O Dia da Mulher é uma data de luta para todas. Para as profissionais negras do mercado da comunicação não é diferente. Por isso, PROPMARK ouviu líderes negras do setor para saber quais os principais desafios da área que passa por mudanças significativas.
O estudo “TODXS – Uma análise da representatividade na publicidade brasileira”, por exemplo, mostrou que o share de mulheres negras protagonizando peças publicitárias é de 25%, evolução sintomática em relação ao primeiro apontamento feito em 2015, que contabilizou apenas 4%.
Recentemente, a jornalista Maju Coutinho foi a primeira negra a apresentar o Jornal Nacional em quase 50 anos de programa.
“Sempre acredito que o futuro será melhor, principalmente porque podemos olhar o passado e olhando para ele talvez duvidássemos que o dia de uma âncora negra no Jornal Nacional chegasse. Ele chegou. Demorou, mas chegou”, diz Dilma Campos, CEO da agência Outra Praia.
Mas é preciso estar atento. Mulheres negras estão 50% mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada em 2018. Portanto, ainda há desafios para que tal realidade mude.
“O principal desafio é comunicar! Falo isso, porque por mais que eu seja uma mulher formada e dominante da minha própria área, ainda é muito difícil ganhar credibilidade e total confiança no que eu falo. Acredito que esse seja um problema que acontece com todas as comunicadoras pretas: muitas das vezes ter o seu local de fala interrompido ou silenciado”, analisa Gabrielle Paulino, coordenadora de business intelligence na DPZ&T.
“Eu diria que o desafio maior é sempre explicar o bê-á-bá de como as dinâmicas raciais afetam a gente querendo ou não, todas as áreas de nossas vidas, incluindo o trabalho. Acho que as pessoas ainda veem o tema ‘inclusão’ como mero assistencialismo e oportunidade pra PR. Em nenhum momento o trabalho pela inclusão coloca algum grupo como vitimista. O trabalho que se pretende é valorizar a pluralidade humana e descobrir novas possibilidades por meio de conexões culturais e, dessa forma, diminuir o imenso abismo social existente em nosso país, que só não enxerga quem não quer”, analisa Gabriela Moura, especialista em Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e supervisora de conteúdo na Publicis.
Já para Patricia Carneiro, sócia da Plann Inteligência, o principal desafio é a igualdade de oportunidades. “Vivemos em um país onde o racismo estrutural é o maior entrave para a ascensão e crescimento social, econômico e educacional. Aliado a isto o mercado corporativo da comunicação ainda é estruturalmente machista com sua maioria composta de líderes homens, brancos e ricos”, diz.
Mas como enfrentar tais desafios? Para Adriana Barbosa, presidente da Feira Preta, evento de cultura e empreendedorismo negro, a chave não é apenas fomentar a discussão, mas ser propositivo na transformação dessa realidade. “Em praticamente todos os lugares pelos quais circulo, fala-se muito da diversidade sob uma perspectiva endurecida do consumo, agora que a população negra tem poder de compra. O que precisa ser entendido e de uma forma definitiva é que apenas as pessoas negras entendem suas subjetividades. Nós entendemos o que nos constitui. É ótimo que estejamos nas peças publicitárias. Mas, não faz sentido estarmos nelas se, quando vamos para dentro das empresas e das agências não temos negros pensando estes processos, sendo criativos e também fornecedores das diferentes etapas da comunicação”, analisa.
O fato de liderarem projetos ou áreas pode fazer a diferença para que tal realidade mude. Dilma Campos, por exemplo, trabalha como presidente do Comitê de Relações Humanas da Associação de Marketing Promocional (AMPRO). “Levantamos a causa da igualdade de gêneros, considerando os seus recortes. É uma realidade muito triste e que somente vamos mudar se nos conscientizarmos que uma sociedade mais equilibrada é a saída para vivermos melhor. Enquanto estivermos tratando estas diferenças com a maior indiferença, estamos contribuindo para que a sociedade não evolua, para continuarmos a sermos diferentes”, explica.
“Claro que negros em cargos de liderança podem ser um grande diferencial, pois quando se faz parte do processo decisório, se dispõe de ferramentas necessárias para trazer à organização esse olhar que equilibre o capitalismo e a responsabilidade da transformação social”, comenta Egnalda Cortês, CEO da 1ª agência de creators negros da América Latina, a Cortês Assessoria e Agenciamento.
“A credibilidade que foi dada a mim no meu ambiente de trabalho está sendo tão grande que hoje eu busco sempre trazer pessoas negras pra trabalhar comigo […] Aqui, eles ainda têm um grupo de discussão chamado Somos, onde eles trazem para dentro debates como diversidade nas agências, a importância de ter um ambiente diverso e muito mais. Isso faz com que aos poucos a gente mude o pensamento dos heads das agências”, explica Karol Campos, community manager no Content Studio da Ogilvy.
Gabriela Moura alerta que a palavra “esperança” pode dar um tom messiânico para a resolução do problema. “E não estamos falando de salvadores, mas de uma construção coletiva. Em uma linguagem mercadológica: mudar o mindset. E nesse sentido, sim, eu acredito em possibilidades. Se lembrarmos que a população negra corresponde a mais de 52% da população brasileira, podemos perceber quão longe ainda estamos do ideal. Mas, para isso, precisamos abrir mão de conceitos individualistas como meritocracia. Ninguém está onde está ao acaso, muito menos por mérito exclusivamente seu. Todos precisamos de oportunidades, e são as oportunidades que separam negros e brancos no Brasil. É claro que o futuro pode mudar “, comenta.
Segundo Kaká Rodrigues, trainer do Programa Elas, uma escola de lideranças femininas, as mulheres negras carregam em seu DNA a força de muitas guerreiras que se mantiveram vivas apesar de todos os abusos. “Estamos de pé nos ombros de gigantes. Já somos responsáveis por quase 40% dos lares no Brasil. Mulheres que trabalham muitas vezes em mais de um emprego, cuidam da casa e dos filhos. É muita força. Falta oportunidade e respeito. Com isso, ninguém segura as filhas de Dandara”, afirma.
Aliás, Kaká menciona um fator importante. “Enquanto os índices de violência para as mulheres brancas vêm reduzindo na última década (queda de 10%), o oposto aconteceu com as mulheres negras com alarmantes 54% de aumento no mesmo período”, alerta citando dados da ONU. “Antes das condições de equidade no trabalho, precisamos nos certificar como está a saúde psicológica dessa mulher que enfrenta violência em casa e não encontra apoio nas instituições públicas”, finaliza.