Que 2020 seria um ano marcado na história, já estava claro. Mas ninguém esperava uma novidade por dia. Vou deixar de lado (por mais difícil que seja) todo contexto econômico, social e de COVID. Esses são assuntos bem mais importantes do que o meu texto e para falar deles tem gente muito mais preparada do que eu. Vamos focar por um minuto no nosso mercado. E vou falar do ponto de vista da agência, que é onde me cabe.

Anteontem, 1º de junho, a Globo lançou o “Aparece na Globo”, uma  plataforma de mídia self-service nos moldes dos maiores veículos digitais, e o mercado tomou um susto. De repente, pequenas e médias empresas passaram a poder planejar mídia, criar filmes e veicular na televisão sem precisar de uma agência ou de uma produtora. Ainda que com restrição de cidades, templates prontos e com foco em pequenos negócios, essa é uma movimentação que aponta um possível caminho para o mercado de mídia que costuma deixar a grande maioria das agências de cabelo em pé.

É difícil não entrar na defensiva, não criticar ou mesmo não se perguntar pelo CENP, ou pela ANCINE. O nosso instinto de sobrevivência é rapidamente acionado e começamos a buscar defeitos no projeto para justificar o nosso trabalho. Nos apoiarmos em regulamentações para tentarmos proteger o nosso mercado soa um pouco taxista em uma briga contra a tecnologia. E o melhor argumento que ouvi no caso deles foi uma citação que cabe perfeitamente pra gente: “podemos cortar todas as flores, mas não poderemos deter a primavera”. Não é no grito que a gente ganha esse jogo.

Essa nossa reação, no fundo, demonstra insegurança. Sabemos o quanto nós, agências, nos desvalorizamos no passado recente. A concorrência, a briga por preço, a mesa de compras espremendo as nossas margens, os trabalhos não remunerados pelos clientes, mas remunerados por terceiros. Bureau de mídia? Vem na fila. A única coisa que varia na opinião dos profissionais é o tempo que demora para chegar, mas ninguém duvida que vem.

Precisamos sair da pressão, respirar e olhar de cima. A pandemia trouxe um monte de novidades. É por conta dela que a Globo diz ter lançado essa plataforma. Porque assim estaria ajudando os pequenos negócios. Mas essa mesma pandemia também resgatou valores importantes na comunicação. O jornalismo voltou a ser fonte de conteúdo de credibilidade e nós, agências, reafirmamos que criatividade é uma necessidade estratégica, não só para um filme de TV. Quem não recebeu um briefing de COVID cuja solução poderia ajudar a transformar o negócio do cliente?

Podemos discutir se a mesa de performance vai ser internalizada, se parte da criação vai ser desdobrada dentro do cliente ou, agora, se o cliente vai comprar mídia diretamente. Mas ninguém tem dúvidas sobre o valor de um olhar criativo em todas as frentes de atuação (não só na criação) e a sua importância para o cliente. O negócio da agência pode mudar e não precisamos ter medo. Poderemos ter menos pessoas e menos processos. Mas isso vai abrir oportunidade para novos negócios surgirem e novos anunciantes chegarem. Também não significa que precisam ser menos valiosos. Grandes empresas de tecnologia foram vendidas por muito dinheiro com apenas 9 pessoas. Isso porque eram 9 pessoas que criavam – sim, essa é a palavra – o que ninguém criava. Aí está o nosso valor. Criar não é sobre o quanto custa, mas sim sobre o quanto vale. A gente sabe criar valor para os clientes. Olhemos pra gente.

O inimigo real não é a inovação. É a desvalorização.
E ela começa dentro da gente, não dá para culpar ninguém.
A boa notícia? Mudar depende de mim e de você.

Marcelo Bernardes é CEO da Purple Cow