Assuntando sobre o episódio em torno da fala polêmica do ministro da Economia, Paulo Guedes, recebida com risos por uma plateia de empresários em Fortaleza, no Ceará, recentemente, um amigo me sugeriu dar uma espiada no livro O riso, de Henri Bergson. O livro me atropelou. Ler o ensaio de Bergson sobre a significação do cômico foi interessante e me ajudou a aprofundar a reflexão sobre de que diabos ria, afinal de contas, uma plateia de empresários, que certamente mandaria demitir funcionários das próprias empresas que fizessem comentários públicos tão duvidosos quanto os que temos lido e ouvido, com frequência inquietante, na mais alta patente da política não só nacional, como de outras nações. É bem verdade que o ministro se desculpou, através de comunicado, da brincadeira feita. Mas a plateia… atravessou o episódio anônima e calada. Do que riam? Foi um riso nervoso, de quem ri sem convicção, só para acompanhar o grupo? Ou um riso solto, que estava embargado, desejado mas contido até então, e que finalmente encontrou seu rumo no encanto do coletivo?
Bergson diz, por exemplo, que o riso parece precisar de eco. E que, por mais franco que seja, sempre oculta um acordo, uma cumplicidade, com os outros que riem. É um gesto social. Para Bergson, a indiferença é o ambiente natural do riso, e o seu maior inimigo, é a emoção. O riso demanda certo teor de insensibilidade para acontecer. De fato, é fácil reconhecer a insensibilidade naquele riso. Um riso proferido por uma plateia de espectadores não de uma palestra, mas espectadores da vida, naquele exato instante desconectados, descompromissados, soltos, protegidos pelo anonimato da multidão, não implicados em conse-
quências. Como o riso do espectador, no teatro, que é tanto maior quanto mais cheia esteja a sala – conforme aponta Bergson. Diz o filósofo francês: a verdadeira causa do riso é o desvio da vida, na direção da mecânica. Automatismo. De volta às suas rotinas, nas suas salas em escritórios bacanas, ou mesmo na rotina dos posts de suas redes sociais, falas públicas ou entrevistas à imprensa, empresários procuram seguir à risca a cartilha da ética e da responsabilidade. Qualquer comportamento (público) duvidoso pode destruir carreiras, sem perdão. É o que temos visto, e meu colega de coluna, Stalimir Vieira, tratou disso engenhosamente em coluna recente: Quando as redes sociais demitem. Empresas e empresários não perdoam e não são perdoados, quando erram em praça pública. Quem tropeçar em valores sexistas, racistas ou preconceituosos de qualquer natureza, ainda que num extraordinário ato falho, terá a fogueira, nem que seja do compliance, como destino. Políticos não, ou quase nunca. Políticos sobrevivem. E sequer pedem desculpas.
É um paradoxo. Políticos e empresários, governo e empresas caminham, tantas vezes, por vias antagônicas do ponto de vista da ética e da responsabilidade, como se não habitassem o mesmo planeta. Nos Estados Unidos, enquanto executivos são banidos de empresas e têm seus perfis no LinkedIn manchados para todo o sempre, o presidente Trump não mede falas e segue cometendo gafes éticas sem qualquer consequência. Vivemos fenômeno semelhante no Brasil, como se a política de fato pertencesse a uma outra ordem e conjunto de regras, numa assombrosa inconsequência. Há exceções, claro, de ambos os lados – na política, e no empresariado. Mas são dois mundos que, volta e meia, se chocam, num movimento necessário e salutar. Atos e falas de políticos e governos frequentemente geram, por parte de empresas, reações e respostas corajosamente questionadores, como convém a quem se posiciona neste planeta devidamente implicado, inserido na realidade, preocupado com o rumo e o futuro não só seu, mas do seu entorno, seres e coisas. Na lógica de Bergson, quem não ri da piada de ética duvidosa, sente. Porque está vivo e consciente.