Preciso confessar uma coisa. Por muito tempo sustentei um profundo nojo de você. Acordava de manhã, já em agonia por saber que uma hora estaríamos dividindo o mesmo ambiente. Para, como sempre, me incomodar com você chegando, sorrindo com esses dentes meio amarelados entre os lábios secos e bafo. Você achava que eu não percebia, mas, quando eu sentava ao seu lado, não por opção, mas por uma organização que existia antes de mim, e ligava meu computador, eu fechava os olhos e rezava pra você não vir falar comigo. Para, em seguida, reabri-los e fingir que eu não percebia sua obsessão. Como eu gostava da ideia de poder te denunciar pro RH e de ter certeza de que eles de fato fariam alguma coisa…
E quando eu levantava para buscar café? Sempre após muitos minutos de reflexão se deveria fazer isso ou não, pois sei que teria que suportar teus olhos doentios me acompanhando como se eu fosse carne pro teu abate. Quando eu voltava, buscava formas de equilibrar o copo de café na frente do meu corpo para ver se ajudava a me esconder da sua incapacidade de controlar seus instintos.
Eu, andando, de olho no Instagram, fingia que não sacava. Certo dia, quando eu me curvei para falar com nossa colega, percebi depois que você me olhava como se eu fosse um frango de padaria. Infelizmente percebi tarde demais que os botões de cima da camisa não eram a prova de homens com mentalidade de adolescente no ambiente de trabalho. Pior é imaginar que você deve ter ficado com essa imagem na cabeça por muito tempo. Fico feliz que nunca precisei ter que lidar com você fora das paredes do escritório. Eu provavelmente não conseguiria não ser mal educada com você, por mais que você não merecesse muito meu respeito.
Você sempre foi mal-intencionado comigo. Me via como um objeto. O tempo passa e nosso chefe te chama e te oferece uma promoção. Um grande balde de gelo na minha cabeça. Mais poder e mais grana para um cara que não consegue controlar minimamente seus impulsos, brinquedo na mão da criança errada. Fiquei com mais medo de você, e qual mulher não ficaria? Na manhã que ele juntou a equipe e fez o comunicado formal, quase não escutei nada do discurso, distraída imaginando como me proteger das suas possíveis investidas. O lado bom foi que a gente passou a se ver menos. Você tinha ganhado uma sala e ficava mais isolado. Um dia, tive que entrar para tratar de um assunto que precisava da sua aprovação para ir adiante. Me senti um prisioneiro no corredor da morte.
Que vontade de perguntar se você aprendeu a ser assim depois de ler “50 tons de cinzas” ou se você era mais um desses homens que esquecem que crescer profissionalmente envolve, também, ter um bom controle emocional e respeito ao próximo. Como eu não tinha notebook, tive que mostrar o trabalho na sua máquina. Sentei ao seu lado, na sua sala, pra ficar perto da tela e conseguir te mostrar o que eu precisava. A sala era pequena e acabei esbarrando em você. Me correu um frio pela espinha por encostar em você, pois te deixar ainda mais obcecado com qualquer ideia era tudo que eu não queria. Percebi que você se esforçou bastante para manter os olhos no trabalho e conseguir avalia-lo. Você acabou aprovando, mas parece que fez isso só para tentar uma desculpa para avançar em mim.
Pelos sucessos que meus trabalhos anteriores vinham conseguindo, levantei, para me afastar de você, e conversei contigo sobre um aumento. Você levantou também. Ficamos assim, eu te olhando firmemente, segura do meu pedido, mas percebi que com você seria inútil qualquer profissionalismo e saí. Você acabou pedindo demissão. Fiquei feliz porque você saiu e acabei sendo promovida. Agradeci que essa fase de incomodo e angustia tinha finalmente acabado e que eu não precisaria mais ficar auto alerta o tempo todo, com medo de você. Espero que você tenha entrado na análise e aprendido a lidar com seu ciúmes e obsessão. Ainda creio que as pessoas são capazes de mudar.
Louie Martins é strategy manager na empresa DPZ&T