Terminada a apresentação, abro para perguntas e lá vem: “Você mostrou uma série de cases muito criativos e coisa e tal, mas senti falta das peças de campanha, de comerciais, anúncios, enfim…”.
Estou me referindo à apresentação que estou fazendo pelo Brasil sobre o Cannes Lions 2019. É o Cannes Lions Roadshow, uma iniciativa da Fenapro, em parceria com o Estadão, representante do festival no Brasil, sob organização dos Sinapros. O questionamento veio de um publicitário respeitadíssimo e muito querido do mercado e é totalmente pertinente.
De fato, os cases mais premiados nos grandes festivais têm sido de ações que nem sempre são caracterizadas claramente como publicidade. Pelo menos aquela publicidade com a qual lidamos há décadas, como é o caso do autor do questionamento.
Vejamos o case mais premiado de 2019, o Whopper Detour, da FCB NYC para o Burger King. Um case que ganhou três Grand Prix no Cannes Lions deste ano (Direct, Mobile e Titanium), além de um monte de leões. A ideia central é “trolar” mais uma vez o principal concorrente (McDonald’s), desta vez oferecendo a oportunidade aos consumidores de comprar um Whopper por apenas 1 cent de dólar, tendo, porém, de baixar um App do BK a menos de 200m de uma loja do McDonald’s.
É mais um daqueles cases do Burger King que nos divertem e reforçam a imagem de irreverência da marca. E aí o nosso respeitado publicitário pergunta: “Isso é publicidade?!”.
As principais ferramentas da campanha foram de tecnologia: o desenvolvimento de um App e o sistema de geolocalização para identificar a posição exata do pretendente ao Whopper por 1c. É claro que teve toda uma campanha publicitária por trás. Muito material de OOH (inclusive uma peça móvel, instalada bem em frente a restaurantes do concorrente), uma potente campanha online e outras peças
publicitárias. Mas elas ficaram num segundo plano.
A grande ideia, mesmo, é o fato de “trolar” o concorrente e, é claro, ativar o App de vendas do Burger King, coisa que eles conseguiram fazer com muita eficiência.
Será que as agências, de um modo geral, estão preparadas para esse novo jeito de fazer “publicidade”? Será que existem mais puristas por aí, questionando a premiação de campanhas que não se caracterizam, de forma explícita e clara, como “publicidade”?
O fato é: já não se faz publicidade como antigamente. É claro que ainda há comerciais incríveis, supercriativos e admirados, por si, mas o que tem prevalecido é a geração de um “fato”, mais do que simplesmente peças publicitárias bem feitas. Só para deixar claro: as peças publicitárias “tradicionais” estão aí e terão vida longa, mas não são mais o centro de uma ação de comunicação e ativação.
Todo o ecossistema da comunicação precisa entrar nessa sintonia: as agências devem estar preparadas para gerar ideias – e não necessariamente campanhas –, os clientes devem estar mais receptivos a formatos disruptivos, os veículos devem igualmente se abrir para formatos inusitados, outros players devem ser convidados para a mesa da criação, entre eles os provedores de ferramentas e plataformas tecnológicas. Já há muito a criação publicitária deixou de ser um processo papai-mamãe – redator/ diretor de arte – para se transformar numa suruba (perdão pela palavra feia) ou, como propõe a agência irlandesa ROTHCO, uma criação poliamor, um ménage a trois, a six…
É assim que devemos nos preparar para fazer publicidade: envolvendo mais gente no processo, tirando criativos do pedestal, fazendo-os conviver com opiniões de outros parceiros, inclusive o próprio cliente. Devemos estar preparados para criar estátuas (Fearless Girl) que se transformam em peças de “publicidade” mais eficazes que a melhor campanha publicitária “pura de origem”. Será que as escolas estão preparadas para formar profissionais com essa nova visão?
Será que os modelos de remuneração estão adequados a essa forma de prestação de serviço de publicidade? Porque, sim, isso é publicidade e devemos todos nos acostumar com ela.
Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)