O jornal O Perú Molhado (com acento mesmo) circulou durante anos em Búzios, editado por um argentino completamente maluco e absolutamente genial chamado Marcelo Lartigue. Fazia o maior sucesso entre a galera que frequentava o balneário e tinha entre seus colaboradores figurões importantes do jornalismo e da cultura, todos imbuídos da missão de fazer um jornal inteligente, divertido e irresponsável.
Até mesmo O Pasquim, o Casseta Popular e o Planeta Diário, para falar dos similares brasileiros, apesar da esculhambação editorial e da irreverência de seus conteúdos, tinham alguma pretensão empresarial, procurando bem ou mal seguir as regras de administração, com arremedos de contabilidade, contas a pagar e outras mumunhas comerciais. O Perú Molhado jamais desceu a tanto.
Ostentando décadas de circulação ininterrupta, muito mais do que muitos congêneres, tinha como característica principal o total desprezo por qualquer burocracia, começando pelo fato de não possuir redação, funcionários registrados, arquivos e contabilidade. Por algum tempo, quando eu dirigia o marketing da Ediouro, imprimíamos O Perú Molhado em nosso parque gráfico. Para não levar cano nos custos de impressão, resolvemos o problema da forma mais eficaz de evitar inadimplência: não cobrávamos pelo serviço.
Fizemos uma permuta, recebendo em espaço para anunciar nossos livros. Além das páginas de anúncios, O Perú punha na capa uma frase: “Valeu, Ediouro” cujo significado ninguém entendia. Mas como muito do que o jornal publicava também era criptografado, ficou como mais um mistério, dos muitos que saíam de vez em quando e poderíamos chamar, sofisticadamente, de “journalisme à clef”.
Agora, quem não conheceu O Perú (com acento) pode pensar que era um jornal feio, desarrumado e mal produzido, por causa das condições em que ele era feito. Nada disso! O jornal podia ter capas de Jaguar ou Chico Caruso, fotos dos maiores profissionais da área, retratando personalidades que cobrariam uma baba para posar em qualquer outra publicação, entrando na lista Gisele Bündchen, Luíza Brunet, Monique Evans, Luana Piovanni, Fernanda Lima, Gloria Maria e muitas outras mulheres lindíssimas, começando pela musa do jornal: Brigite Bardot.
Da forma mais atabalhoada e no espírito da casa, O Perú Molhado fazia coberturas internacionais, enviando correspondentes para Cuba, Moscou, Nova York, Coreia e Japão, onde a brava equipe sempre conseguia observar um ângulo diferente dos grandes eventos mundiais, como bordéis, botequins e hotéis baratos, além de dicas fundamentais de onde conseguir bocas livres e caronas. Mas também entrevistou Fidel Castro, Madonna e Alain Delon, entre outros.
O Manual de Redação e Estilo foi uma obra de minha autoria, escrita nas comemorações de 30 anos do jornal, que teve também um livro, diversos eventos, como, por exemplo, um festival gastronômico sob o tema peru e… uma procissão. É uma citação de Marcelo Lartigue que explica a “filosofia” da criação de capas de O Perú Molhado, parte do tal Manual de Redação: “em O Perú Molhado as chamadas de capa não precisam ter nenhuma ligação com o interior do jornal. Elas devem assombrar o leitor, fazê-lo pensar e, sobretudo, comprar a porra do jornal, mesmo que a notícia interna desminta inteiramente o título publicado na capa. Coerência é um detalhe que não deve nos afastar da missão de berrar na banca”.
O grande problema é que, ao contrário de outras famílias que dominam a imprensa, Marcelo não cuidou de sua sucessão e O Perú foi enterrado com ele. Sem nenhum trocadilho.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor