Tem coisas que todo mundo aceita, mas pouca gente acredita. São aquelas verdades aparentemente estabelecidas, porém que ninguém leva a sério. Coisas que a gente faz por fazer. Poderia citar dezenas de exemplos, no entanto, uma dessas afirmações indiscutíveis, que todo mundo procura esquecer no dia a dia, afirma que Deus está nos detalhes. Não há um único ser humano disposto a desmentir esta afirmativa. A certeza de que os grandes erros nascem de pequenas bobagens, enganos menores e simples distrações parece estar inserida nos corações de todos. Não conheci ninguém que não concordasse com a absoluta necessidade de se prestar atenção em tudo, principalmente nas insignificâncias, como única maneira de a natureza não seguir sua vocação para o caos. Em contrapartida, convivi pouquíssimas vezes com alguém capaz de agir de acordo.
Não falo do chamado “detalhista”, o apaixonado pelo desimportante. Este é a contrafação da inteligência. O detalhista não gosta de música, ama a nota musical. Não liga para o sexo, mas se detém no pentelho, se me permitem a grosseria. Dizia eu, antes de me empolgar, que não falava dos detalhistas, mas daqueles capazes de se deter no exame das infinitas possibilidades de tudo dar errado, para controlar esta conspiração eterna do universo. Está na hora de você perguntar: onde este cara vai com esta história toda? Pois eu digo que até a mim esta filosofada já cansou. Encerremos, pois, embora usemos o gancho do cuidado com os detalhes. Uma vez nós produzimos uma convenção para a IBM em Angra dos Reis, cujo objetivo era mostrar a importância da integração entre a IBM, seus fornecedores e seus canais de venda. Um megaevento que reuniu os principais executivos da própria IBM, os maiores fornecedores e os maiores distribuidores da empresa. Uma responsabilidade de deixar os cabelos brancos.
Tivemos a ideia de alugar um grande circo que estava em excursão pelo Rio de Janeiro e usá-lo como alegoria para a importância da integração. Levamos para um hotel em Angra dos Reis e montamos a lona no estacionamento. As palestras seriam no picadeiro, entre um número circense e outro. Não há nada mais capaz de dramatizar a necessidade de entrosamento e de harmonia na equipe do que o circo. Num circo ninguém deixa de ter importância, não existem “funções menores” por mais que a bailarina receba os aplausos. A bailarina, o acrobata, o mágico e o palhaço recebem os aplausos em nome do circo, de todo o circo, jamais deles mesmos exclusivamente. Imaginem só o trabalho que deu transportar o circo, alterar a ordem do espetáculo, mudar o texto e o som para encaixar na agenda da convenção, ou seja, criar um espetáculo inteiro para que tudo fluísse como um show que tivesse palestras profissionais, números de circo, coffee break almoços e lanches. Isso tudo com o esmero e a qualidade IBM. O chamado “erro zero”, nosso desafio e nossa motivação. Pois bem, no dia que abrimos a convenção, depois de uma semana de ensaios, estava tudo bem. A primeira noite teria uma cerimônia com uma palestra de boas vindas do presidente da IBM, uma projeção em fumaça falando do espírito do circo e da ideia da convenção – o trabalho conjunto -, um número de trapézio e jantar. Só Isso.
Repetimos cinco vezes, segundo a segundo. Cuidado com detalhe é isso, pensei eu. E relaxei. Pois não devia. Na hora da convenção o presidente falou. Entrou uma fumaça dramática e do meio dela – magicamente – surgiu o rosto do Cláudio Correia e Castro, a música do Guto Graça Melo cresceu, encerrou, fez-se silêncio e escuro. Daí começaram os primeiros acordes do Danúbio Azul, um raio lazer do Peter Gasper cortou a escuridão em busca do trapezista que lançou-se no espaço, fez uma curva no ar e encontrou-se com as mãos do colega, escorregou e caiu, seguro, felizmente, pela rede. Tudo bem, a vida segue a outra artista que se manda pelos ares, dando piruetas até segurar num outro trapézio. Segurar nada, tentar segurar. Foi bater e vir ao chão. Em seguida iniciou-se um verdadeiro festival de estabacos.
Nada mais deu certo. Ninguém conseguiu se agarrar em pau nenhum, em corda nenhuma e o elenco todo acabou vindo abaixo. Ficaram nas redes. Estavam vivos, mas mortos de vergonha. Explica-se: a fumaça liberou uma espécie de película oleosa pior do que vaselina. Como ninguém deu a última verificada, só se percebeu a imensa cagada com o pessoal do trapézio já no ar, tentando agarrar paus-de-sebo. A nossa sorte é que muita gente ficou na dúvida sobre o significado daquilo. Não seria natural na IBM tanta besteira junta. A dúvida animou o jantar. Mas que foi sem querer eu sei que foi.