que surgia.
 
Só que cada festival é outra versão, adaptada a tudo o que ocorreu nos 12 meses seguintes à anterior, em um setor empresarial que virou escravo e ao mesmo tempo tem se tornado senhor da incomensurável transformação tecnológica dos meios de comunicação.
 
A cada ano, em Cannes, novos inventos, novos formatos, novas ferramentas de trabalho são apresentados já com resultados conferidos. É tamanha essa velocidade, que se pode afirmar que, se funciona, é obsoleto.
 
Admirável mundo novo, no qual a sempre indispensável ideia tem no seu meio de transporte igual carga de importância.
 
Armando Ferrentini é diretor-presidente da Editora Referência, que edita o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda