Não existia nada mais penoso para nós, criativos, do que falar sério. Precisávamos de um esforço gigantesco para segurar os espasmos de uma gargalhada a cada vez que éramos submetidos a alguma formalidade que nos exigisse semblantes carregados. Rezávamos para que nosso olhar não cruzasse com o de algum colega de criação porque aí a desgraça estava feita e rolaríamos no chão, desavergonhadamente.
Paciência, era da nossa natureza sermos espirituosos, piadistas, sacadores de tiradas à medida para surpreender, chocar, melhor ainda, ser politicamente incorretos. Aliás, para nós, não existia cabedal mais formidável de piadas prontas do que aquilo que se arvorava de sério, de importante, de correto. Enquanto colegas de planejamento, atendimento, mídia e finanças juntavam sobrancelhas e apertavam lábios, muito ciosos da atenção ao tema tratado em uma reunião, nós ficávamos à espreita da brecha para a primeira gracinha que iria quebrar o gelo.
Às vezes, dava certo; às vezes, não, o que tornava a coisa ainda mais engraçada. Aliás, quanto pior a consequência da nossa intervenção, mais frouxos de riso provocaria ao longo da história, a ocorrência sendo narrada incansavelmente. Quando um de nós tentava bancar o sério, imediatamente era “cobrado”. Cobranças duras, tipo batismo de cadete. Sofríamos um bullying severo. Até que alcançássemos fazer da autogozação a revelação de que entendemos o espírito da coisa.
Graças a essa maneira de encarar a vida, nos tornamos capazes de ver e sentir o entorno de um modo diferente e estimulamos uma percepção descomprometida com o convencionado, um raciocínio inverso, o que levava a nossa imaginação a conceber soluções que aos outros soariam bizarras. E muitas vezes elas eram mesmo. Só que tínhamos um faro especial para perceber numa bizarrice uma solução original e eficaz para os nossos objetivos.
Desde que comecei a trabalhar em propaganda, há mais de 40 anos, foi assim. Lembro-me da dificuldade de nos envolverem na organização de eventos internos da agência, aqueles com propósitos saudáveis de integração e convivência. Essas coisas nos soavam ingênuas e tediosas. E participávamos apenas quando um colega criativo tivesse uma ideia que expusesse todo aquele esforço honesto a um ridículo atroz.
Poderá parecer maldade. E é. Mas, se observado na perspectiva do nosso papel, veremos que, no final das contas, o que fazemos é o que torna o evento memorável. Nem todo mundo aprecia, é claro, não há criativo genuíno que não cultive desafetos sinceros ao longo da carreira. Só os mais fraquinhos costumam ser unanimidades em simpatia.
O tempo passa e começo a perceber uma mudança importante na criação. A chegada de uma nova geração pouco afeita à graça fácil e ao deboche. Gente mais taciturna e preocupada. Engajada em alguma causa do momento, seja a da alimentação vegana, a dos animaizinhos abandonados, a da ideologia de gênero… Pessoas normais, que debatem assuntos sérios com seriedade e acham engraçadas apenas as situações da vida que todo mundo acha engraçadas. Será ótimo para a publicidade se, além disso, também forem criativas.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)