Logo no início do ano, a marca de cosméticos O Boticário lançou um novo comercial polêmico. O filme “A Linda Ex” mostra a história de três casais em processo de divórcio. Sem entrar na questão de quem estava certo ou errado, a propaganda mostrou depoimentos dos casais, revelando os motivos que os levaram à escolha da separação. Acomodação, perda do desejo e rotina foram citados por todos os casais. Nada que pareça novidade, não é mesmo? É um pouco do que sempre escutamos, ou até mesmo vivenciamos, de relações que se desgastam com o tempo.

No comercial, a marca faz uma proposta às mulheres: maquiagem, cabelo, roupa especial. Tudo o que puderem fazer para deixá-las ainda mais bonitas para assinar os papéis do divórcio. A reação dos ex-maridos, que esperavam se deparar com as mulheres tristes e acabadas acaba sendo o oposto. Eles ficam espantados, admirados e até sem graça diante das mulheres bonitas e seguras.

 A campanha, como era de se esperar, foi extremamente repercutida nas redes sociais. Entre diversas críticas e elogios, o fato é que o vídeo teve mais de 6,5 milhões de visualizações na internet. Tamanha repercussão não aconteceu por acaso. O Boticário usou de uma grande estratégia para chamar atenção das pessoas: o storytelling. O que eles fizeram foi contar uma boa história da vida real, da qual as pessoas se identificam, sentem e se envolvem. E claro, para isso usaram da principal característica do storytelling: o conflito.

O fato é que uma boa história sempre é construída em cima de bons conflitos. Eles são essenciais para transformar os personagens e, assim, criar conexões com o público. Afinal, todos nós passamos por conflitos e as grandes marcas e figuras transformadoras também passaram e ainda passam, pode acreditar. Isso mostra que de alguma forma estamos próximos e conectados. Uma narrativa bem feita acaba unindo e prendendo a atenção das pessoas. E incluir boas histórias que mostram conflitos reais no conteúdo das empresas, se mostra hoje uma incrível ferramenta para transmitir mensagens e, principalmente, engajar o público.

Para falar de storytelling é impossível não citar o professor de escrita criativa, Robert Mckee, um dos maiores pesquisadores e mestres no assunto. Mckee em suas várias dissertações e seminários sobre o tema, afirmou que sem conflito não existe movimento e, portanto, não temos uma boa história. Narrativas que só mostram pessoas felizes, tudo dando certo e nenhum desafio ou transformação não conquistam a audiência. O conflito dá vida às histórias e é a alma do storytelling.

Desde que as histórias sejam coerentes, conflitantes e, principalmente, verdadeiras, o poder de influência nas pessoas pode ser enorme, como é o caso do comercial do O Boticário. A estratégia da marca foi acertada e muito bem usada em sua campanha, ao explorar um assunto extremamente popular (a taxa de divórcios cresceu 160% nos últimos dez anos, segundo dados recentes do IBGE) e conflitante em vários sentidos para as pessoas.

Trazer esse tema em forma de histórias verdadeiras, mostrando o conflito interno dos casais e, principalmente, que envolvem a autoestima da mulher em suas relações foi o bastante para que o público se identificasse rapidamente, se emocionasse e fizesse com que a campanha tomasse uma proporção enorme naturalmente.

Nas empresas, o conceito de storytelling deve passar por algumas fases. Primeiro é necessário entender o público-alvo. Depois, é preciso identificar os objetivos reais da empresa e sua imagem no mercado e a sua própria história. Em seguida, o que resta é explorar histórias baseadas em conflitos reais que se identifiquem e emocionem os clientes, para criar assim novos conceitos e campanhas que atinjam realmente as pessoas.

Mckee ainda amplia o foco do assunto e entra em outra questão, que é exatamente da minha área de trabalho. O storytelling pode e deve ser usado também no âmbito interno do setor corporativo, para treinar funcionários, engajar líderes e influenciar positivamente gestores. Transmitir conhecimento com a emoção que boas histórias podem proporcionar, facilita a assimilação das informações.

O problema que acontece muito em storytellings corporativos é que as empresas querem fugir dos conflitos. Acreditam que conflito significa problema e que o certo seria afastar esses conceitos do repertório da empresa. Isso resulta em histórias ruins, chatas e sem emoção que não transmitem nenhum ensinamento aos funcionários e nenhum resultado positivo para a empresa. Dessa forma, chega-se a conclusão de que o storytelling não funciona para treinamentos corporativos.

No fim das contas, o que temos que entender é que, na verdade, os conflitos nos conectam. É por isso que ele é tão importante em uma história, seja ela corporativa ou não.

Luiz Alexandre Castanha, administrador de empresas com especialização em Gestão de Conhecimento e Storytelling aplicado a Educação, atua em cargos executivos na área de Educação há mais de 10 anos