Sou um dos maiores quinquilheiros que conheço. Um juntador compulsivo. Os psicanalistas poderão achar que trata-se de uma fixação infantil, mas não consigo deixar de colecionar coisas completamente inúteis. Tenho centenas de misturadores de bebidas, de plaquinhas de “não perturbe” de hotéis do mundo inteiro, coleção de canetas, de lápis promocionais e caixinhas de fósforo.
Meu escritório em casa é um verdadeiro supermercado com vitrines abarrotadas de Estampas Eucalol (alguém lembra o que é isso?), relógios antigos, brindes de companhias de aviação (eu tenho quase tudo que a falecida Panair distribuía para os passageiros, presente da filha de um comandante de Constelation, inclusive uma maquete desse que foi o mais bonito avião jamais construído).
Uma vez contratei uma estagiária para organizar meus documentos pessoais, pois precisava preparar um histórico profissional para uma universidade. Em conluio com minha secretária (facada nas costas, facada nas costas!), as duas propuseram jogar antigos menus de restaurantes, contas de hotéis na Europa, bilhetes de amigos e cartas de amor (poucas, confesso).
A ideia era diminuir a quantidade de coisas guardadas. Por muito pouco não joguei fora as duas. A pergunta que não calava, mas que me dava vontade de matar era sempre em tom de deboche: “para que você quer isso?” Certas coisas não se responde, pois, se a pessoa não entende, não adianta explicar.
Tenho mais: tenho o maior arquivo de rádio existente hoje no Brasil, simplesmente porque todo mundo acha que as coisas existem para serem usadas e jogadas fora. Tenho uma coleção de clássicos de cinema de fazer inveja a muita cinemateca e alguns milhares de livros. Isso me obriga a manter uma sala no centro da cidade, o escritório de casa e ainda vou construir um depósito no meu jardim. Sim, devo estar ficando louco, mas não conheço nenhum grupo de Colecionadores Anônimos ao qual eu possa recorrer.
Um grupo que se reunisse uma vez por semana e seus integrantes ficassem jurando que passariam um dia, apenas um dia, sem juntar coisa alguma. E receberiam medalinhas por cada dia de resistência. E juntariam as medalinhas. E trocariam medalinhas raras: “Esta é do Mauro Salles, que se livrou da mania de colecionar carros!”; “esta é do Fábio Júnior, que parou de colecionar casamentos”, e assim por diante. A mais rara e mais cobiçada seria a medalha do Luiz Macedo, quando abandonou o vício de ganhar todas as contas de propaganda do Brasil. Ou seja, os colecionadores anônimos terminariam por descobrir uma fórmula de continuar fazendo coleções, só para provar que esse mal é incurável.
O problema mais complicado com colecionadores, quinquilheiros e juntadores em geral é que a mania se expande para a própria vida pessoal, os escritórios de trabalho, a sala e o quarto dos mais doentes começam a ficar entulhadas de diplomas, troféus, porta-retratos e outras coisas totalmente desnecessárias, cuja graça e importância só eles conhecem.
Eu tenho uma teoria já estabelecida para me livrar de críticas mais contundentes. Eu acho, com o apoio do Chico Gouveia e de outros decoradores importantes, que a decoração despojada, chamada de clean, é o atestado de falta de história. Casa clean é casa de operador de mercado de capitais, gente que só coleciona dinheiro na conta bancária. Quem tem passado, quem quer ter futuro, quem tem emoção pelo que fez, guarda coisas. Não posso garantir que é verdade, mas esta constatação me consola. Faz parte de uma coleção de frases que estou fazendo, embora nesse quesito o colecionador mais famoso é o Roberto Duailibi. Como se vê, nesta minha doença tenho parceiros ilustres.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)