No ano em que o mundo começou a escrever em 140 caracteres, uma das minhas vontades mais antigas foi ganhando corpo, sílaba por sílaba. Redator de formação, apaixonado por Tarantino, resolvi dedicar minhas horas extras da agência a uma ideia de roteiro original.
O ano era 2006 e o storyline saiu todinho em uma noite. Personagens criados, nomes, conflitos e um baita de um final.
Na semana seguinte meu macbook voou, mais de 30 páginas por dia, o roteiro tomava forma e eu tomava coragem para compartilhar uma prévia com uma amiga. E foi aí que a trama complicou, e não estou falando do roteiro.
Aquelas decisões que você nunca entende por que tomou, salvei o documento em um HD externo e, por hábito, deletei do computador.
Sobe a trilha de suspense.
Óbvio que isso não ia dar certo, e não deu.
O HD queimou e bit por bit minha inspiração virou fumaça.
Lembrei-me dessa história esta semana, 12 anos depois do ocorrido, num papo com a equipe sobre motivação, inspiração e ação.
Nesses tempos em que tudo dura muito pouco no ar, as vontades duram menos ainda dentro de nós. Somos HDs prestes a enfumaçar, diariamente.
Matamos uma série inteira numa tarde de Netflix, chegamos ao “fim” dos feeds todos os dias na cama. E sabe o que sobra disso? Muito pouco.
Amanhã já seremos bombardeados por uma nova série tipo Inocentes, que assisti até o final esperando que ela melhorasse em algum momento e nada, um novo post ou vídeo do YouTube que não vamos lembrar.
Hitchcock que me perdoe, mas vou reescrever a sua celébre frase. “The length of a film should be directly related to the endurance of the human bladder” (A duração de um filme deve ser proprocional à resistência da bexiga). Dura um piscar de olhos, ou uma mensagem no whats, no máximo. Já passamos pelos 18 minutos do TED, 1 minuto no Insta. Hoje a nossa capacidade de atenção é digna de um peixe, 8 segundos e olhe lá.
Isso impacta tudo a nossa volta, e muita gente ainda não percebeu.
Aquela ideia de startup que demorou um pouco mais na prototipagem.
A campanha que empacou (meia horinha hoje em dia) em alguma aprovação, o momento de glória que você não capitalizou.
Aquele match que você sem querer arrastou pro lado errado do Tinder. O Uber que cruzou a esquina antes que você apertasse o botão. Passou. E feeds passados não movem nada.
É preciso se adequar a esse novo mundo e principalmente a essa nova dinâmica do InstaTudo.
Poderia ficar aqui reclamando, que hoje ninguém mais para pra pensar, rabiscar, criar com calma e profundidade as coisas. O Dave Grohl fez isso no seu filme sobre o Sound City, e se nem eles escutaram, imagina se eu falar.
Alguém vai falar, bota a culpa nos millennials. Nos “Nem Nem”.
Nada disso, se for para colocar a culpa em alguém, culpem os Baby Boomers que tiraram o Rei do Pop da lista dos mais vendidos para colocar o Eagles. Isso sim é geração perdida.
A verdade é que precisamos evoluir, aprender e se adequar aos novos tempos e formas de ser, pensar e agir. Fala-se muito do gênero fluido para o futuro (próximo). Eu tenho a tendência a usar o fluido para tudo. É preciso navegar entre tudo o que está rolando e ter a capacidade de se moldar o suficiente para entender os novos momentos, tecnologias e comportamentos.
Mas todo cuidado é pouco, não é porque o K Pop e o K Beauty são trend que você vai sair por aí abusando dessas referências. É só acertar na dose, no timing, na forma, no meio etc. Tá fácil!
Sobre o meu roteiro? Talvez eu dê uma de Guy Ritchie e reescreva tudo melhor do que antes. Talvez eu, peraí, série nova na Netflix. Fui.
Daniel Santander é sócio-fundador e diretor de criação da Agência Plug