Thomaz Naves acaba de completar dez anos à frente da direção comercial da Record TV no Rio de Janeiro. Há uma década, sua entrada na emissora do bispo Edir Macedo causou certa surpresa – ele vinha de empresas como Coca-Cola, Accioly Entretenimento, Flamengo Licenciamentos, Cemusa e Multiplan. O movimento valeu a pena: nesse período, o executivo elevou o faturamento da empresa no Rio sete vezes, levando para o comercial o seu olhar inquieto de marketing, aprendido ao longo de uma carreira repleta de desafios e convivência com pessoas como José Isaac Peres, fundador e principal acionista do Grupo Multiplan. Mineiro de sorriso fácil, com o jeito sempre bem-humorado, Naves foi abrindo caminhos para a emissora no Rio, transformando completamente a percepção da marca no mercado. Nesta entrevista ele – que é também presidente da ABMN (Associação Brasileira de Marketing e Negócios) – conta um pouco dos bastidores dessa história.

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A Record TV era de fato uma empresa muito conservadora?
Era muito lenda. No início estavam um pouco inseguros porque eu nunca havia trabalhado em TV e quiseram que eu mantivesse na minha equipe uma gerente mais experiente. Eu topei, mas troquei o resto da equipe. Tinha cinco executivos e com o mesmo montante dos salários, contratei três, e trouxe um profissional de mídia. A mudança começou com as pessoas. Depois veio a mudança de prédio, que foi um divisor de águas. E depois veio o trabalho de marketing agregado ao comercial, que acredito ser resultado que funciona. A maioria dos diretores comerciais não entende de marketing, não sabe construir marca para valorizar o produto. Quando se trabalha a marca, se vende mais. As pessoas querem estar com o que faz sucesso, o que aparece, tem visibilidade, quem vai bem. O (José Isaac) Peres usava muito essa frase “Faça parte desse sucesso” na Multiplan, e eu vivia querendo tirar aquela frase das campanhas. Um dia perguntei para ele sobre a frase e ele me disse: ‘Podem mexer no layout à vontade, mas nunca tirem essa frase, porque todo mundo quer estar ao lado de quem faz sucesso.’ Essa é a cabeça dele.

Naquele começo, quais eram os principais
desafios?
Quando eu cheguei, 94% do faturamentoda emissora estava nas mãos de 20% dos clientes. Tínhamos cerca de 180 clientes e 36 representavam 94% do faturamento. Fui ao presidente regional e disse ‘vamos ter de tirar clientes para faturar mais’. A resposta foi: ‘você foi contratado para trazer mais clientes!’ Eu  respondi: ‘não, fui contratado para trazer mais faturamento. Deixa a gestão de clientes comigo.’ Eu tinha feito um trabalho semelhante em shopping, e comecei a cortar. Em dois anos, dobrei o faturamento ao reduzir o número de clientes pela metade.

Essa gestão, associada às ações de marketing, levantou o faturamento?

Sem dúvida, a gestão associada aos esforços de comunicação e marketing. Não atribuo a uma coisa só, mas a uma série de ações orquestradas. Fizemos lançamentos de novelas fantásticos. Para lançar Balacobaco, chamei a Carol Sampaio (promoter) e fiz uma festa para duas mil pessoas no Clube Monte Líbano. Fiz muitas festas e eventos. Só a mudança de prédio teve 17 eventos, recebi mil publicitários que saíam daqui encantados. Mostrei uma nova emissora. Criamos o prêmio Atitude Carioca, para ter uma relação mais forte com o carioca e os formadores de opinião, e o realizamos durante três anos. Depois, promovemos, durante quatro anos, o Rio Verão Festival, o maior evento de música da cidade depois do Rock in Rio, com média de 50 mil pessoas. Também fizemos grandes campanhas publicitárias, como a que lançou Os 10 Mandamentos. Patrocinamos inúmeros eventos do mercado publicitário, sempre fomos parceiros do Grupo de Mídia do Rio de Janeiro e de outras entidades. Como presidente da ABMN, também envolvi a Record TV em vários projetos, o que foi bom paratodo mundo. Essa ebulição oxigena a marca. Sempre acreditei nisso. Mudamos o discurso, passamos a falar de números, de resultados. Com toda a equipe, passei a pedir que mudassem o discurso.

Como você mudou o tom na área comercial?
Tem um caso interessante que ilustra bem a mudança: uma vez, numa reunião de agência, logo no começo, uma diretora de mídia sentou-se e começou a dizer: ‘tenho tanto para a Record, temos de ver como vamos fazer…’. Deixei ela falar bastante e no final disse assim: ‘achei ótimo. Inclusive quando chegar à emissora  vou pedir que mandem embora a equipe comercial porque você já fez tudo, resolveu, definiu tudo e não precisa da gente’. Ela ficou me olhando e logo na sequência eu completei: ‘quem põe preço no meu produto sou eu. Você pode questionar. Quem apresenta o que tenho para vender, sou eu. Você compra se quiser. Eu vim apresentar uma proposta e você me apresentou uma proposta, com tudo resolvido? Esquece. Vamos fingir que essa reunião nunca foi realizada. Marcamos novamente, trazemos uma proposta, você avalia e veremos. A empresa quer mudar o jeito de atuar. Desse jeito, comigo não funciona’. Levantei- -me e fomos embora. Na época, essa agência representava 15% do nosso faturamento anual. Mas, se não fosse assim, a empresa não seria valorizada. Naquela agência, tivemos um aumento de 50%.

Você enfrentou muito esse tipo de situação?
Muito. A emissora tinha ótimo patamar de audiência, mas brigava com a Band, que tinha muito menos audiência, e dava grandes descontos, enfim, não sabia trabalhar o produto. E consegui trabalhar direito, eu brincava que ao longo de quatro anos, o meu chefe, que era o Marcelo (Silva) só me disse apenas um não.

Qual foi?
Quando eu quis comprar uma vaca da Cow Parade, ele ficou com o projeto na mesa durante uns 15 dias e finalmente me disse que achava maravilhoso  tudo o que eu estava fazendo, mas que se levasse para a diretoria um pedido de compra de uma vaca… (risos). Expliquei que era patrocinar uma vaca, que ela ganharia a marca da Record e depois iria a leilão, quando poderíamos comprá-la se quiséssemos. Na época eram R$ 35 mil e ele disse que ninguém ia acreditar nisso, pediu que o perdoasse e não aprovou. Acabei dando o meu jeito, porque sou tinhoso. Ajudei a equipe do Cow Parade no Rio a vender vacas, porque eram minhas amigas, e consegui colocar uma vaca em exposição. Gostei tanto que até hoje tenho duas vacas na nossa recepção. Um dia o Marcelo veio aqui e levou um susto.

Você também influenciou em decisões mais estratégicas, como na programação?
Muito pouco. No Rio sempre opinei, dei insights. Mas o drive da companhia, quando entrei, já estava agressivo. Eles queriam crescer. Participei mais ativamente de alguns projetos de programação, como o Mais Moda, no Rio, dirigido pela Daniela Maia, que nos deu visibilidade numa área em que não tínhamos. Falávamos de comportamento, tendências, qualidade de vida, ia além da moda. Era serviço. Eu acredito muito na missão da TV aberta de ajudar as pessoas, prestar serviços. Por isso recebemos uma concessão gratuita. É um papel importante, que deve ser exercido.

Qual é a sua visão hoje da televisão em geral e da TV aberta?
Eu acredito muito na TV aberta. As empresas de internet são muito boas de RP. Criaram três bolhas até hoje. Na primeira, tanta gente perdeu dinheiro! A última é a recente, do faturamento explodindo, destruindo tudo ao seu redor. Tudo inflado. A verdade começa a aparecer,
a história dos anúncios associados a conteúdos negativos… As marcas não podem correr estes riscos. Por isso, o faturamento deles está caindo. Os CEOS dos grandes anunciantes começaram a se envolver, a olhar para isso com calma, comparar o ROI com o da TV aberta. Já se sabe hoje que para construir uma marca é preciso investir em televisão. Isso nos beneficiou, do ano passado para cá, grandes anunciantes aumentaram os investimentos e os valores continuam aumentando.

Com a crise, como anda o faturamento?
Este ano, mesmo com a crise, tenho chances de bater a meta. Mas, independentemente disso, voltaremos aos melhores patamares de faturamento. Podia estar melhor, mas nos ressentimos com alguns cortes importantes, como a Petrobras, por exemplo. Mas vai melhorar. Tenho visto retorno de investimentos – especialmente de novos entrantes – e não cancelamentos nesse segundo semestre.

Como você vê o caminho de se transformar numa empresa de conteúdo, levando em conta que existirão muitas plataformas e formatos de distribuição?
É uma tendência. O Antônio Guerreiro, nosso ‘gênio’ das multiplataformas, afirma que nós estamos brigando com o concorrente errado. Não temos de brigar com o Facebook, o Twitter, o WhatsApp. Esses caras são os grandes estádios mundiais. E o que o estádio mundial quer? Ele quer o show do U2, quer a novela Os 10 Mandamentos, quer mostrar o melhor conteúdo. Por isso que se fala que o futuro é a guerra do conteúdo. Com a venda de Os 10 Mandamentos, começamos a ver uma receita que nunca havíamos visto, com a venda para mais de 100 países. Faturamos mais fora do que no Brasil. A nossa audiência foi impressionante e só não faturamos mais em publicidade porque ainda existe uma certa resistência para comprar os produtos religiosos, bíblicos. Mas era um produto histórico, épico! Ela largou com 15,4 pontos e chegou a 30 de audiência!

E com a nova novela, Apocalipse, qual é a expectativa?
É espetacular, hollywoodiano. O primeiro capítulo mostra o fim do mundo, um assunto que interessa a todos nós. Vem aí uma campanha bacana da Binder, vamos ‘invadir’ a cidade, uma aposta semelhante à que fizemos com Os 10 Mandamentos. Falei que, se não batermos 15 pontos logo de cara, podem me mandar embora! (risos).

O que te encanta hoje, nessa profissão?
Em primeiro lugar o desafio. Dizem que sou muito competitivo. Meu filho me diz ‘eu te amo’ e eu digo ‘eu amo muito mais’! Gosto muito do que faço, o que é importante. Quando trabalhei na Coca–Cola fazia evento todos os fins de semana e adorava. Para mim não era trabalho, era quase uma brincadeira de criança. Ainda hoje, muitas vezes, não me sinto trabalhando. Uma coisa é ser alegre, outra é ser feliz. E o trabalho é uma parte muito importante dessa equação.