Estou com 71 anos. Sou um velho nos padrões de velhice. Não falemos de pau mole ou duro e ainda menos de capacidade de pensar e escrever. Falemos só disso, se me permitem, já que me leem. Não consigo mais nem correr com o meu cachorro nem beber como bebia. Sou um velho. E, além da falta de tudo que pode fazer a falta da juventude, estou de volta ao pior dos caminhos que a idade pode trazer: estou quase de volta à infância.

Não faço xixi nas calças nem chamo ninguém de titio. Mas quase que acredito no Bolsonaro, quase que espero de volta meu pai, um herói que vai me salvar do bicho-papão e põe ordem na casa, porque assim Deus ou Papai Noel o determinaram. Estou muito velho, e quase estou uma criança. Entre as coisas que estou vivendo, uma delas é o medo. Há uma fase complicadíssima na vida de um ser humano. É ter vivido o bastante para saber como as coisas funcionam.

E já não ter mais o ímpeto da juventude de dizer que as coisas não são o que parecem. Como dizer que eu sei que vai dar merda? E como conciliar com minha esperança que talvez, pela primeira vez, pode dar certo? O que a história acumulou como conhecimento é que estamos diante da tempestade perfeita. Mas eu quero crer que pode ser que desta vez não seja bem assim. Eu quero crer nas boas intenções das pessoas. Quero crer que o Moro seja um paladino da Justiça e que o Posto Ipiranga saiba e tenha de tudo. Eu fiquei assim.

Sou um otimista, não porque acredito que sempre tudo dê certo, mas quero sofrer só quando der errado. A pior coisa é o sofrimento por antecipação. Tem gente que deveria ter escrito na lápide que cobre seu túmulo: “eu não disse?”. Não sou desses. A morte para mim deverá ser uma surpresa, como não fosse esse nosso destino. A passagem bíblica que fala que retornaremos ao pó eu entendo como um aviso divino que a arrumadeira algumas vezes não aparece, nada que me lembre o repouso eterno, até porque sofro de uma leve claustrofobia. Mas voltando ao momento atual. Também não consigo ter o fascínio pelas mídias digitais que o mundo está tendo.

Imagino que se eu fosse um homem da caverna e alguém viesse deslumbrado me dizer que tinha descoberto a roda, eu seria capaz de relativizar, dizendo que o fogo era mais importante, além de que melhorava muito o gosto do dinossauro. Mas a legião de inventores tanto da roda como descobridores do fogo iam me encher tanto o saco dizendo que o mundo nunca mais seria o mesmo que eu, só para não ficar discutindo nem parecer velho, aceitaria. Mas sabendo que em pouco tempo ninguém mais ficaria deslumbrado com a roda, pois alguns anos depois alguém ia inventar o congestionamento. Voltemos à velhice, que, como todo velho, eu perco o fio da meada.

Não adianta eu falar que já vi salvadores da pátria passarem por mim, alguns completamente loucos, como o Jânio Quadros, outros machos e incorruptíveis, como Fernando Collor, aliás ainda por aí, falando como se nada tivesse acontecido. Não serei oposição ao clã Bolsonaro, pai e filhos. Esquecerei o passado do Lorenzetti, pois acredito que o ser humano é capaz de mudar. Acho que o Congresso vai permitir ao novo presidente mudar a cara do país. Tenho esperanças, como as mesmas que tive quando, lágrimas nos olhos, com um litro de Campari na mão, cantei que nascia uma estrela, pois o povo tinha assumido o poder e as asas da liberdade e democracia tinham, afinal, aberto suas asas sobre nós.

Então, junto-me a todos que estão acreditando nos novos tempos de justiça, segurança, prosperidade, emprego e escolho um suspensório verde para usar sobre a camisa amarela e saúdo esse novo governo, esses novos eleitos, esses novos ministros, renovo minha assinatura da Folha de S.Paulo, prometo desviar o olhar quando alguém der um beijo gay numa novela da Globo, aliás que ninguém mais assiste, e espero com calma que a velha ceifadora chegue antes que eu descubra que, mais uma vez, fui ludibriado.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)