Provavelmente, os mais jovens discordarão do que vão ler aqui por não terem conhecido outra realidade na qualidade das relações do marketing e da publicidade conosco. Mas não custa lembrar que ambas já foram atividades que, mesmo sem nada ainda escrito estabelecendo limites e obrigações, cumpriam um ritual ético mínimo.

Intervalos comerciais na televisão ou no rádio, por exemplo, eram anunciados com clareza, utilizando-se até de jargões que caiam na boca do povo. O Programa do Chacrinha usava uma vinheta musical, acompanhada pelo auditório, para avisar que ia ter “um minuto para o comercial”, assim como outros programas ao vivo lembravam que “vamos faturar”. Sem medo de serem claros e honestos com o público.

Mais tarde, a Globo inventou o exemplar “plim-plim”, que alertava os telespectadores de que o filme ia ser interrompido para a entrada de propaganda. E continuou sendo exemplar, ao impedir que os seus apresentadores de telejornais e repórteres fossem garotos-propaganda. Os jornais impressos guardavam páginas tradicionais, “invendáveis”, e anunciar na capa carregava inúmeras limitações em termos de tamanho. Todo anúncio que sugerisse parecer com produto editorial trazia em letras indiscretas a dica “informe publicitário”.

Lembro-me ainda que era proibido começar uma locução publicitária com a palavra “atenção”. Com o tempo, no entanto, esse cuidado foi acabando. Veio merchandising, que é publicidade fingindo fazer parte do programa. Depois, seguindo o caminho da deselegância, foram introduzidas as sobrecapas nos jornais e nas revistas; vieram os “publieditoriais”, que, no início, ainda avisavam aos incautos, discretamente, do que se tratavam, mas que depois se desobrigaram até disso. E, num caso típico de retrocesso, a interrupção abrupta dos filmes virou prática nas TVs a cabo. O advento da mídia digital, mesmo à época em que ainda era apenas um inocente banner, inicia uma era ainda pior de intervenção na nossa vida, desprovida de qualquer sensibilidade, com ações de pura e simples invasão agressiva e acintosa.

Hoje, pode ser divertido para os jovens viver uma vida de “pegadinhas” promovidas pelo marketing. Mas não me parece saudável que sejamos permanentemente alvos de tamanho ataque. Seja através dos meios tradicionais ou não, em que a busca da sacada criativa estará sempre focada em surpreender as pessoas (no sentido de apanhá-las desprevenidas, não de emocioná-las), aceitem elas ou não, gostem elas ou não; seja nas iniciativas de ativação de ponto de venda e nas chamadas ações promocionais, que buscam nos atropelar em qualquer momento do cotidiano, sem pedir licença; seja no simples abuso grosseiro de interromper nossas leituras ou o acompanhamento de qualquer assunto de interesse nos meios digitais, enfiando-nos goela abaixo uma mensagem publicitária.

O fato é que, faz tempo, o produto criativo de marketing deixou de ser uma expressão de cultura e de arte. Passou, inclusive, a prescindir de gente culta. Hoje, aparentemente, precisa apenas de uma turminha com habilidade para “assaltar” a nossa inteligência e “roubar” a nossa atenção.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing