Produtora que exibe no portfólio a série de sucesso Coisa Mais Linda, coproduzida para a Netflix, que está na segunda temporada, a Prodigo Films afirma que vem “trabalhando loucamente” e apresentando várias novas ideias de séries e de filmes, mas, obviamente, como todo o mercado, sentiu os impactos da pandemia. Nesta entrevista, o sócio e CEO conta sobre a produção para as plataformas de streaming, fala dos desafios das filmagens e da transformação da publicidade. “A intersecção entre propaganda e entretenimento cada vez é maior”, diz Francesco Civita.
Como surgiu a ideia de criar a série Coisa Mais Linda (disponível na Netflix)? É uma parceria com a Netflix?
O mercado trabalha assim: as produtoras e os criadores fazem pitchs das ideias, de séries, para as plataformas, e não é uma coisa exclusiva da Netflix. Cada caso é um caso, mas basicamente parte de uma ideia pouco desenvolvida num primeiro momento e isso é padrão. Você apresenta uma ideia para players como HBO, Globo, Netflix e Amazon, são todos assim. Diferentemente de um longa-metragem, que tem um roteiro pronto, o que apresentamos é um conceito. E se discute essas ideias com as plataformas. Quando se tem uma relação, se tem mais informação para ver que lacunas elas têm para preencher. Então, eles avaliam o mix e se obviamente a ideia se encaixa, vão te contratar para fazer esse desenvolvimento. E o desenvolvimento é basicamente montar uma sala de roteiro, onde normalmente tem uma figura do head writer, ou seja, um chefe da sala do roteiro, e os outros roteiristas para desenvolver os roteiros. E esse processo sempre é a quatro mãos. É realmente junto com as plataformas e isso significa que você apresenta um arco geral, os personagens, as sinopses de cada episódio, e cada uma dessas etapas fazemos junto com as plataformas. Ou seja, elas estão lendo, dando feedback e discutindo. É um processo muito colaborativo.
Quando vocês começaram a desenvolver Coisa Mais Linda?
Quase cinco anos atrás, a gente apresentou a ideia pela primeira vez. Acabamos de estrear a segunda temporada em julho. De novo, o mercado trabalha razoavelmente de uma maneira uniforme, obviamente, cada empresa tem as suas características, e é claro que a propriedade das séries originais passa a ser das plataformas. Trabalhamos um bom tempo desenvolvendo a primeira ideia. Naquele momento quando contrataram a ideia de Coisa Mais Linda, nem título a gente tinha. Isso é um processo. E naquele momento, a Netflix estava expandindo no Brasil, fomos contratados já para produzir. Hoje em dia, de forma geral, claro que tem exceções, mas você faz as coisas em duas etapas e não numa etapa que você já escreve e sabe que vai produzir. Hoje em dia, como está evoluído e essas plataformas já têm bastante conteúdo, eles fazem em duas etapas: você escreve, não tudo, às vezes, dois, três episódios, dependendo do tipo de negociação ou objetivo da plataforma, e aí entra uma segunda etapa de dar um green light para produzir.
A segunda temporada já estava gravada antes da pandemia?
Sim, a gente começou a pré-produção no segundo semestre do ano passado e terminou de filmar em outubro. Tem um processo longo de pós-produção, finalização, música. Todas as etapas são feitas com o parceiro absolutamente envolvido. É realmente um espírito de coprodução, embora a Netflix e a Amazon, por exemplo, são os clientes nossos.
Como está a produção de filmes publicitários na Prodigo, especialmente neste momento de pandemia?
Acho que a gente está numa transformação da propaganda. É uma transformação de vários eixos. Tem uma mudança de comportamento e de público, de como se consome entretenimento de maneira geral, e isso faz com que a propaganda mude também. Hoje os jovens, por exemplo, pagam para não ver anúncio. Isso era uma característica que não existia. A propaganda fazia parte da nossa cultura, digamos assim. Se eu falar para o meu filho ‘isso não é uma Brastemp’, acho que ele não vai entender. As referências mudaram. As pessoas consomem propaganda de um outro jeito hoje. A transformação no mercado é grande, acho que no Brasil, até pela tradição da mídia, é um pouco mais lenta do que fora. Mas ela também está rápida, de as marcas pensarem em outras maneiras para ocupar esse share of mind dos seus consumidores. Acho que está num momento em que as pessoas, por estarem tão digitalmente ativas, questionam mais também. Então, temos de pensar não só em como atingi-las, mas de que maneira chegar até elas, porque em princípio elas não assistem propaganda ou pulam, e, além da mensagem, tem o lance da legitimidade.
Mas a Prodigo continua fazendo filmes publicitários?
Muito, claro. A gente faz propaganda há mais de 20 anos.
Vocês começaram a fazer propaganda e migraram para o entretenimento? Como foi isso?
A verdade é que o DNA da Prodigo talvez seja um pouco diferente, porque a gente faz as duas coisas desde o começo. A produtora começou a fazer entretenimento quando nem tinha espaço para isso. Em 2003, a gente lançou Motoboy, um filme do Caíque Ortiz, que é meu sócio, e o filme ganhou a Mostra de São Paulo naquele ano. Foi o primeiro documentário brasileiro vendido para a HBO.
Como é a divisão do trabalho na produtora: 50% entretenimento e 50% publicidade?
Talvez até mais do que 50%. O entretenimento tem um ciclo muito mais longo. Demora mais de um ano para fazer uma série, por exemplo. E uma série pode impactar muito em volume. A gente está fazendo duas séries para a Netflix e tem uma em desenvolvimento com a Amazon, uma com a Globo. Cada uma dessas etapas é demorada. É um outro tipo de gestão quando se pensa em resultados, números. Um longa-metragem é a mesma coisa. Ele pode custar R$ 5 milhões, R$ 10 milhões. E você distribui isso no tempo. A propaganda também está tendo uma transformação no lado do vídeo com entregas de Stories, que não deixa de ser um consumo visto como entretenimento. Quando você assiste a um Stories é muito mais com cabeça de entretenimento, por mais que tenha uma marca. A intersecção entre propaganda e entretenimento cada vez é maior, no sentido até do fazer, do pensar dos diretores. Em termos de perspectiva para a produtora, a propaganda sempre foi essencial como espaço de experimentação, de aperfeiçoamento, de utilizar recursos e experimentar coisas. Porque obviamente o dinheiro por segundo, digamos assim, é maior.
O faturamento com publicidade é importante para a Prodigo então?
Muito importante e estratégico porque é uma maneira também de criar e aglutinar talentos. Você tem diretores que podem começar na propaganda e vão evoluindo.
Quais são os principais clientes da produtora?
A gente já trabalhou para todo mundo. Se eu for enumerar, devo falar todos os principais anunciantes. A produtora está há muito tempo no mercado.
Mas e atualmente?
É até interessante fazer uma reflexão. A propaganda é de oportunidade, em que eu recebo roteiros das agências e as oportunidades surgem com os diretores e são mais aleatórias. Já trabalhei para Nike e Fiat, por exemplo. Eu acho que também tem uma busca de uma relação das produtoras com as marcas que pode ser muito rica. Neste sentido, o mercado de entretenimento se beneficia de relações longas. Quando eu faço uma série para uma plataforma como Netflix ou HBO eu vou ter necessariamente uma relação de dia a dia com essa plataforma durante um ano, um ano e meio. Então, naturalmente, para eu fazer uma segunda coisa com eles está mais fácil, já passou uma curva de experiência, eles conhecem o meu trabalho, o jeito que opero em todas as áreas e não só no nível criativo. Eu acho que esse benefício também pode existir para uma marca, onde a relação se aprofunda.
Você citou que está com séries para Netflix, Amazon e Globo. Quais são?
Além de Coisa Mais Linda, a gente tem uma outra série com a Netflix chamada Cidade Invisível, com criação do Carlos Saldanha. Para a Amazon estamos desenvolvendo uma série em que o criador é o Marcelo D2, inspirada num disco dele. E para a Globo estamos desenvolvendo Prisioneiras, baseada no livro do Drauzio Varella.
Como a pandemia afetou os trabalhos da Prodigo?
O mercado de audiovisual está muito devagar. Afetou o mercado no mundo inteiro, com uma diminuição muito forte de produção. Estão sendo feito coisas? Sim, a gente tem produzido propaganda, mas ainda há uma limitação pela questão de responsabilidade social e de saúde. Não estamos na mesma verve que estava na pré-pandemia. Afetou todo mundo. É um momento, digamos, difícil para o audiovisual. E acho que cria um buraco para o entretenimento no mundo inteiro. Para as plataformas, está bom. Tem mais consumo, mas também vai ter um buraco em algum momento porque muita produção ficou estancada e pode faltar esse conteúdo lá na frente. No lado da propaganda, há as possibilidades de filmagens, mas ainda é complexo. As filmagens maiores, com produções mais complexas, estão limitadas.
A Prodigo teve de reduzir o quadro de funcionários por causa da crise?
A gente priorizou ao máximo as pessoas. Houve algumas reduções, mas que talvez já fossem intrínsecas ao momento, por exemplo, terminamos de produzir Coisa mais Linda. Naturalmente, várias pessoas que trabalhavam na série já iam deixar de trabalhar porque entregamos o trabalho. Mas, sim, houve algumas reduções. Tivemos estratégias de redução de remuneração para tentar manter ao máximo o maior número de pessoas.
Quais são as expectativas para o segundo semestre?
Acho que vai ser um ano como um todo muito difícil. Acredito que o segundo semestre vai mostrar alguns sinais de recuperação na propaganda, mas certamente não numa situação normal. Tem a limitação da própria pandemia de filmagens e um impacto econômico grande nas empresas, que estão reduzindo esse dinheiro. O impacto é severo para o mercado. Tem muita produtora que não vai conseguir sustentar isso. Eu acho que no lado do entretenimento como player é um momento muito interessante de desenvolvimento, de escrever, apresentar projetos, um momento de plantio eu diria. Estamos trabalhando loucamente e apresentando várias novas ideias de séries e de filmes. E acho também uma oportunidade de estreitar relações, seja com agências de propaganda ou marcas, de mostrar a nossa capacidade.
A produtora está em home office? Quantas pessoas trabalham na Prodigo?
Em torno de 40 pessoas. Fazemos parte de um grupo, porque a Prodigo é sócia da Iconoclast. É uma outra produtora, que tem identidade própria e diretores. No Brasil, é uma parceria entre a Iconoclast internacional e a Prodigo, com uma joint venture. A gente consegue somar a experiência de 20 anos da Prodigo com o conhecimento da Iconoclast. A Prodigo existe desde 1996. E, sim, estamos em home office. Quando tem gravação há núcleos de trabalho, tudo o mais separado possível, no sentido de preservar as pessoas.