O job era “melhorar” o texto de alguém para publicação. Fiz o melhor que podia. O cliente reprovou. Argumento: se sentiria um estelionatário se assinasse aquele texto. Sim, foi um estranho elogio. Perdi o negócio por causa de um maldito cacoete de criativo publicitário: a busca obsessiva por ser original, inteligente, brilhante.
A vida profissional inteira tenho sido pago para isso, bem como todos os meus colegas de criação. Nem tudo na vida, porém, é um anúncio. Marcas de produtos e serviços não têm escrúpulos no que se refere à autoria de títulos, textos, conceitos ou roteiros.
Pedem, pagam, usam e está tudo certo. O mérito das pessoas físicas por trás desses pedidos está em terem escolhido a agência certa para atendê-los. O das agências está em ter contratado os profissionais certos para criar as peças. E o dos profissionais em demonstrarem o quanto são bons naquilo que fazem. Todos dormem tranquilos.
Mas, quando não há marcas nem empresas envolvidas, tudo fica muito mais sensível. Primeiro porque ninguém gosta de confessar deficiências. Segundo porque comunicação e vaidade costumam andar de mãos dadas, seja na área em que for. Razão, porque não é simples a decisão de pedir ajuda, sobretudo paga.
É uma espécie de confissão de que, mesmo não estando à altura de certo reconhecimento, se pretende alcançá-lo comprando o talento alheio. Interessante observar que, em se tratando de textos, a gente costuma encarar essa comercialização com certa naturalidade quando comparada com a de outras artes. Mas e se fosse uma aquarela? Ou uma sonata?
Ficaríamos mais encabulados em pagar para alguém pintar ou compor para nós? Quem sabe, num acesso de pudor, como ocorreu no caso do texto a que me referi, o cliente dissesse “não posso assinar esse quadro”. Onde teria errado o artista?
Na busca da perfeição? Sei bem que há ghostwriters experientes que ligam o piloto automático e a coisa toda flui naturalmente, para a satisfação de todos os envolvidos.
Acabei, aliás, de ler um anúncio do ramo, oferecendo “os melhores do Brasil” e garantindo “entregas no prazo”. Javier Marías, grande escritor espanhol, tem um personagem maravilhoso em Mañana en la batalla piensa em mi, que é “escritor fantasma”, profissional a quem os clientes também se referem como “negro”.
Mas qual é a diferença entre um redator publicitário e um ghostwriter? Simples. Nós, publicitários, atendemos, em primeiro lugar, ao nosso ego; aos ghostwriters, cabe atender ao ego dos clientes.
Quando recebi a incumbência de “melhorar” aquele texto, comecei o trabalho simplesmente ignorando o que tinha sido escrito, como se fosse alguma coisa absolutamente desprezível e me lancei obstinadamente a fazer “o texto verdadeiramente bom”. Atitude de uma arrogância absurda.
O cliente reprovar o trabalho me saiu barato. Fosse eu, teria dado uma porrada no filho da puta do redator presunçoso.
Afinal, se não existe prêmio para o ghostwriter do ano, nem medalha de ouro para o melhor texto escrito para outro assinar, por que diabos dar protagonismo para o ego num job desses?
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)