Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal poderá tomar uma decisão histórica, sepultando a Lei de Imprensa criada em 67 pelo regime militar, mas que sobreviveu aos ideais democráticos da Constituinte de 88. É uma lei de caráter autoritário que, entre outros absurdos, prevê recolhimento de jornais e até prisão de jornalistas pelo exercício da profissão.

Ano passado, grande parte dessa lei foi suspensa em caráter provisório pelo STF, que pode agora mandá-la definitivamente para o lixo da História. Mesmo antes da suspensão, na prática a lei vinha sendo pouco aplicada, mas o fato é que ela ainda está aí, como símbolo moribundo do obscurantismo.

A provável decisão do STF deverá ser comemorada não apenas pelos jornais, pelos meios de comunicação, mas por toda a sociedade, que é a grande beneficiária da liberdade de imprensa. Afinal, o direito de informar com liberdade e de ser livremente informado é de cada cidadão, é do conjunto da sociedade.

A tentação autoritária, contudo, às vezes reaparece. O fim desta legislação retrógrada nos remete à pretensão de certas minorias de impor restrições à liberdade de expressão comercial. Em geral, os ataques à liberdade de expressão comercial estão relacionados à crença de que a publicidade pode causar danos aos cidadãos, levando-os a consumir produtos ou serviços prejudiciais à saúde.

A idéia de que as pessoas precisam ser tuteladas, que não têm capacidade de discernir sobre aquilo que querem consumir, é típica do pensamento autoritário. Por meio de controle permanente e rigoroso, uma legislação ou uma instância governamental decide quais as informações a que podemos ter acesso. Aos cidadãos é vedado o direito de receber livremente determinadas informações porque, supostamente, não sabem o que lhes é mais conveniente.

São centenas os projetos de lei que tramitam no Congresso impondo algum tipo de restrição à publicidade, assim como é crescente a ação de setores como a Anvisa no sentido de impor limites e controles nessa área, sem que a lei assim os autorize. Contra estas iniciativas, é preciso lembrar que a liberdade de expressão comercial – entendida como o direito que as empresas têm de divulgar seus produtos e serviços e os cidadãos têm de receber essas informações – é estabelecida pela Constituição. Mais do que isso, no entanto, o que preocupa é o sentido autoritário da tutela.

Uma das grandes conquistas da sociedade brasileira foi a criação do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, o Conar. No final dos anos 70, ainda no regime militar, o governo estava prestes a constituir uma autarquia federal com o objetivo de verificar e autorizar os conteúdos dos anúncios publicitários. A perspectiva desse órgão oficial de censura acabou levando a sociedade civil a criar o Conar, uma organização não governamental que garante a publicidade responsável, recebe denúncias dos consumidores e, não raro, tira do ar ou de circulação comerciais que desatendam à ética ou que possam causar prejuízos aos consumidores. A idéia da autarquia morreu e o Conar é hoje um modelo de auto-regulamentação em todo o mundo, já tendo instaurado mais de 6 mil processos éticos e promovido um sem-número de conciliações.

A atual ofensiva contra a liberdade de expressão comercial tem o mesmo DNA autoritário da autarquia pretendida pelo regime militar, por considerar os cidadãos incapazes de decidir, a partir da publicidade, o que querem consumir.
Entre os delirantes raciocínios dos que vêem nas restrições à publicidade uma panacéia universal está o de que sem ela produtos e serviços ficariam mais baratos, já que as empresas não precisariam investir ou investiriam menos em divulgação. Ignoram que a publicidade é elemento fundamental da concorrência, esta sim a grande indutora de preços mais baixos. No fundo, há uma má vontade com o próprio conceito da livre iniciativa, mas somente a livre iniciativa, a publicidade oriunda das milhares de empresas concorrentes no mercado, pode sustentar uma imprensa independente. Não há imprensa livre se ela depender da publicidade chapa-branca.

Nada é melhor para o consumidor do que muita informação, e publicidade também é informação. Para a eventual publicidade irresponsável há o Conar, que funciona muito bem. Como afirmou um juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos: “a luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. Nada mais verdadeiro. O ambiente aberto, livre, arejado, transparente é o melhor antídoto contra a sujeira. É disso que precisamos, e não o contrário.

Por Judith Brito – Presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e superintendente do Grupo Folha da Manhã