Alexandre Salvador, diretor de marketing e inovação da AB Brasil, fala sobre as estratégias de comunicação da companhia
A Fleischmann completou no ano passado 90 anos de atividades. Especializada em fermentos e líder do segmento com mais de 50% de market share, integra o portfólio da britânica Associated British Foods por meio da AB Brasil. Nesta entrevista, o head de marketing Alexandre Salvador detalha que a mistura de farinha, água, sal e fermento é algo que motiva e traz orgulho durante o tempo de preparação. Além das padarias, fazer pão em casa cresceu verticalmente nos últimos dois anos. Ele cresce no forno e também a autoestima de quem põe a mão na massa.
Como a empresa é estruturada no Brasil?
A AB Brasil possui três áreas no mercado brasileiro: consumo, indústria e food service. Sou responsável pelo marketing e pela inovação desses três segmentos de negócios.
Quando se fala em fermento, a remissão imediata é para pães e bolos. Como é trabalhar um produto que é essencial na alimentação humana, que é o pão?
É muito instigante. A ancestralidade do pão traz para o presente toda a riqueza dessa história. Houve uma grande evolução nos processos de produção. Algumas consolidadas mais recentemente, que é como conhecemos o fermento hoje. Antes, para se fazer um pão caseiro, se comprava o fermento por peso nas padarias e também por colheradas. Agora o consumidor compra saquinhos de 20 gramas e depois coloca a mão na massa. Essa mudança tem cerca de 20 anos.
Fermento vai além do pão?
Nas pizzas e outras massas, ele é fundamental.
Houve elevação de demanda do consumo de fermento com a pandemia da Covid?
Sim. Nesse período houve muitas mudanças no comportamento das famílias. Com o isolamento social, elas se dedicaram a fazer outras coisas, como readquirir o hábito de fazer pão em casa.
Como a Fleischmann atestou essa tendência?
Isso é comprovado por pesquisas feitas pela WGSN e Ibope Monitor. A vida em casa trouxe a necessidade de se agregar valores mais naturais. Fazer a massa do próprio pão resgata uma tradição familiar. E a ascentralidade desse alimento também despertou a necessidade do distanciamento de coisas mais industrializadas. A Fleischmann ajudou nesse processo.
E também foi uma alternativa para ocupar o tempo ocioso?
Assim como o resgate de fazer crochê e dos tabuleiros de xadrez, fazer pão passou a ser um tempo pessoal. No trânsito, antes da pandemia, as pessoas colocavam as ideias no lugar. Esse tempo foi ocupado para fazer pão. Os números não mentem: em 2017, a penetração desse costume era de 25%. De 2020 para cá, chegou a 80%. Bolo todo mundo faz, mas com o pão foi um resgate. Muita gente começou a postar no Instagram as suas produções. Então, se eles podem, eu também posso fazer o meu.
Dá mais trabalho fazer pão no ambiente caseiro?
Dá. Mas valoriza o tempo empregado nessa atividade. O barato é fazer e não o resultado. Na ponta do lápis, o custo também é mais barato do que comprar. Esse também é um motivo para o crescimento do pão caseiro.
Qual é a receita preferida?
De início, as mais simples. Depois ocorre a migração para as mais complexas. Algumas são para os pães salgados, recheados, doces etc. Quando há o domínio da técnica, o sabor não é mais a maior preocupação de quem está fazendo esse alimento.
É necessário ter um forno especial ou aquele velho e bom Cosmopolita dá conta do recado?
Qualquer forno faz pão. Isso é um mito. Há lugares com mais tradição. No Rio Grande do Sul esse ritual faz parte da cultura local. É como cozinhar feijão e arroz. Certa vez uma amiga gaúcha me respondeu com uma pergunta quando lhe disse que ia me inscrever em um curso de pão: por que tua mãe não te ensina? Nos demais estados da região Sul também o volume é grande.
Mais em alguns locais, especialmente São Paulo, onde a padaria é o point para um pão na chapa com café com leite, não é mesmo?
É uma cultura ir à padaria em Sampa. No Brasil todo também. O ingrediente Fleischmann nasceu na padaria. Hoje está no varejo devido a esse know-how. Trabalhamos com mais de 200 mil padarias em todo o país.
Qual é o equilíbrio de negócios da AB Brasil com suas marcas Mauri e Fleischman nos setores de panificação e confeitaria?
Cada setor responde por 1/3: indústria, varejo e padaria. Para a indústria, como Bauducco, Wickbold e Bingo, vendemos creme ativo de fermento no seu estado mais ativo. É um ser vivo que entrega o poder máximo de fermentação. Chega em um caminhão-tanque, que faz a dosagem no processo do cliente como uma estação de fermento. Cada negócio tem um nível de especialização diferente. Na padaria é de um jeito e no varejo por meio das embalagens na medida certa.
Como o marketing atua nesses três modais de negócio?
Através do compartilhamento de serviços. Minha estrutura comporta comunicação, produto e inovação. Cada gerente cuida da gestão do negócio com os dados disponíveis para o desenvolvimento e a execução da estratégia dos canais.
E as campanhas?
O filme Fleischmann crescendo nos últimos 90 anos foi lançado em outubro do ano passado. Ele perpassou e foi aplicado por todas as unidades da empresa. Foi para celebrar esses 90 anos de atividades. A ideia foi mostrar que não é só o pão que cresce. Mas o benefício das pessoas. Do ponto de vista interno, resgatamos nossos colaboradores. É uma profissão que passa por três gerações na empresa: avô, pai e filho. Isso significa pertencer. Pão é uma herança. Remete à Bíblia: ganhar o pão de cada dia. É uma metáfora para o alimento. Porque tem o pão que vai para o estômago, que é funcional. E tem o lado de ser alimento da alma e da confiança. O insight da campanha veio de pesquisas, uma delas da Troiano. Quem faz pão em casa, fica ligado. Está sempre dando uma olhada, uma espetadinha. O processo dá um calorzinho no coração. Tem o negócio de dar certo. Da saudabilidade. E da transformação. Que é a pessoa que faz. O pãozinho francês tem uma composição mais simples. Mas é natural como os demais. A campanha foi 100% digital e teve abrangência nacional.
A fermentação também está presente nas receitas integrais e sem glúten?
Para o pão crescer, tem de se sovar a massa para ativar o glútem, que segura os gases e faz crescer. A fermentação é natural. O levain, ou fermento, pode ser industrial ou caseiro. Mas o mais selvagem tem o mesmo efeito que o industrial. O que a Fleischmann faz é a levedura. Duas gramas já é suficiente para a multiplicação. Mas garantimos a padronização. Quem gosta de cultivar o próprio fermento, que é ensinado em escolas como a Levain Panificação, do Shimura, é ótimo. O importante é não se opor, mas incentivar a cultura do pão.
Qual é agência da Fleischmann?
A Bold. Além da ação dos 90 anos, fez uma promoção de trade nas embalagens de 500 gramas para premiar os padeiros. Nosso processo é always on para estimular a se fazer pão. Esse é o movimento maior. Temos uma cozinha interna que produz as receitas do nosso site, mais de 200 até agora. Nossos técnicos estão sempre mostrando como aperfeiçoar a técnica. Também temos influencers na nossa comunicação, entre os quais o Ari Fontoura. Para este ano o mote continua: Com você desde 1931.
E os investimentos no país?
São R$ 300 milhões reservados para a expansão da fábrica em Sorocaba, do novo centro técnico e uma estação de tratamento.
O que é mais animador?
Uma pesquisa da Kantar mostra a mudança de indicadores de marca sobre quem foi exposto à comunicação e quem não foi. Subimos de 86% para 91%. No item que estabelece qual é a marca que faz o meu pão dar certo, saltamos de 79% para 86%. E qual a marca mais usada? Agora estamos com 82% e antes com 76%.
Como a concorrência estimula as ações da Fleischmann?
Todas as marcas que estão no mercado têm carinho com quem gosta de cozinhar. Cada uma delas tem as próprias fortalezas. O importante é ter em mente o conceito de qualidade. É isso que faz a categoria ganhar e crescer como um todo. Fazer pão é sobre prazer no processo e orgulho com a criação final. É como ter mãos mágicas que transformam quatro ingredientes em alimento. Todo mundo pode fazer pão.
Qual é a pretensão de branding da Fleischmann?
É ter o reconhecimento de quem cozinha em casa. Quando quer ser a estrela, a Fleischmann está pronta para ajudar a pessoa a brilhar. O nosso arquétipo é ter orgulho dessa relação.
Como funciona inovação?
É uma prestação de serviço à estratégia. O time de inovação trabalha com design thinking para materializar sonho em realidade; briefings em ideias. Observam os gaps e direcionam para a estratégia, pesquisa e desenvolvimento.
Até nas embalagens?
Sim. Pesquisa e desenvolvimento ficam de olho na apresentação dos mais de 200 SKUs que temos disponíveis no nosso portfólio.
Qual é a sua formação?
Eu estudei administração na FEA (Faculdade de Economia e Administração da USP) com MBA no Insper e mestrado na USP. Também sou professor do MBA da ESPM e da FIA (Fundação Instituto de Administração).