Desde criança sempre tive fascinação por água. Sem nenhuma coincidência, alguns anos depois, na adolescência, comecei a surfar.
A partir daí meu contato com o mar ficou cada vez mais frequente e aos poucos fui entendendo como aquilo mexia com a minha mente.
Pode parecer contraditório, mas percebi que sair da rotina agitada de São Paulo e do dia a dia do trabalho desligava minha cabeça de muitos drives e ajudava a deixar as ideias virem.
A maré nunca fica parada, tem um movimento constante, esvazia e enche todo dia. Dependendo do local do nosso globo, este movimento pode variar mais ou menos, influenciado pela lua, pelos ventos, pela pressão atmosférica, pela geometria das linhas da costa de cada região ou outros fenômenos peculiares.
Em consequência da combinação de alguns efeitos, alguns lugares têm uma variação de apenas um ciclo, enquanto outros possuem dois ciclos diurnos tornando este movimento ainda mais dinâmico.
Há locais onde a variação de altura pode ser bem pequena entre a maré vazia e a cheia, enquanto em outros, a maré pode variar muitos metros, tornando alguns lugares praticamente invisíveis ou até inacessíveis, devido ao volume de água que sobe.
Quando tenho uma enxurrada de ideias, é como a maré cheia, que vem num movimento forte, arrasta coisas para a terra, dependendo da situação destrói o que tiver pela frente.
Quando as ideias surgem assim, é o momento de ficar ligado, ter um celular na mão ou um pedaço de papel e caneta para anotar o que vem.
O que mais costumo usar é o celular, onde vou anotando as ideias que aparecem e depois “me envio por e-mail”. Diferente mente das marés, que podemos prever, na nossa mente a coisa é um pouco mais imprevisível e caótica.
Obviamente existem alguns momentos mais propícios para que as ideias apareçam, mas sabemos que na maioria das vezes as inspirações podem aparecer a qualquer hora, por exemplo enquanto estou sozinho dirigindo na estrada, e para não bater o carro nem tomar mais uma multa, encosto no acostamento e gravo um áudio pelo celular.
Depois chega a “maré vazia dos inputs”, é o momento de encaixar as peças, analisar quais trechos e ideias são aproveitáveis e quais serão descartados.
Pesquisar imagens, cenas que fazem sentido, encontrar os pontos de conexão entre os pedaços que surgiram, esmiuçar cada uma das ideias para entender se faz sentido juntar aquelas peças.
Pedaços que a princípio parecem completamente distintos, mas que, quando bem encaixados, formam algo maior, como se fosse um grande quebra-cabeça. Na hora de escrever o texto de uma defesa, fica mais fácil, pois o exercício anterior de testar o que funciona e o que não já foi feito.
A ideia se transforma aos poucos entre muitos deletes, algumas conversas paralelas durante as digitações e uma entrada no Instagram Collection para checar algumas referências salvas anteriormente. De repente todos aqueles fragmentos de ideias e conceitos tomaram forma e fazem sentido.
Por outro lado, nossa mente traz algumas ideias que podem parecer geniais, mas, na hora que sentamos na cadeira e começamos a construir uma linha de raciocínio, percebemos que aquela ideia “genial” não pertence a este conceito ou projeto, mas talvez funcione em uma outra oportunidade.
A famosa ideia engavetada. Quem não tem as suas guardadas? De repente aparece o job certo para ela, o importante é estar conectado, assim como o movimento das marés.
Rodrigo Fleury é sócio e diretor de cena da Awake Film