Outro dia, lendo a Folha, me deparei com uma matéria sobre o apresentador Amaury Jr., que deixa de ter seu programa diário (na Rede TV!) para assumir um programa semanal sobre entretenimento na Band. Na matéria, ele se queixa que festejar virou sinônimo de ofensa e ostentação, em um país “com essa bagunça, com a economia assim”. Segundo ele, ainda, as comemorações que cobria na função de colunista social minguaram e, se o convidam, agora pedem que não leve a câmera. Ultimamente, ele vinha cobrindo festas de aniversário e eventos de empresas, mas chegou a hora de “se reinventar”, pois reconhece que “o panorama é outro”.

Guardei a reportagem, pensando que o fim de seu programa, depois de 37 anos, simboliza alguns fenômenos interessantes. O primeiro deles, sem dúvida, é ele como case de sucesso no colunismo social televisivo, que teve uma sobrevida surpreendente, superando em muito o colunismo social impresso, por exemplo. Aos 67 anos, Amaury vinha cuidando do seu programa e, paralelamente, de um blog e de perfis no Facebook e no Instagram.

O segundo fenômeno é, sem dúvida, o fato incontestável de que o colunismo social – seja ele em que formato for – perdeu relevância. Na era pré-internet, o caminho para conhecer “o mundo dos ricos” ou a intimidade das celebridades era o colunismo social de revistas, jornais e da TV. Na era das redes sociais, as pessoas, celebridades ou não, expõem publicamente suas intimidades num grau nunca antes imaginado. As pessoas seguem se divertindo, bebendo e comendo bem, promovendo festas fantásticas, e cresceram exponencialmente as possibilidades de exibição de momentos. A princípio, cada um decide o que e como quer exibir. É um grande “festival de vidas privadas” ofertado, despudoradamente, aos olhares do mundo inteiro, como descreve a antropóloga Paula Sibilia no livro O show do eu. Basta apenas um clique no mouse. E todos nós costumamos dar esse clique.

Hoje, fazemos o papel de colunistas sociais de nós mesmos, se assim nos convier, e também de outras pessoas, muitas vezes sem autorização e com intenções malévolas. O que me leva a mais esse fenômeno: o das reputações permanentemente em jogo, e do medo constante de ter a vida exibida sem a edição ou o contexto adequados, causando turbulências das mais diversas magnitudes. Nasce uma nova discrição da burguesia, que teme o uso indevido do registro de sua intimidade pelas redes, porque todo mundo carrega mesmo segredos inconfessáveis – e alguns podem dar até cadeia. Hoje, incontáveis festas proíbem a entrada de celulares ou o compartilhamento de fotos ou vídeos nas redes sociais. Para grande frustração à vaidade de muitos.

Do comportamento ridículo da burguesia no filme surrealista de Buñuel, passando pelo “empavonamento” decadente do tempo das colunas de fofocas, caminhamos um bocado. E talvez haja aí um outro fenômeno – que pode não passar de “wishful thinking”: em um país tão desigual como o Brasil, festejar em excesso pode pegar tão mal quanto malas de dinheiro desviadas dos cofres públicos. Talvez, em um certo sentido, como acredita Amaury Jr., no Brasil de hoje, certos festejos tenham mesmo virado sinônimo de ofensa e ostentação. Não destacá-los na mídia poderia ser sinal de que estamos evoluindo: melhorando como sociedade, deixando de lado a celebração das futilidades, numa necessária mudança de assunto para focar em temas e valores mais essenciais. Talvez isso sim seja algo a ser festejado.

Já abrimos, afinal de contas, a caixa de pandora. E faz algum tempo estamos olhando para as nossas mazelas como nunca antes, reconhecendo, escancarando e esmiuçando temas historicamente dissimulados como racismo, intolerâncias de várias estirpes, diversidade, violência contra mulheres, assédio moral e sexual, obesidade e o culto à magreza, dentre tantos outros. É esse desassossego que vai nos mover para frente como pessoas, como sociedade, como indústria. Então por que não questionar o culto aos excessos consumistas no mundo atual, deixando para o caótico – porém democrático – palco das redes sociais a “ostentação” na medida particular de cada um? Pode ser apenas um pensamento. Mas, como disse Freud, ele – o pensamento – é o ensaio da ação.